I wear my sunglasses at night

So I can, so I can Watch you weave

Then breathe your story lines And I wear my sunglasses at night

So I can, so I can Keep track of the visions in my eyes

(ao som da banda de Death Metal Arsis)

Porque há o direito ao grito.

Então eu grito. (Clarice Lispector)


Para falar de Marcos Antonio dos Santos Reigota, é necessário assumir o risco de falar por conta própria.

É preciso ter vivido a experiência de encontrar- se com ele, através de seus textos, suas aulas, sua fala, sua militância e, para os privilegiados pelas forças cósmicas que insistem em acreditar na velha máxima “No creo en brujas, pero que las hay, hay...”, sua inebriante amizade. Explicando de outra forma, aproveito a sugestão de Deleuze, que, ao escrever sobre Nietzsche, o fazia com um Nietzsche

À Marcos Reigota,

e sua vibrante presença ecológica

militante, freireana e pacifista

(e vice-versa) entre nós...

À Marcos Reigota,

e sua vibrante presença ecológica

militante, freireana e pacifista

(e vice-versa) entre nós...

deleuzeano que estava exposto no texto, e não o Nietzsche que a História da Filosofia havia enclausurado em uma cristalizada e sedentária narrativa. Ao escrever sobre Foucault, Bergson, Hume, Francis Bacon, entre outros, sua perspectiva era a mesma.

Antes de conhecer Marcos, já o havia avistado duas vezes.

A primeira foi durante uma reunião com um grupo de ambientalistas sorocabanos, em meados de 1998, que discutiam as ameaças do Centro Experimental de Aramar, uma unidade de beneficiamento de Urânio localizado na cidade de Iperó-SP, vizinha à Sorocaba-SP, que preparava o combustível para o submarino nuclear brasileiro. Durante esta reunião

– organizada por um vereador ecologista da cidade de Sorocaba, chamado Gabriel Bittencourt – Marcos nos falava que, em suas viagens e andanças pelo Brasil e mundo afora, ninguém, a não ser os próprios sorocabanos(as), sabiam da existência de Aramar, tal o grau de segredo que a Marinha brasileira desejava guardar sobre aquela unidade.

A segunda vez foi na realização da Semana de Geografia e Meio Ambiente, em 1999, organizada pelo curso de Geografia da Uniso (do qual hoje sou coordenador acadêmico); nesta ocasião, Marcos foi o responsável por fazer a palestra de abertura. A presença dele entre nós foi bastante enfatizada pela então coordenadora do curso, a saudosa Professora Maria Lúcia de Amorim Soares, que o enaltecia como um cidadão do mundo, residente de um flat na cidade de São Paulo, e o tempo todo em circulação pelo Brasil e mundo, realizando palestras, conferências, participando de bancas, divulgando seus trabalhos.

Aliás, não só a professora, mas a própria Universidade fazia

questão, naquele momento, de comemorar a presença daquele professor


que acabara de voltar da Europa, após realizar seu doutorado em Filosofia da Biologia pela tradicionalíssima Université Catholique de Louvain, na Bélgica, e pós-doutorados em Genebra e Londres. Ao chegar para trabalhar na Uniso, em 1998, os jornais da universidade fizeram longas entrevistas e reportagens sobre ele, tal era o grau de importância de sua presença.

Dois pequenos libelos que havia lançado em meados dos anos 90 já haviam se tornado leitura obrigatória para os interessados em ecologia política e educação ambiental: “O que é educação ambiental?”1, lançado pela emblemática “Coleção Primeiros Passos” da Editora Brasiliense; e “Meio Ambiente e Representação Social”2, onde apresentava sua proposta para a utilização das representações sociais nas práticas educativas, como forma de promover a desconstrução destas e a construção de novos saberes sobre o meio ambiente.

Fui apresentado diretamente a ele algumas semanas depois. Na realidade, ele pediu à minha antiga professora de Geologia, também saudosa Arlete Dias, para sermos apresentados, pois havia lido um pequeno texto anárquico meu sobre ecologia e geologia. Passei a trabalhar para ele imediatamente, na organização da Biblioteca de Educação Ambiental da Uniso.

Na arrumação dos materiais que ele havia doado à Universidade, entrei em contato com inúmeros documentos, jornais, livros, revistas e outros aparatos das mais diversas instituições: revistas britânicas, indianas e estadunidenses; jornais da UNESCO e da Agência Internacional de Energia Atômica; livros, periódicos e anais de eventos das mais diversas regiões do Brasil; e grande quantidade de material de divulgação do extinto Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá, de quem foi consultor em educação entre o fim dos anos 1990 e começo dos 2000.

Foi também no final dos 1990 que Marcos lançou “A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-moderna”3, onde entrelaça a política, a cultura, a globalização e o tempo às questões da educação e o meio ambiente, além de ampliar a discussão e a proposta relativa à aplicação das representações sociais nas atividades de educação e meio ambiente, além de enaltecer uma perspectiva antropofágica nesses entrecruzamentos. E de suas pesquisas de pós-doutorado, lançou em 1999, “Ecologia, Elites e Intelligentsia na América Latina”4, analisando os discursos das elites acadêmicas sobre ecologia, e a difusão dessas perspectivs.

Porém, nos últimos anos, Marcos preferiu criar, como um efetivo pensador das perspectivas ecologistas em educação, um termo mais radical, dado que as antropofagias, em toda sua radicalidade, também acabaram por ser banalizadas por um academicismo kitsch que infesta como praga os programas brasileiros de pós-graduação... É daí que vem seu conceito mais recente de educação ambiental canibal, que destronca, eviscera, parte e trinca todas as partes e pedaços das noções cristalizadas e institucionalizantes, governamentalizantes e desmobilizantes sobre ecologia e educação.

Mas tenho ainda como livro de cabeceira, dezoito anos depois de ter lido pela primeira vez, o emblemático “Ecologistas”5. Quando o li pela primeira vez, ainda no primeiro ano da graduação em Geografia, pude perceber que a ecologia, como perspectiva política e filosófica de movimentos


  1. REIGOTA, M (1994). O que é educação ambiental?. São Paulo: Brasiliense.

  2. REIGOTA, M (1995). Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez.

  3. REIGOTA, M (1999). A Floresta e a Escola: por uma Educação Ambiental Pós-moderna. São Paulo: Cortez.

  4. REIGOTA, M (1999). Ecologia, Elites e Intelligentsia na América Latina. São Paulo: Annablume.

  5. REIGOTA, M (1999). Ecologistas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.


    sociais e de militância educativa, não era propriedade única e exclusiva do movimento ecológico, ou das políticas e leis sobre educação e meio ambiente.

    As ecologias estavam presentes na música, nas artes visuais, na literatura, no cotidiano de viajantes, professores, sindicalistas. Por exemplo, em outro livro emblemático de sua obra, “Iugoslávia: registros de uma barbárie anunciada”6, Marcos aprofunda a sua percepção e construção narrativa ecosófica, para falar da guerra absurda que abalou o continente europeu nos anos 90, com todos seus vieses geopolíticos, históricos, culturais, sociais, econômicos e religiosos.

    Apesar das inúmeras tentativas de cristalização e institucionalização forçadas da ecologia e da educação ambiental pelas esferas governamentais e privadas, Marcos sugere perspectivas mais fluídas e nômades para compreendê-las, desconstruí-las e reconstruí-las, constantemente. De modo que elas mantenham, ao máximo possível, sua força rebelde, trans-formativa e libertária. Para ele, é nas margens das institucionalizações, das cristalizações e da sedentarização que a ecologia e a educação podem possibilitar mudanças efetivas nas relações entre as pessoas, e com as pessoas e o meio ambiente.

    Quem está nessas margens7 são estudantes noturnos de universidades privadas, cujas condições econômicas limítrofes não permitiram que conseguissem ser aceitos em cursos de universidades públicas, além da necessidade de trabalhar para ajudar a família e pagar as mensalidades. E também são os discursos dos movimentos culturais e sociais que, por sua condição radical, não participam da governança, muito menos tem direito às verbas para o fornecimento de serviços públicos.

    Ao dialogar com essas margens para discutir e potencializar a ecologia como força inspiradora e mobilizadora de novas possibilidades de fazer educação, o faz com uma radicalidade política que não permite mais que a ecologia seja vista unicamente como propriedade dos programas governamentais em educação ambiental, ou como marketing publicitário de corporações pseudo sustentáveis.

    Ao insistir com seus orientandos(as) e estudantes sobre a necessidade de deslocar a ecologia e a educação da compreensão dada pelos centros aglutinadores de poder, sejam eles políticos, econômicos, universitários e culturais, Marcos não pede que enquadrem as margens em classificações monolíticas sobre que tipos de ecologias podem se fixar, mas que busquem investigar e narrar quais ecologias distintas, díspares e rebeldes estão presentes e são criadas por essas bordas.

    Ecologias que, na perspectiva de Marcos, estão presentes nas pichações, nas bandas de Metal Extremo, no Hip-Hop, no Rap, na dança de rua, nas comunidades quilombolas, em comunidades ribeirinhas e indígenas da Amazônia Brasileira, em movimentos sociais periféricos das grandes cidades. Aliás, não é necessário ir muito ao extremo nessas margens. Ao propor que enfatizemos as experiências cotidianas, criemos narrativas a partir de nossas próprias trajetórias, e compartilhemos currículos, saberes e vivências, Marcos não enaltece e fortalece somente o pensamento de Paulo Freire, em sua proposta dialógica de produzir conhecimento a partir dos encontros, mas sempre traz à tona a pertinência da ecosofia de “As três ecologias”, de Felix Guattari.


  6. REIGOTA, M (2001). Iugoslávia: Registros de uma barbárie anunciada. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.

  7. REIGOTA, M (2010). “A contribuição política e pedagógica dos que vêm das margens”. TEIAS: Rio de Janeiro, ano 11, nº 21, jan/abr.


    Mas que não se acredite que as centenas de viagens, conferências, palestras, orientações acadêmicas, livros e artigos fizeram dele um brasileiro enaltecido por todos os seus pares no mundo acadêmico, ou que seja uma unanimidade entre os educadores ambientais brasileiros. Aliás, se há algo com que nós brasileiros estamos convivendo, mais uma vez, é o vilipêndio público da herança de seus maiores pensadores. O massacre que a memória de Paulo Freire vem sofrendo por parte dos grupos conservadores, ligados às entidades neoliberais, neofascistas, pseudo neopentecostalistas, ruralistas, militaristas e todo tipo de manifestação do reacionarismo contemporâneo, vem rubescendo de vergonha àqueles que ainda insistem, nos espaços acadêmicos e escolares, em defender sua importância, seu legado e a sua contribuição à educação. Colegas estrangeiros, que são estudiosos de Paulo Freire, parecem não compreender o massacre que ocorre contra a imagem do propositor da “Pedagogia do Oprimido”.

    No entanto, Marcos sofreu, especialmente durante os anos “dourados” – pelo menos para os empresários das grandes corporações nacionais, e que hoje estão em grande parte na cadeia devido aos escândalos de corrupção – do governo Lula (2003-2010), um massacre brutal por parte dos educadores ambientais e ecologistas que faziam parte do governo federal naquele momento, e de seus apoiadores.

    Isso porque não aceitavam as críticas feitas por ele8, que evidenciava o silêncio desses educadores e ecologistas perante as tragédias da expansão da destruição da floresta amazônica pelo agronegócio e pela indústria da carne, da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a consequente expulsão de populações indígenas e ribeirinhas da Volta do Rio Xingu, da catastrófica obra da transposição do Rio São Francisco, e também perante os escândalos de corrupção que assolaram o governo do Partido dos Trabalhadores, a partir de 2005.

    Os mesmos que enalteceram as críticas de Marcos ao modelo neoliberal proposto pelo governo de Fernando Henrique Cardoso9, promovendo a banalização da Educação Ambiental nos Programas Curriculares Nacionais (PCNs) nos anos 1990, agora o tratavam como a um pária, acusando-o absurdamente, muitas vezes, de pertencer às alas da oposição conservadora promovida pelos sociais-democratas.

    Marcos, conservador, por criticar o governo de “esquerda”?

    Os escândalos recentes na política brasileira – que ajudaram o Brasil a afundar em um mar de caos político, social, econômico e ambiental – vem expondo cada vez mais a face neoliberal de cunho nacionalista que o governo de “esquerda” possuía, e cujos bastidores nefastos escancararam o fato de não se diferenciarem em praticamente nada dos governos ditatoriais dos anos 1960 aos 1980, ou dos governos neoliberais dos anos 1990.

    Mas Marcos não se intimidou, rompeu com diversos colegas antigos de militância ecológica – e estabeleceu melhores amizades - manteve suas críticas e deslocou ainda mais para as margens as possibilidades de transformação da sociedade e de suas relações com o ambiente. Nesse sentido, afastou-se do conceito da Educação Ambiental e do seu status de garantidora de salvação das almas e do planeta – o que a transforma em um novo messianismo pastoral, travestido de ciência, carregado de todas as normatividades e imposições de qualquer prática coercitiva –, para criar outras formas de pensar as relações entre educação e meio ambiente como múltiplas, heterogêneas e insubmissas às doutrinações doentias presentes em noções conservadoras ou crítico-dialéticas.


  8. REIGOTA, M (2008). “Cidadania e educação ambiental”. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre. v. 20, n. spe, p. 61-69.

  9. REIGOTA, M (2000). “La transversalidad em Brasil: una banalizacion neoconservadora de una propuesta pedagogica radical”. Tópicos en Educación Ambiental. México, vol. 2, pp.19-26.


Propõe, portanto, as perspectivas ecologistas em educação, com um caráter dialógico, libertário e radicalmente enriquecedor das narrativas cotidianas dos efetivos protagonistas da educação, ou seja, professoras e professores, e estudantes. Ao retirá-los de um papel secundário, vistos somente como coadjuvantes em uma educação que insiste em se enaltecer por suas políticas públicas e pelo egocentrismo dos produtores das verdades em seus escritórios e gabinetes, Marcos propõe uma ação política, que visa inverter o jogo de forças presente na educação contemporânea.

Nas perspectivas ecologistas em educação – canibais, licantrópicas, monstruosas, anormais, rebeldes, insubmissas, menores, infernais, anárquicas, subterrâneas – Marcos e as pesquisas que constrói e ajudou a construir em suas dezenas de orientações, trazem para a educação ambiental e para os estudos de cotidiano escolar, pensadoras e pensadores que estão muito distantes dos referenciais bibliográficos “críticos” que se impuseram à educação ambiental brasileira – e à educação em geral – nas últimas duas décadas. Marcos dialoga com Isabelle Stengers, Ilya Prigogine, Alberto Melluci, Gianni Vattimo, Pierre Bordieu, Eduardo Viveiros de Castro, Michel Foucault, Newton Aquiles Von Zuben, Julio Cortazar, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Jorge Luis Borges, Milton Hatoum, Akira Kurosawa, Oswald de Andrade, entre muitos outros.

Mas também dá o mesmo tom de voz e importância na construção de sentidos na/para a educação aos discursos e saberes indígenas, dos quilombolas, dos professores e professoras (do Amapá, Rio Grande do Sul, Sorocaba e região), dos pichadores(as), dos movimentos contraculturais urbanos (anti-homofobias, anti-racistas, antifas, periferias), da música brasileira e internacional, pintores(as), escultores(as), cineastas, artistas plásticos, artistas de rua, esportistas e trabalhadores(as).

Entre as incontáveis viagens e intercâmbios – sim, Marcos é um legítimo cidadão do mundo e tem amigos nos cinco continentes –, que fez e ajudou/estimulou amigos(as), estudantes e orientandos a também realiza-los nos últimos anos, está o convênio entre as Universidades Autônomas do México (UAM) e de Oaxaca (UABJO), Alice Salomon Hochschule Berlin e a Universidade de Sorocaba, onde tem contribuído com propostas de construção de novos espaços acadêmicos e culturais.

É preciso enfatizar aqui, também, suas viagens recentes ao Japão, especificamente à Hiroshima e Nagazaki, que nos proporcionam uma compreensão extremamente sensível e inigualável sobre os efeitos das bombas nos cotidianos, mesmo tanto tempo depois. Prestigia-nos, a partir dessas experiências, com magníficos textos, exposições fotográficas de olhar aguçado, e conversas descontraídas com crianças de escolas sorocabanas.

Além de enaltecer toda a imensa contribuição dada por Marcos Reigota à ecologia política, às perspectivas ecologistas em educação, e às propostas marginais de ação social, econômica, cultural e científica, é necessário reforçar o compromisso político e a competência técnica com a qual ele se dedicou nas últimas três décadas a formar professoras, professores e outros profissionais a também lutar pelas mudanças coletivas e individuais. Somado a isso tudo, ainda temos a honestidade intelectual, o desprendimento humano e a fidelidade para com os amigos, para os quais, Marcos é fonte de inspiração, admiração, orgulho e alegria...


Rodrigo Barchi Professor-coordenador do Curso de Geografia da Universidade de Sorocaba (UNISO), Brasil.


Año 22, n° 79


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en octubre de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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