NOTAS Y DEBATES DE ACTUALIDAD

UTOPÍA Y PRAXIS LATINOAMERICANA. AÑO: 22, n°. 79 (OCTUBRE-DICIEMBRE), 2017, PP. 123-130 REVISTA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA Y TEORÍA SOCIAL

CESA-FCES-UNIVERSIDAD DEL ZULIA. MARACAIBO-VENEZUELA.


A arte como política do impossível


Art as politics of the impossible El arte como política de lo imposible

Marta CATUNDA

Universidade de Sorocaba/UNISO, S-P, Brasil.


RESUMO


Este texto apresenta um breve exercício de pensamento, sobre o tema de pesquisa em perspectiva ecologista da educação e a arte (em estudos da ambiência sonora e cotidiano escolar), a partir da seguinte questão: A arte é a política do impossível, ou a arte é uma infecção? O exercício de pensar a arte como infecção levou a criação de uma palavra: infectarteção. Também a pensar outra perspectiva no pós doutorado em educação, para o tema, extinção de cantos de pássaros. A incerteza presente nos estudos do Antropoceno, indica possíveis e impossíveis inflexões da arte não como limite mas, como abertura.

Palavras-chave: arte; educação; perspectiva ecologista; política.

ABSTRACT


This text is a brief thought exercise. It addresses the theme of research in studies of the sound environment and everyday school in the ecology perspective of education and art, from the following question: Is art an impossible policy, or is art an infection? The exercise of thinking art as an infection led to the creation of a

word: infectation. Also to think another perspective in postdoctoral education, for the theme, extinction of bird songs. This uncertainty in the Anthropocene studies, open to possible and impossible inflections of art should not be seen as a limit.

keywords: art; education; ecological perspective; politics.

RESUMEN


Se presenta aquí un breve ejercicio de pensamiento sobre el tema de la investigación en educación ambiental y el ambiente sonoro dentro de la perspectiva ecologista de la educación junto al arte. Responde la siguiente cuestión: ¿el arte es una política imposible o el arte es una infección? El ejercicio del arte pensativo como la infección llevó a la creación de la palabra: infectarteción. También para pensar otra perspectiva ecologista en educación, para la extinción de canciones de pájaros. Esas incertidumbres identificadas en los estudios del Antropoceno, mire a posibles e imposibles inflexiones de arte que no deben ser entendidas como un límite.

palabras clave: arte; educación; perspectiva ecologista; política.


Recibido: 04-08-2017 ● Aceptado: 12-09-2017


Até o século XX a afirmação do humano sobre a natureza foi repleta de certezas sobre seu destino na Terra. Mas, no presente contexto de incerteza, o impossível vem à tona com muita força. Começo aqui com uma questão. Será que o ser humano dará conta de sobreviver como espécie? Como educadora, ecologista e musicista, venho atuando dentro e fora do contexto escolar, pesquisando a ambiência sonora. Inventar palavras é uma ação adequada ao momento que estamos vivendo, já que palavra é também som. Há um desaparecimento paulatino de centenas de línguas no planeta. Embora este texto não vá se debruçar sobre este assunto, segundo o Centro Regional de Informação das Nações Unidas

- UNIC, 2500 línguas estão em perigo de desaparecimento. E se estamos vivendo em um contexto tão inédito que conjuga a perda biodiversidade, com a cultura, podemos pensar que outras línguas também poderão surgir como expressão de uma situação inédita. Aqui neste texto indicamos não uma palavra-chave mas, uma palavra-asa. Aquela que nos permita primeiro inventar, imaginar, criar, verbos da educação1.

A partir da questão levantada como provocação ao pensamento no Encontro Ritmos de Pensamento2: A arte é a política do impossível, ou a arte é uma infecção? Comecei pensando que a infecção caracteriza- se por um quadro de invasão do organismo por microrganismos estrangeiros, que se esforçam para tomar conta deste espaço, usando para isso os próprios meios encontrados no corpo prestes a ser colonizado. Isto traz consequências muito negativas para o hospedeiro, que vê seu mecanismo de funcionamento afetado pela presença destes agentes destruidores, os quais podem provocar inúmeras enfermidades. Assim sendo inventei a palavra infectarteção como que consiste na invasão de microideias (ideias que não estão muito bem delineadas, mas vivas) e são estranhas, se esforçam para tomar conta do corpo a ser afetado, mas, só encontram conexões possíveis (usando a sensibilidade que então é tocada através da arte) para que essa conexão se realize. Isto traz consequências muito interessantes para o corpo que estava passivamente acomodado, inerte e de repente é contaminado por sensações, impressões, sintomas.

Importante diferenciar a emoção pura e simples, da sensação. A arte trabalha com a lógica da sensação, com o estranhamento, desafia nossos entranhamentos. A sensação não é algo que simplesmente vem à tona, ou é instantânea mas, algo que flui, trabalha com o tempo puro que foi proposto por Bergson3, proliferando outros tempos em nós, outras durações, eridicências na mente que ecoam futuros. Então, muitas de nossas experiências vão nos afetando posteriormente ao ato da afecção. Vão nos contaminando, minando os sentidos anteriores e nos atravessando, ampliando a sensação, sem que possamos nos dar conta de imediato.

Inventar palavras, coisa que vários poetas e escritores já praticam foi recentemente sugerida pelo “Bureau de Realidade Linguística”4, com a finalidade de recolher, traduzir e criar um vocabulário novo para o Antropoceno5. Suposta idade geológica da Terra, quando a ação humana passa a ser a força capital de mudança ambiental e climática.


  1. CATUNDA, M (2016). A B C de encontros sonoros: entre cotidianos da educação ambiental. Hipótese,Itapetininga.https://drive. google.com/file/d/0B4VVtZy9vhzvdndWUVVlcm1SZGs/view.

  2. Evento coordenado por Dra. Alda Romaguera, educadora do Programa de Pós Graduação Em Educação da Universidade de Sorocaba UNISO, reunindo diversos artistas, educadores ocorrido em abril de 2016, Sorocaba, SP.

  3. BERGSON, H (1988). Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. (Trad. J. S. Gama) Edições 70. Lisboa.

  4. Bureau de Realidade Linguística (2014). https://bureauoflinguisticalreality.com/about/.

  1. Em 1999, em uma conferência na Cidade do México sobre o Holoceno - a época da Terra que atualmente habitamos oficialmente, começando em torno de 11.700 anos atrás - o químico atmosférico premiado com o Nobel, Paul Crutzen percebeu que a designação Holoceno era imprecisa: "De repente eu pensei que este termo estava errado", recordou mais tarde. "O mundo mudou muito. 'Não, nós não estamos no Holoceno estamos no Antropoceno. Eu criei esta palavra no calor daquele momento. Mas parece ter ficado. CRUTZEN, P & STOERMER, E (2000). The Anthropocene”. Global Change Newsletter, 41: pp. 17-18.


    A ideia de criação de um novo léxico baseia-se na premissa de que a nossa espécie homo sapiens está experimentando uma “perda coletiva de palavras”, assim nosso antigo léxico não representa mais as emoções e experiências que estamos sofrendo no habitat (Terra) e que está mudando rapidamente, devido à instabilidade climática, entre outros eventos. O Bureau de Realidade Linguística encarregou-se de gerar instrumentos linguísticos para expressar estas mudanças a nível pessoal e coletivo.

    Entre as propostas do Antropoceno6 é que cartógrafos redesenhem mapas, para acomodar a elevação dos mares, os psicólogos passem a dar conselhos relativos a um outro tipo de estresse causado pelo clima, que muitos cientistas definem como uma outra idade ou época, onde teremos que nos tornar mais terranos7. Temos que buscar outras formas de relação e também de compor espaços para usos coletivos que vão surgindo da noite para o dia por conta de enchentes, terremotos entre outros fenômenos climáticos. Para tanto, o referido Bureau estabeleceu-se como uma obra de arte conceitual interativa e aberta, para ajudar a preencher o vazio linguístico de um mundo em acelerada mudança.

    Vivemos então como se a própria dizibilidade nos fosse negada, e nada mais se pudesse dizer, não com as palavras que conhecemos. Como é o caso no capitalismo mais avançado: o sentido da palavra democracia.

    As palavras se desgastam por usos abusivos e/ou impermeáveis as transformações e incertezas do nosso cotidiano. Um caso poético é a palavra solastalgia, cunhada por Glenn Albrech8 que percebe uma forma de sofrimento psíquico e existencial causada por uma profunda mudança nos ambientes de vida. A mudança ambiental(caso de Tsunamis, furações, terremotos...) desmonta o cenário da vida de centenas de milhares de pessoas, animais, espécies da noite para o dia. A solastalgia ou saudade do solo, expressa-se então quando se perde mesmo o chão, a referência de um lugar. Uma situação muito mais complexa uma vez que na saudade, se pode retornar ao lugar, pessoa, ou contexto vivido. A solastagia é a dor da falta sem retorno, uma falta que permanece falta, porque os habitantes se deparam com seu próprio ambiente, com um outro lugar, totalmente diferente, onde ele não é mais parte e nada mais lhe é familiar e muitas vezes não há mais possibilidade de viver ali.

    No Brasil os exemplos bem próximos e recentes o crime ambiental em Mariana, Tapajós, Belomonte, obras que para se instalarem provocam um genocídio consentido, com planejamento meticuloso. São exemplos do que acontece em menor escala nas cidades os grandes empreendimentos como resorts, condomínios de Luxo, vias, viadutos, espigões gigantescos, estradas, que anulam comunidades inteiras em nome de algo muito velho e embolorado, para tempos de mudanças tão radicais – o progresso. Palavra cujo bolor ácido carcome o planeta

    Não costumamos parar muito para pensar nisso porque uma das mais terríveis características da nossa época, é que somos oprimidos por mudanças radicais em nosso cotidiano, que nos afetam mas, não nos move, em ações de contraposição. Estamos atomizados, separados por mais que as redes sociais, a internet aglutine, esclareça, denuncie ou, tente juntar esforços - não são linhas de força efetivas elas não conseguem uma ação mais ampla, capaz de tomar corpo. Diferente do que aconteceu recentemente no nosso país: o impeachement, com um evento totalmente orquestrado por poderes instituídos: um dia a esquerda vai para rua com suas bandeiras vermelhas, no outro dia vai a direita de verde e amarelo, com suas panelas fazendo barulho, nada é espontâneo. Ao contrário de acordo com


  2. THE GUARDIAN (2016). Anthropoceno. How human have altered the planet for ever. Robert Marc Farlane. Science and nature. http://www.theguardian.com/books/2016/apr/01/generation-anthropocene-altered-planet-for-eve.

  1. Viveiros de Castro, antropólogo organizador do Colóquio Internacional intitulado, ‘’Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno a Idade da Terra’’, usa a palavra terrano - sobre o tema do Antropoceno. O colóquio foi realizado no Rio de Janeiro, em setembro de 2014. https://osmilnomesdegaia.eco.br/.

  2. GLENN, A et al (2009). Solastalgia: the distress caused by environmental change, pp. 995-998. Published online: 06 Jul.


Barchi9, tudo é orquestrado até as manifestações mais simples são contaminadas pelos dispositivos de poder vigente.

Um acontecimento recente que tomou corpo, no sentido de um corpo sem órgãos como ocorreu na Ocupação Escolar, por conta do Projeto de Redistribuição Escolar que ocorreu no Estado de São Paulo10.

O conceito de corpo sem órgão desenvolvido por Deleuze e Guattari , no Anti-Édipo11 pensado a partir de Artaud, está relacionado a ações que se põem em prática, ou conjunto de práticas. Vive-se momentos onde o corpo sem órgãos toma frente, como ocorreu com a Ocupação12. As escolas foram ocupadas, mas a Ocupação como tal tomou corpo na cidade, em suas ruas, avenidas, ecoando para outras cidades do interior. Os jovens estudantes demonstraram que o corpo sem órgãos é inimigo de um organismo (o estado) e se rebela contra ele, dentro da lógica capitalista onde/quando nossos órgãos são capturados e assim estamos presos ao instituído, subjugadas(os), mal satisfeitas(os) fracas(os). O corpo sem órgão desfaz-se de uma organização meramente produtiva e toma outras possibilidades de produção, experimenta ações diferentes das que já estão dadas e para as quais há adestramento. O corpo submetido assim é um corpo doente, desintensificado, anestesiado, tirado de sua vitalidade, sua rotina é mera repetição de horários, regras.

O corpo precisa ser infectarteado, tocado sensivelmente, pele, olhos, ouvidos e a boca possa dizer palavras dizíveis, não apenas as palavras de ordem, ou palavras-chave mas, clama outros dizeres e significados, palavras-asas.

As palavras estão tão contaminadas pelas normoses, como nos provoca pensar o poeta Serguilha13 que temos que inventar outras livres de aprisionamentos, interpelações e comandos. Então, ao propor a palavra infectarteção substantivo que traz em si o ato de infectarte, uma palavra aparentemente meio grotesca, mas não se engane, é apenas uma marca indelével dos tempos que vivemos. Pensando bem, Infectarte não é uma palavra, mas uma palarva:

fere en-ferruja

PALARVA úmida musguenta carcomida es-permeada

palarva rija

pedra pupa lerda sôfrega lisa perda

Larval instante oco

luz rompendo densidão de nuvens cratera de raios clareira metálicos grunhidos cintilantes onomatopaicos

prenhes

empapuçados escaldantes penetração feérica


9 BARCHI, R (2016). Poder e resistência nos diálogos das ecologias licantrópicas, infernais e ruidosas com as educações menores e inversas (e vice-versa). Tese de Doutorado em Educação. UNICAMP. Campinas.

  1. Ver sobre as Ocupações Escolares em resposta ao Projeto de Redistribuição Escolar da Rede Publica de Ensino em São Paulo, pelo governador Geraldo Alckmin. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1766433-alunos-de-atos-de-2015-apoiam- ocupacao-de-sede-de-escolas-em-sp.shtml.

  2. DELEUZE, G & GUATTARI, F (2004). O anti-édipo. Assirio e Alvim. Lisboa. p. 11.

  3. CATUNDA, M & ROMAGUERA, A (2016). “Imagens e sonoridades: é possível fissurar cotidianos escolares?”, Revista Quaestio. jul, pp. 159-175.

  4. Encontro Ritmos de Pensamento, 2016.


    ritual perfurante Palavra-larva lavra larval levante14


    Larva aqui é mesmo uma larva, ou seja, algo em estado de ovocimento (para por em desuso a palavra desenvolvimento extremamente contaminada). Significa algo que já abandonou o seu ovo e que pode alimentar-se por si mesmo. Uma palarva desenvolve outro significado tão rapidamente que não damos conta. Por que? Estamos em um contexto onde/quando a sensação grotesca, de mal estar, toma corpo e muda a relação com o ambiente em que vivemos sem que possamos compreender, o que está acontecendo. Pior não conseguimos dizer, o que está acontecendo?

    E porque estou intrigada com as palarvas? Minha pesquisa de pós doutorado é sobre extinção de cantos de pássaros, o desaparecimento de centenas de espécies de pássaros da ambiência, ou paisagem sonora dos nossos ambientes de vida.Vivemos o desaparecimento de muitos sons, sendo que para as pessoas com audição comum, a maioria desses sons não são se quer percebidos, quanto mais ouvidos15.

    Para se ter essa percepção é preciso curar-se dessa síndrome da surdez perceptiva ou, para usar uma palarva inventada, percesurdez. Os sons ainda estão ai para ouvirmos, mas, foram limados da percepção direta, estamos mergulhados em barulho e aprendemos psicologicamente a não ouvir. Por isso, os fons (altura exorbitante dos equipamentos de amplificação do som) estão tão presentes dos discursos à retórica dos poderes instituídos e toda forma de poder pastoral, que gritam nos nossos ouvidos. Gritam porque sabem que já estamos surdos. Com ovelhas teimosas é preciso vociferar. Esta pesquisa na verdade nasce de uma grande indignação e de uma perplexidade, que também percebo entre meus pares, colegas, professores, artistas, orientandas, outros pesquisadores e pesquisadoras com quem convivo e penso. Então este sentimento tem uma pegada subjetiva.

    Agora estou na primeira fase de escrita das leituras. Comecei com um texto do próprio supervisor, Marcos Reigota, Hihoshima e Nagasaki16, uma narrativa sutil mas, contundente do ponto inicial, marco zero dessa minha pesquisa. Marco zero aqui não é só um eufemismo mas, é de fato um indicador fundamental para que possamos compreender o momento presente. Porque foi a partir do evento atômico, que gerou-se uma aceleração nos eventos planetários de mudança climática.

    Quem afirma isso não sou eu mas, publicações recentes de geógrafos e estratígrafos, uma ciência super precisa se debruça em descrições detalhadíssimas de todas as formas de vida, das diversas camadas da Terra que guarda em sua carne, o retrato de eras e eons (um eon compreende mais ou menos de 3,8 a 2,5 bilhões de anos). O Grupo de Trabalho sobre o conceito estratigrafado do Antropoceno da Subcomissão Internacional de Estratigrafia Quaternária, vai recomendar a designação do Antropoceno, observando o limite temporal “estratigraficamente adequado”, em algum lugar na metade do século XX.

    Isto coloca o início do Antropoceno simultâneamente com o início da era nuclear os testes atómicos, que culminaram nas bombas atômicas lançadas em Hihoshima e Nagasaki17. Também coincide com a chamada “grande aceleração”, causada por enormes aumentos de: população, emissões de carbono,


  5. Fala da Professora Doutora Alda Romaguera, durante o Encontro Ritmos de Pensamento, realizado em Sorocaba no ano de 2016.

  1. KRAUZE, B (2016). Recording the sounds of extinction. http://www.greatbigstory.com/stories/sound-of-extinction.

  2. REIGOTA, M (2002). Hiroshima e Nagasaki. https://bureauoflinguisticalreality.com/about/.

  1. MAPA DAS EXPLOSÕES ATÔMICAS (1945 à 1998). http://juizofinal.wordpress.com/2010/08/15/curiosidade-mapa-de- explosoes-nucleares-no-periodo-de-1945-a-1998/.


    invasões de espécies, extinções, e quando a produção e descarte de metais, concreto e plástico cresceu numa escala mais abrangente.

    A indignação é de uma certa “naturalização” com que se trata de modo geral, e também as ciências ligadas a natureza, o conceito de extinção. Seja a perda da biodiversidade, seja das relações sociais e de outros modos/mundos de existência (como bem compreendeu Paulo Freire, que nos legou a leitura de que, a mesma palavra tem significados diferenciados conforme o contexto, porque são leituras de mundo diferentes). Tem uma relevância diante da transformação do nosso ambiente de vida cotidiano, e não pode ser meramente tratado como uma crise. Algo que vai passar deixando-nos cegos para o caos ao nosso entorno.

    Nós coexistimos com grandes perdas de biodiversidade, de interações sociais, de adaptação climática - mas cadastre-se, classifica-se esta perda incalculável, tão somente como uma crise.

    Assim, quando vejo os indicadores de espécies, mais para o vermelho, fora do vermelho, em perigo de ir para o vermelho essa perplexidade se amplia sobremaneira. Sinto como se estivéssemos em um ambiente onde a responsabilidade humana, não fizesse o menor sentido, está fatalmente comprometida, política e ideologicamente esvaneceu, evaporou.

    Talvez por ser educadora e ter uma responsabilidade muito grande sobre o porvir. E quem vem depois de mim? Essa pergunta espécie de mantra interno, foi feita para a professora, filosofa da História da Consciência, que estuda os ciborgues e o ciberespaço Donna Haraway18. Ela afirma que estamos vivendo em uma densidade fluente do tempo, não em um tempo de fim mas, em tempo de caos completo, onde os tempos proliferam. Um tempo em que estamos uns diante dos outros, sem fronteiras e temos que nos enfrentar - com nossos medos, preconceitos, nossa cor, nosso gênero, o desejo, a lógica do capitalismo que nos aprisiona, para deixar cair por terra defesas, fascismos escondidos, para por em prova nossa capacidade de fazer alianças, conviver para poder sobreviver, como em um jogo, enfim não é game over. Não ainda.

    Bergson19, já havia proposto esta proliferação de durações do tempo presente, o tempo puro:


    Um devir não é uma correspondência de relações, tampouco ele é uma semelhança, uma imitação e, em última instância, uma identificação. É o princípio de uma realidade própria ao devir (...)a idéia bergsoniana de uma coexistência de “durações” muito diferentes, superiores ou inferiores à “nossa”, e todas comunicantes20.


    Há uma vertigem, para usar aqui, um verbo do ouvido. Como se pudéssemos por uma lente de aumento no que ocorre e, mesmo assim continuamos cegos. Pouco ver e quase nada enxergar, e imersos no barulho urbano ruidoso e ensurdecedor, na exposição mediática e no assédio publicitário, nos traz uma sensação de impotência. Mas, no caos possibilidades fermentam. Precisamos aprender a reagir e não ignorar o que se passa em nossas vidas.

    Portanto, é preciso trabalhar arduamente por uma ecoestética, não só eco como oikos (casa), mas no sentido de ecoar sonoramente. Diferente desta estética que vemos infestada nas redes, que trazem em grande parte um misto de indignação e tédio, terror e morte. Há uma sobrecarga de ansiedade, a ponto de nem se quer aventarmos a possibilidade de ações que não só demonstrem a indignação,


  2. HARAWAY, D (2014). O Cthulhuceno. Depoimento (Colóquio Mil Nomes de Gaia do Antropoceno à idade da terra). 21 de agosto. Rio de Janeiro. Entrevista realizada por Eduardo Viveiros de Castro e Deborah Danowski. https://www.youtube.com/ watch?v=1x0oxUHOlA8.

19 BERGSON, H (1988). Op. cit.

  1. DELEUZE, G & GUATTARI, F (1999). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol 3. Editora 34.São Paulo, p. 15.


    do que estamos vivendo mas, que possa interromper este anestesiamento brutal com ações coletivas efetivas de cooperação, que disseminem outras linhas de força relacionais e conviviais.

    Em 2010 Timothy Morton, filósofo e professor americano escreveu um livro intitulado, Ecologia sem natureza - onde ele explica o conceito de “hiperobjeto” para designar algumas das entidades características, do que se convencionou chamar de nos últimos 17 anos, de Antropoceno21. Hiperobjetos são “tão maciçamente distribuídos no tempo, espaço e na dimensionalidade” que desafiam a nossa percepção, muito mais ainda, a nossa compreensão. São emissões de carbono que durante séculos foi cuidadosamente enterrado pela própria natureza, a acidificação dos oceanos (cujas consequências começam vir á tona), entre outros fenômemos em grande escala, para que se possa compreender um pouco, do Morton está se referindo, quando nos fala de um hiperobjeto sempre à sombra. Existe a extinção de fundo que acompanha a luta pela vida e o ocorre numa densidade de tempo mais lento, permeado por processos de adaptação, aqui e acolá, mas existe também a extinção em massa que pode ser desencadeada sem que haja muito tempo de ação e como as cinco anteriores dizimando pelo menos 90 por cento das espécies de vida existentes:


    Muito, mas muito de vez em quando, no passado remoto, o planeta sofreu mudanças tão violentas que a diversidade da vida despencou de repente. Cinco desses antigos eventos tiveram um impacto catastrófico o suficiente para merecer uma única categoria: as Cinco Grandes Extinções. No que parece ser uma coincidência fantástica, mas que provavelmente não é coincidência alguma, a história desses eventos é recuperada bem na hora começa-se perceber que está sendo provocando mais um. Embora ainda seja demasiado cedo para saber se atingirá as proporções dos anteriores, esse novo evento fica conhecido como a Sexta Extinção22.


    Nós temos que enfrentar e aprender a viver com essa considerável incerteza presente. Essa é a ideia básica de uma ecologia no escuro, que Morton descreve em seu livro. Procura olhar a realidade sobre o estado em que estamos, sem recorrer ao falso otimismo ou, decair para tons fatalistas de apocalipse. Exige que as pessoas assumam o controle e busquem essas saídas, porque ninguém as tem.

    Só há saídas coletivas porque não dá para não nos confrontarmos com o outro num planeta que se encolhe aceleradamente com o crescente aumento populacional em torno de 7,6 bilhões de habitantes23. Acabou aquele tempo de garantias, emprego, qualidade de vida, espaço permanente, ou o conforto do gueto, daqui em diante devir é aliar-se, fazer alianças: “Devir é da ordem da aliança. O devir é involutivo, a involução é criadora. Devir-animal é formar um bloco que corre seguindo sua própria linha, “entre” os termos postos em jogo, e sob as relações de aliança entre um e outro24”.

    Quando percebemos a nossa conexão com o resto do mundo, entendemos que nossas ações refletem toda a vida no planeta e a urgência que existe em relação ao porvir. Ecologia no escuro tem o potencial para ser meio rock/punk, death metal ou menor25.

    Esperanças de eco existem. Durante a pesquisa, a notícia da mostra sobre o Antropoceno entre as diversas exposições hospedadas no Deutsches Museum de Munique, me chamou atenção trabalho de uma bióloga da conservação Juiliane Liz Warren intitulado Esperanças de Eco. Apresenta a história do


  2. Ver sobre ecologia sem natureza, Timothy Morton. Disponível < https://www.theguardian.com/world/2017/jun/15/timothy-morton- anthropocene-philosopher>em Acesso em: 13 setembro 2017.

  3. KOLBERT, E (2015). A sexta extinção: uma história não natural. Intrínseca. Rio de Janeiro.

  4. Dados da Organização Mundial da Nações – ONU(2017). Acesso em:13 setembro 2017. http://www.unmultimedia.org/radio/ portuguese/2017/06/populacao-mundial-atingiu-76-bilhoes-de-habitantes/#.WbqNHNOGOV4, p. 11.

  5. DELEUZE, G & GUATTARI, F (1999). Op. cit.

  1. Cfr. GODOY, A (2009). A menor das ecologias. Edusp. São Paulo; BARCHI, R (2016). Op.cit.


    huia, um pássaro cujo o requinte do canto, a beleza de suas penas, o levou a extinção no início do século

    XX. Ela relata que um dos chefes da tribo Maori ofereceu uma pena de Huia a um visitante da nobreza e isso gerou uma corrida de vaidades (muitos nobres querendo uma pena de huia), além do seu habitat ser destruído por espécies introduzidas na Nova Zelândia, no mesmo período. Tudo aconteceu antes mesmo que as tecnologias de gravação tomassem frente, o que restou desta ave foi apenas um fóssil humano da tribo Maori, Hernare Hamana, (já falecido), que assobia a imitação do huia, ave sagrada para a tribo Maori numa gravação do antropólogo neozolandês Ral Bateley em 195426.

    Warren para minha surpresa, trabalha aquilo que estou chamando de ecoestética e ecoarte, embora esteja atuando na biologia da conservação da vida, um contexto científico bem diferente precisou de um artefato estético, ou ecoestético para afetar, provocar outras sensações e, de fato chamar atenção para o seu meticuloso e interessante trabalho de pesquisa de conservação da vida. Assim é que a arte pode traçar caminhos entre várias ciências, criar e inventar conexões para além das inter/trans disciplinaridades, porque não se trata apenas de uma interlocução mas, sobretudo de invenção, uma política onde/quando o impossível tem chance de se engendrar.


  2. Para ouvir o canto do Huia. http://www.nzbirds.com/birds/huia.html.


Año 22, n° 79


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en octubre de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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