Universidad del Zulia
Facultad de Humanidades y Educación
Centro de Estudios Filosócos
“Adolfo García Díaz”
Maracaibo - Venezuela
Esta publicación cientíca en formato digital
es continuidad de la revista impresa
Depósito legal pp 197402ZU34 / ISSN 0798-1171
Dep. Legal ppi 201502ZU4649
99
2021-3
Septiembre-Diciembre
I. ÉTICA, GLOBALIDAD CRÍTICA Y BIENESTAR HUMANO
II. DIMENSIÓN EPISTÉMICA Y DESARROLLOS CULTURALES
III. LA EDUCACIÓN EN CONTEXTO INTERCULTURAL Y
DECOLONIAL
IV. REPENSAR LA EDUCACIÓN SUPERIOR: TEORÍAS Y
PRÁCTICAS
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(CC BY-SA 4.0)
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Revista de Filosofía
Vol. 38, N°99, (Sep-Dic) 2021-3, pp. 380 - 398
Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela
ISSN: 0798-1171 / e-ISSN: 2477-9598
Drucker e o empreendedorismo, uma crítica
Drucker and Entrepreneurship, a Critique
Daniel Alvares Rodrigues
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6316-4219
Universidade Federal de Pernambuco Recife - Brasil
daniel.rodrigues@ufpe.br
Maria Fabiana da Silva Costa
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9418-0820
Universidade Federal de Pernambuco Recife Brasil
mariafabiana.costa@ufpe.br
resumo
Este trabalho é parte de uma pesquisa sobre empreendedorismo, e em especial uma análise
sobre o clássico “Inovação e espírito empreendedor” de Peter Drucker, ao qual apresenta o
empreendedorismo como a mais importante inovação ou nova tecnologia da atualidade.
Diferente do senso comum, empreender não é uma pré-disposição para correr riscos e sim
um cálculo de oportunidades. Drucker caracteriza o empreendedor como um ativista em
busca do aumento de produtividade, independente da localização deste nas relações sociais
produtivas, compromissado com o desenvolvimento do capitalismo. Oblitera, portanto, a
percepção das diferenças de classes fortalecendo o fetiche do empreendedorismo.
Palavras-chaves: Peter Drucker; Crítica ao Empreendedorismo; Inovação; Oportunidade;
Empreendedor.
________________________________________
Recibido 25-07-2021 Aceptado 10-10-2021
abstract
This papper is part of a research on entrepreneurship, and in particular an analysis of the
classic “Innovation and entrepreneurial spirit” by Peter Drucker, which presents
entrepreneurship as the most important innovation or new technology today. Unlike
common sense, entrepreneurship is not a pre-disposition to take risks, but a calculation of
opportunities. Drucker characterizes the entrepreneur as an activist in search of increased
productivity, regardless of its location in productive social relations, committed to the
development of capitalism. Therefore, it obliterates the perception of class differences,
strengthening the entrepreneurship fetish.
Este trabajo está depositado en Zenodo:
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.5651341
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 381
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Keywords: Peter Drucker; Criticism of Entrepreneurship; innovation; opportunity;
entrepreneur.
1. A título de esclarecimento
Dentro da tradução do livro supracitado, com esse mesmo subtítulo, apresenta-se
uma questão da tradução da palavra em inglês entrepreneurship, aproximando-se o máximo
da compreensão do leitor. A título de esclarecimento: a palavra utilizada vem tomando
outros significados, não modificando completamente seu sentido, mas como forma de
atualização do capital se expressar e como desafio de compreender uma objetividade
categorial, o empreendedor, entendido como o sujeito incorporador do empreendedorismo
como forma organizativa e mobilizadora de seu mais desenvolvido mecanismo de afirmação,
ou seja, de acumulação do capital na atualidade. A questão posta não é uma questão de
tradução, mas de afirmação das categorias em tela que no século vigente começa a ter
contornos específicos e claros como tentaremos demonstrar no presente texto.
Assim, entrepreneur poderia ser empresário, mas como este segundo
Drucker, e muitos outros, não é necessariamente um empreendedor (e o
empreendedor nem sempre é um empresário) empreendedor foi adotado por
todo texto.
1
Em 1985 quando é lançado o livro, ainda não está consolidada a denominação de
empreendedorismo e suas consequências, mas na lógica do capital avançado está dando
seus primeiros passos nessa formulação. Começa, esse clássico mundial chamado Drucker,
afirmando o entrepreneurship como uma prática e uma disciplina inovadora fundamental
para o capital.
[O livro] de fato, considera o surgimento de uma verdadeira economia
empreendedora nos Estados Unidos, durante os últimos dez a quinze anos,
como sendo o acontecimento mais significativo e promissor ocorrido na
história econômico-social recente. Porém, enquanto muitas das discussões
hoje tratam do empreendimento como algo um tanto misterioso, seja dádiva,
talento, inspiração ou um lampejo, este livro mostra a inovação e o
empreendimento com tarefas de propósito deliberado que podem ser
organizadas - e precisando ser organizadas -, e como trabalho sistematizado.
De fato, ele trata da inovação e do empreendimento como parte integrante do
trabalho do executivo.
2
Aqui temos três pontos centrais que precisam ser enfrentados: Primeiro, a localização
do empreendedorismo deve ser feita a luz do modelo chamado de neoliberal, situação
1
(MALFERRARI. Carolos J. In: DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor
(entrepreneurship): práticas e princípios. Biblioteca Pioneira de Administração e negocios. Tradução de
Carolos J. Malferrari - São Paulo: Pioneira, 1986, p. XIII)
2
(DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor (entrepreneurship): práticas e
princípios. Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios. Tradução de Carolos J. Malferrari - São Paulo:
Pioneira, 1986, p. XV)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 382
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objetiva, fundamental para sua maturação teórica. Entendemos que o empreendedorismo é
uma resposta atualizada a ser desenvolvida no estágio atual capitalista, tendo elementos
centrais como a flexibilização da organização, da tecnologia, dos direitos sociais entre
outros.
Segundo, para o autor nem o livro nem a sua temática podem ser tratados como de
autoajuda ou de achismo, e sim, como uma ferramenta concreta do desenvolvimento do
capital. Sabemos da seriedade do autor e sua refutação a soluções mágicas de uso corrente
no empreendedorismo. Para nós os livros de autoajuda compõem o campo ideológico do
empreendedorismo de largue alcance pragmático, apesar da contrariedade de Drucker.
Por fim, todos os resultados que obtivemos das investigações no campo da formação
da força de trabalho, como as competências, a empregabilidade e agora, o
empreendedorismo, foram construídas a partir e para os executivos das grandes empresas
ou o lugar mais dinâmico do capital. A partir da alta hierarquia ou do sujeito mais relevante
nas relações espraiando essa perspectiva para o conjunto da sociedade.
A praticidade defendida pelo autor não é considera uma receita fechada. "Pelo
contrário, ele [,o livro,] trata do quê, quando e porquê de coisas tangíveis, como políticas e
decisões; oportunidades e riscos; estruturas e estratégias; de gente; remuneração e
recompensas.
3
Essa é diferença de um manual, o autor apresenta o capital como um
problema prático, mas em seu comportamento de elaborador teórico procura sair dos
lugares comuns e das receitas fáceis pois está em busca do aperfeiçoamento desse modelo
em curso na sociedade. Peter Drucker busca uma solidez teórica voltada diretamente para a
prática, explicita a relação entre inovação, empreendimento e economia. Como vemos, o
principal termo teórico é empreendimento e não empreendedorismo.
2. Economia de inovação empreendedora
É peculiar a forma como o autor entende a crise do capital, enquanto na Europa o
desemprego crescia entre 1970 e 1984, nos EUA crescia o emprego. Claro que esse paraíso
de emprego tem uma pequenina ressalva "Na verdade, a economia americana precisava
absorver o dobro desse número.
4
” Reconhece a desindustrialização da América (EUA) mas
reivindica um lugar de crescimento: as grandes empresas dos mais variados ramos
perderam essa característica a partir de 1984 em diante, esse espaço foi ocupado pelas
pequenas e médias empresas como criadoras de empregos. Não é bom esquecer esse
momento histórico, antessala do boom neoliberal, do aumento da precarização do trabalho,
dos movimentos que se iniciam prol da empregabilidade etc. A própria noção de
empreendedorismo vai ser colocada num outro patamar a partir dessa nova dinâmica
3
(Ibid., pp. XV e XVI)
4
(Ibid., p.6)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 383
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econômica. O autor reafirma categoricamente que não é simplesmente por causa da alta
tecnologia, sem citar Marx que escreveu no século XIX
5
, e escreve:
"Dos mais de 40 milhões de empregos criados desde 1965 na economia, a alta
tecnologia não contribui com mais de 5 ou 6 milhões de empregos. Saindo da
mecânica para a alta tecnologia, da energia para a informação. A alta
tecnologia não criou mais do que as "chaminés ‘perderam’."
6
A alta tecnologia "fornece os estímulos e as manchetes. Ela cria a visão para o
espírito empreendedor e a inovação na comunidade, e a receptividade para ambos.
7
Essa
pertinência é revelada em todo seu texto, a inovação tecnológica nem é sinônimo nem base
exclusiva para o empreendedorismo, é um componente que favorece e estimula o debate. O
autor considera que a tecnologia não é o centro da questão e, por sinal, às vezes é mais
complicado esse tipo de empreendimento obter sucesso.
O autor levanta estratégias diferentes, associadas ou não, dependendo do tipo de
empreendedorismo, com seus limites e riscos (calculados, é claro). Essa é a percepção
recorrente no novo e velho capitalismo: primeiro, visar a liderança permanentemente “com
tudo e pra valer”, esta é a fórmula mais arriscada, mas com recompensa maior, junto com a
inovação necessita de imediato realizá-la em larga escala, com grandes investimentos. Nada
de novo no capital: concentração, utilização da ciência, centralização de capital,
revolucionando o processo produtivo. Não existe um meio acerto, ou é sucesso ou fracasso.
Além desta estratégia, tem a ‘imitação criativa’, o aperfeiçoamento de um produto, “a
imitação criativa começa com mercados e não com produtos, e com clientes e não com
produtores. Ela tanto se concentra no mercado como é guiada pelo mercado.”
8
Segundo
Drucker, no Japão a inovação social é muito mais importante do que a tecnológica podendo
ser copiada ou aplicada noutros países. "'Inovação', portanto, é um termo mais econômico
ou social, mais que técnico."
9
Não é um lampejo de uma ideia brilhante, mas uma prática
sistemática estratégica da organização e do aumento da extração do sobretrabalho. A
estratégia não cria nova demanda, satisfaz uma existente, ou seja, a inovação não necessita
ser ‘inovadora’, deve ser uma inovação não inovadora, pois na verdade a essência da ação
empreendedora de inovação é um mergulho na lógica do mercado, na lógica da acumulação
de capital.
Para se entender essas novas políticas de formação e organização do capital não
podemos deixar de entender a sua crise. Nesse texto, nos interessa entendê-la no aspecto
formativo do empreendedor. O autor em tela diz, no caso dos EUA, que os empregos
surgidos não vêm de uma única fonte, são do Quarto Setor, parcerias público-privadas,
5
No livro um do O Capital, Marx vai apontar o papel da revolução tecnológica e a questão das
transformações do capital variável em capital constante e que os novos empregos criados a partir dos novos
arranjos da produção não superarão os postos de trabalho que foram extintos.
6
(DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor (entrepreneurship): práticas e
princípios. Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios. Tradução de Carolos J. Malferrari - São Paulo:
Pioneira, p. 4)
7
(Ibid., p. 5)
8
(Ibid., p. 306)
9
(Ibid., p. 43)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 384
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vários serviços contratados, terceirizações etc. Cita que a nova tecnologia não está somente
na eletrônica ou na genética e sim na "administração empreendedora".
Evidente que essa resposta não pode perdurar na continuidade da crise e se tornou,
na verdade, uma forma de escapar da centralidade da crise do capital, como se fosse possível
abstrair as leis de funcionamento do próprio capital. As saídas empreendedoras que "davam
certo" nada mais eram que a ação de extração de sobretrabalho numa escala superior. O
autor diz que não foi o Vale do Silício capaz da grande inovação, ali a maioria quebrava e não
prosperava nos negócios. Quem prosperou foi quem investiu na inovação organizativa, no
empreendedorismo. Apesar da nossa crítica à sua perspectiva teórica, neste ponto
específico, temos uma concordância. As revoluções tecnológicas favorecem ao capital sua
concentração e reprodução, mas estão longe de ser uma modificação nas relações sociais
produtivas, apesar de influenciá-la em seu funcionamento, mantém essencialmente as bases
capitalistas de produção.
Drucker critica os economistas que não percebem o evento do empreendedor dentro
da própria economia como uma vivência similar ao final do século XIX, a volta dos
empreendedores de forma universal. São valores, atitudes e talvez mudanças na educação,
afirma Drucker,
10
jovens dispostos a trabalhar sem a segurança das grandes organizações.
Empreendedorismo é um evento "tanto cultural e psicológico, quanto econômico ou
tecnológico."
11
Está na administração, sai da esfera das grandes empresas e desce para todas
as pequenas. Assim, está posto, novamente, no curso do controle do capital, sua alta
especialização, uma alta produção de conhecimento não só para administrar o que já estava
colocado, mas com a finalidade de abarcar toda a sociedade, grandes e pequenos, sob a
mesma lógica, aplacando as necessidades da humanidade sob o crivo do controle, da
administração, ou, agora, sob a égide do empreendedorismo, da hegemonia do capital.
Segundo Drucker, depois da segunda guerra mundial houve uma transformação da
sociedade na organização corporativa, os chefes passaram a ser administradores
profissionais, agora são contratados e não proprietários. Foi após essa guerra que a
administração enquanto conhecimento instituído passou a ter um peso no processo
produtivo, mesmo assim, ligado a grandes empresas. Nem hospitais, nem outros ramos
eram vistos como passíveis de utilizarem o conhecimento administrativo, ao mesmo tempo,
crescia a lógica de descentralização, do planejamento, e da administração com um papel no
empreendimento novo.
A administração é a nova tecnologia (e não apenas uma nova ciência ou
invenção qualquer) que está fazendo da economia americana uma economia
empreendedora.
12
10
(Ibid., p. 19)
11
(Ibid., p. 20)
12
(Ibid., p. 24)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 385
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Esta é a grande tese de Drucker, a inovação, o empreendedorismo são as molas
mestras desse movimento e não a alta tecnologia em si, é o novo formato organizativo, a
partir da inovação, não necessariamente tecnológica.
O autor diz que tem muitas coisas semelhantes desde que J. B. Say cunhou o termo
empreendedor, até hoje confundido com empreendimento, e que muitos cursos sobre
"entrepreneurship" são descendentes dos antigos cursos “para começar o seu próprio
negócio”. Abrir um negócio, no caso, não o torna um empreendimento, o MacDonald’s,
apesar de fazer algo muito antigo e conhecido "não somente elevou drasticamente o
rendimento dos recursos, como também criou um novo mercado e um novo consumidor.
Isto é empreendimento.”
13
A definição de empreendedorismo está relacionada diretamente
com a lógica de efetivar um novo negócio, num formato novo, para extrair mais e mais
lucros, com novas formas de encontrar e transformar coisas em negócios, em mercadoria, e
construir uma nova relação de consumo. Tudo é novo e nada é novo!
A lógica do capital sempre teve essa marca da inovação, com grande e fundamental
característica de inovar para permanecer a base da relação produtiva, manter e aumentar a
acumulação de capital, ou ainda, aumentar o alcance do capital nas práticas sociais,
respondendo às necessidades ou carências de forma cada vez mais mercantilizada, mais
modernamente, transformada em processos de extração da mais-valia, sempre de forma
revista e atualizada. Comportamentos no processo formativo dentro das universidades
corroboram nessa perspectiva de mudança ocorrida na sociedade e da necessária resposta.
[...] elas foram estruturadas deliberadamente para um ‘mercado” novo e
diferente indivíduos em meio de suas carreiras, em vez de jovens recém
saídos da escola secundária; estudantes das cidades grandes viajando
diariamente para a universidade a qualquer hora do dia e da noite, em vez de
estudantes morando nos campi universitários, com dedicação plena aos
estudos, cinco dias por semana, das nove às cinco; e estudantes com formações
bem diversas, e deveras bem heterogêneas, em vez dos alunos típicos da
tradição universitária americana. Essas escolas foram uma resposta a uma
importante mudança de rumo no mercado, a mudança de prestígio do diploma
universitário passando de “classe alta” para “classe média”, e a importante
mudança quanto ao que significa “ter um curso superior”. Elas representam o
espírito empreendedor.
14
Essa liberdade esconde a falta de financiamento ao estudante universitário,
precarizando as condições de estudo, assim como, no processo de construção do assalariado
livre, liberdade essa que retira as condições da sua própria sobrevivência. Entender essa
novidade é entender também seu caráter revolucionário, tecnológica e organizativamente,
porém conservador em seus fundamentos societários. Essa situação caminha
conjuntamente com o libelo da liberdade criativa, do sucesso atingido das novas formas do
capital se efetivar, incluindo agora setores médios sem as mesmas condições anteriores de
formação, ou melhor, com a diminuição do tempo de formação, diminuição, nesse mesmo
13
(Ibid., p. 28)
14
(Ibid., pp. 31 e 32)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 386
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sentido, do custo desse trabalho. Drucker não aborda a relações existentes no processo
econômico e na formação da força de trabalho, mas aponta as mudanças que estão
ocorrendo e, para ele, a preparação é fruto de muito trabalho. a necessidade, para o autor,
de se estar atento as oportunidades surgidas, pois nem m, e obviamente, não são para
todos os capitalistas, e muito menos para os explorados.
Exemplos, dados pelo autor, mostram a especificidade de sua definição por sucesso:
uma fundidora conseguir fazer peças de forma industrial, computadorizada, antes possível
artesanalmente, "Eles criam algo novo, algo diferente; eles mudam ou transformam
valores.”
15
Para tal, é imperioso ampliar mercados, ou aumentar a intensidade do trabalho,
ou ainda utilizar mecanismos de aumento da produtividade, todos esses processos não são
necessariamente exclusivos para as grandes corporações, o empreender é explicado pela
expansão do capital numa escala cada vez maior e mais interligada. Drucker cita o exemplo
da inovação feita por Humboldt na criação da universidade alemã, bem como na inovação
na universidade norte-americana, ou nas escolas privadas que cresceram não só atendendo
a classe alta, mas a classe média. Continua Drucker criticando o entendimento equivocado
do empreendedorismo: “Enquanto os ingleses identificam o espírito empreendedor nas
pequenas empresas novas, os alemães o identificam com o poder e propriedade, o que é mais
enganoso."
16
As iniciativas de Siemens ou de Morgan, norte-americanos, não almejavam a
propriedade em si, mas sim a locação de recursos.
Tampouco o empreendedor é um capitalista, embora naturalmente, ele precise
de capital como qualquer atividade econômica (e a maioria das não-
econômicas). Ele também não é um investidor (...) também não é um
empregador.
17
Para Drucker é uma característica distinta e não um traço de personalidade! Não é
algo subjetivo, é objetivo, poderíamos ajudá-lo nessa definição: é a busca por novas formas
de aumentar a extração da mais-valia, mais especificamente o aumento de sua taxa. Nada
mais novo do que velho ou nada mais velho do que o novo!
3. Oportunidade para quem?
Drucker baseia-se na teoria da destruição criativa de Schumpeter e critica Karl Marx
apesar de classificá-lo como um dos melhores historiadores da tecnologia pois ele
[Marx] não podia admitir a existência do empreendedor dentro do seu sistema ou sua
economia."
18
Aqui todo movimento teórico de Drucker implica em colocar a questão do
empreendedorismo fora das leis econômicas fundamentais, desliga-a completamente das
relações sociais produtivas e consequentemente da exploração do trabalho alheio, cita
Schumpeter justamente pela característica revolucionária do empreendedorismo, essa
assertiva só em sentido estreito está correta. Levanta questões como os serviços, a educação
e a saúde, exemplos aos quais o empreendedorismo possa estar fora do esquema econômico,
15
(Ibid., p. 29)
16
(Ibid., p. 32)
17
(Ibid., p. 33)
18
(Ibid., p. 35)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 387
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ou seja, limita a economia ao lugar da indústria, na verdade é o seu contrário, pois ele aponta
para a transformação destes espaços submetidos ao empreendedorismo, e como sabemos
essa limitação não apresenta a plenitude das relações produtivas nem explica como o capital
se hegemoniza enquanto relação nas mais variadas esferas da vida.
"O empreendedor sempre está buscando a mudança, reage a ela, e a explora como
sendo uma oportunidade."
19
. O autor combate o subjetivismo de suas diversas formas
como uma visão comportamental do empreendedor ou de ser um desenvolvimento de um
talento inato ou de outros tipos de idealismo sobre o empreendedor ou do próprio
empreendedorismo através de estudo e trabalho. Apesar de correta essa assertiva, ela não
lhe possibilita enfrentar e desvelar as relações sociais do empreendedorismo surgido na
esteira da própria crise de acumulação do capital. Ao final, Drucker defende a ideia da
oportunidade, como se fora algo fora do sistema, revolucionária, no entanto, essa nova
oportunidade faz parte do sistema.
Dentro desse combate ao subjetivismo, o autor aborda os riscos no
empreendedorismo, para ele, deve ser minimizado e bem calculado. Aqueles que sabem o
que estão fazendo têm riscos bem menores e a chance de sucesso é maior. Segundo o autor,
entender a inovação como a questão central do empreendedor: o ato que contempla os
recursos com a nova capacidade de criar riqueza. A inovação, de fato, cria um recurso."
20
Cita o exemplo de ervas ou de minerais, que não tem utilidade até que sejam encontradas:
"Não existe algo chamado ‘recurso' até que o homem encontre um uso para alguma coisa na
natureza e assim o dote de valor econômico.”
21
. Eis um dos grandes segredos revelados,
a transformação de algo ou uma atividade para entrar no mercado. Isso é inovar
fundamentalmente, não são as descobertas científicas em si, e sim a possibilidade de
explorar algo dentro das relações produtivas vigentes.
Enfrentar o sucesso, fazer diferente e deixar a forma antiga de lado. “O que
precisamos fazer para convertê-lo numa oportunidade?"
22
A questão da oportunidade está
posta como algo concreto aparecendo inesperadamente, ou aguardado como algo mágico,
sendo que o principal sujeito interessado não tem o controle dessa variável. A oportunidade
chega num determinado momento como um ponto fora da curva, cheia de mistérios a serem
desvendados, ou melhor, como um cavalo encilhado, basta montá-lo, e, portanto, deve estar
preparado para tal montaria. Cabe ao empreendedor o seu aproveitamento, estar preparado
para algo que pode vir ou não. A preparação do sujeito deve se dar nessa incerteza, para a
espera de algo ingovernável, uma possibilidade que pode nunca aparecer. O sentido é
aproveitar a oportunidade, somente aproveitá-la.
A percepção de Drucker do sucesso inesperado, convertido em algo oportuno, vive do
fracasso existente, isso é obviamente um acerto, pois o sucesso é irmão siamês do fracasso,
um necessita do outro, como na brincadeira do morto-vivo. Ele entende o fracasso como
19
(Ibid., p. 36, grifo nosso)
20
(Ibid., p. 39)
21
(Ibid., p. 39, grifo nosso)
22
(Ibid., p. 60)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 388
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produto de erros, ganância, estupidez, incapacidade tanto no projeto como na sua execução.
Para ele o fracasso se apresenta quando não se está adequado à realidade. O fracasso é da
inadequação à realidade. Mas ao mesmo tempo, aponta a análise dos fracassos revelando as
mudanças sociais latentes e com elas a própria oportunidade a ser empreendida. No nosso
entendimento, ele revela a necessária adequação ao establishment. Esconde que atrás do
vencedor existe uma legião necessária de fracassados, ou seja, o empreendedorismo é a
produção em larga escala de fracassos.
Nesse sentido, deve se escutar mais ao invés de realizar grandes estudos. Cita uma
série de experiências vitoriosas mesmo contra a obviedade posta. A inovação precisa ser
simples e agir sobre uma incongruência, numa outra leitura categorial poderíamos
aproximá-la da contradição. A inovação é trabalho organizado, sistemático e racional.
Aborda a questão da saúde como envelhecimento e vê como se pode aproveitar essa situação
de oportunidade, mesmo em formatos diferentes, conforme os países analisados, como EUA
e Reino Unido, “cada um explora a específica vulnerabilidade do sistema de seu país e a
converte em oportunidade."
23
Todas as desgraças podem gerar oportunidades.
Outras questões estão escondidas atrás da oportunidade visível. Segundo o autor, por
causa de uma interpretação errônea da realidade existe a perda de rumos. Cita o exemplo da
tentativa de economizar no tempo de trabalho dentro dos navios cargueiros, mas as
respostas estavam fora desse tempo, estavam nos portos, na criação do container
modificador do tempo gasto nessas operações portuárias.
Cada um desses inovadores sabia que havia uma importante oportunidade
inovadora no setor. Cada um estava bastante seguro de que a inovação teria
êxito e com um mínimo de risco. Como eles poderiam estar tão certos?
24
A certeza de que daria certo expõe um trabalho profundo e um mercado promissor,
segue o autor com quatro indicações: 1 o rápido crescimento do setor que aponta para uma
mudança drástica em sua estrutura; 2 em decorrência, a forma que se entende e atende o
mercado se tornou inadequada (o surgimento de novas profissões, por exemplo); 3
convergências de tecnologias (como telefonia com computador); 4 forma em que se
negocia modifica-se rapidamente, no caso, ele um exemplo de que os médicos não tem
mais seus próprios consultórios mas trabalham associados.
Revela parte da saída da crise do capital enfrentando a diminuição da taxa de mais-
valia. Para sair dela, o capital desenvolve e revoluciona seu processo produtivo a partir da
incorporação de elementos científicos e de novas tecnologias. Reorganiza os processos
produtivos, cria novos mercados, novas mercadorias, conforme vimos na pontuação de
Drucker, na criação de um mercado novo, ou de um comprador novo ou de sua renovação.
Esse tipo de resposta se revela como reestruturação produtiva, com perdas do lado do
explorado, daqueles que produzem. Assim, ligamos os quatro pontos com a estratégia do
capital em superação de suas crises cíclicas de acumulação. São aparências da essência do
23
(Ibid., p. 83)
24
(Ibid., p.112)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 389
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capital com risco pequeno e calculado. A melhor resposta para a crise é a maior concentração
e centralização de capital conhecida como sucesso empresarial. O seu oposto, o fracasso, sob
a perspectiva do capital, é quando a ação inovadora, o empreendimento, não galga aumentar
a extração de trabalho em larga escala. Quantas empresas são engolidas nesse
empreendimento de sucesso? Para se ter uma empresa de sucesso, quantas tiveram que
fracassar? Afinal, o empreendedorismo vai produzir mais empresas de sucesso ou fracassos?
4. O pseudo desaparecimento das classes sociais e seus antagonismos
Quanto as modificações do mercado, incluindo os mercadores, compradores e
vendedores, o autor cita alguns exemplos emblemáticos como a mudança da percepção do
Citibank, fundamental para sua virada como um importante banco mundial. O banco
começa a recrutar mulheres para o trabalho de gerências como responsáveis pela carteira de
crédito para ofertar empréstimos a outras mulheres. Historicamente, a questão dos donos
de negócios é composta dentro da herança do patriarcado, o domínio é masculino, ocidental
(portanto de homens brancos). Essa inserção, mesmo que controlada, inserindo outras
categorias alijadas formalmente no mercado possibilitou que esse empreendimento fosse
um sucesso. Como diz nos quatro pontos, cresceu um setor, necessita de uma modificação
em sua estrutura, são criados novos mercados e mercadores, enfim, está dado o sucesso da
inovação empreendedora, ampliou-se a extração de trabalho somando novos consumidores.
Um outro exemplo, também dentro desse contexto das modificações fundamentais
para a reprodução do capital é a modificação da autopercepção de classe. ”Por volta de 50, a
população americana começara a se considerar esmagadoramente como sendo da ‘classe
média’, independente, quase, da renda ou ocupação.”
25
Um empreendedor foi a campo para
saber sobre o porquê dessa mudança, resultado: classe média’ em contraste com ‘classe
trabalhadora’ significa confiar na vantagem que teriam suas crianças para subir socialmente
através de seu desempenho na escola.”
26
No exemplo dado, um empreendedor vai utilizar
esse sentimento de ascensão social e vender um instrumento para a comprovação dessa
mobilidade social: a Enciclopédia Britânica. No nosso entendimento, essa modificação na
percepção não possui um componente, muito menos o vendedor foi premiado na
utilização de uma enciclopédia, poderíamos afirmar a importância da percepção subjetiva,
considerando a transformação da identidade enquanto classe trabalhadora assumindo
características, práticas e discursos das classes médias se espelhando na burguesia. Nesse
último ponto, vai denotar as modificações na luta de classe, na desafirmação da classe
proletária, inclusive refutando as lutas concretas da classe, parte de sua construção
enquanto tal. Fenômeno este vivido no Brasil posteriormente aos EUA. O componente de
destaque é o empreendedorismo e as inúmeras formas de desvincular os trabalhadores e
trabalhadoras de sua própria classe, de suas organizações, de seu construto ideológico, de
seus projetos sociais e políticos, enfim de suas lutas.
25
(Ibid., p. 143)
26
(Ibid., p. 143)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 390
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No caso, o próprio mercado vai construindo o enfraquecimento das lutas. A inovação
e o empreendedorismo nada mais são do que a efetivação de uma lógica hegemônica de
mercado.
A inovação é um efeito na economia e sociedade, mudança no comportamento
de clientes, de professores, de fazendeiros, de oftalmologistas das pessoas
em geral. Ou ela é uma mudança em um processo, isto é, na maneira como as
pessoas trabalham e produzem algo. Portanto, a inovação sempre precisa estar
junto ao mercado, concentrada no mercado, e deveras, guiada pelo mercado.
27
Esse guia, na verdade, são as relações sociais de produção em sua efetivação, em sua
ação de produção e realização do seu produto, com as determinações das relações
capitalistas, com as desigualdades contratuais exercidas no mundo, com suas diferenças
sociais enfeitiçadas ou fetichizadas.
No caminhar, do autor, da desmistificação do risco assumido pelo capitalista, aborda
como se o risco trouxesse um fim trágico para os capitalistas, não enfrenta a realidade de
um mercado impessoal e com interesses antagônicos reais entre classes, o movimento dele
é minimizar essa contradição. Para tal, o autor reafirma uma questão da realidade, a luta
intra-classe burguesa, mas num plano acima da fundante luta de classes antagônicas em que
o trabalho é apropriado fundamentalmente pelas classes dominantes, não sem mediações
de classes intermediárias e de outras circunstâncias históricas como a ação imperialista no
processo de extração e distribuição da mais-valia. Na perspectiva teórica empreendedora
desenvolve um processo de individuação das experiências de exploração inviabilizando a
perspectiva da totalidade e da complexidade do processo de construção das relações
produtivas vigentes, como por exemplo, no fetichismo das competências individuais como
nova forma de regular as classes subalternas.
5. Empreender: conhecimento secundário aos ganhos sem riscos
Drucker defende a ideia sobre o empreendedorismo: menos risco e mais
aproveitamento de oportunidades, e sim, a necessidade de muito trabalho para se ter
sucesso. “Onde a sabedoria convencional erra é no seu pressuposto de que o
empreendimento e a inovação são atividades naturais, criativas e espontâneas.
28
Para tal,
deve-se focar e trabalhar muito duro à administração em oportunidades. Essa é a novidade
dita pelo papa da administração mundial do capital. Nada de novo no front apesar de todos
os vernizes modernos e reluzentes.
Drucker traz uma diferença: “Os riscos são maiores nas inovações baseadas nos
conhecimentos da ciência e tecnologia.”
29
O risco aumentado com conhecimento tem suas
causas na própria lógica do capital, pois o empreendimento de sucesso está baseado na
realização do valor e no aumento constante da produtividade, em que o conhecimento pode
ser útil, mas não fundamental. Essa é uma contradição básica no capitalismo, o
27
(Ibid., p.195)
28
(Ibid., p. 209)
29
(Ibid., p. 178)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 391
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conhecimento deve ser mediado pelo essencial da sociedade capitalista, e não medida por
sua utilidade, mas pela possibilidade de realizá-la nas vendas, ou melhor, da extração da
riqueza da forma mais exponencial possível. O centro não é o conhecimento e sim a
potencialidade da extração desse conhecimento novo como forma de aumento da
produtividade. Assim é a sociedade capitalista, assim é a sociedade empreendedora, o valor
está na acumulação de riqueza e não na sua utilidade, as inovações com conhecimento novo
são mais arriscadas, riscos que não necessitam ser assumidos. A ideia brilhante ou arriscada
não é o pólo definidor para um bom empreendimento. Nada de grandes ideias engenhosas,
pois não para perder o foco, como sempre recomenda Peter Drucker, o imperioso é
acontecer no mercado. Inovação e empreendedorismo para ele é muito trabalho e não a
característica de um empreendedor que assume riscos, e profetiza:
As empresas de hoje, especialmente as grandes, simplesmente não
sobreviverão neste período de rápida mudança e inovação a não ser que
adquiram uma competência empreendedora.
30
Aporta uma caracterização da revolução organizativa realizada pelo capital diante de
sua crise iniciada na década de 1970 e ‘renovada’ em outros ciclos maiores ou menores, como
saídas postas no processo produtivo e da reprodução social. De passagem, dentro das buscas
de saída da crise o autor afirma não saber se as privatizações darão certo, mas esta será uma
oportunidade. Tanto o setor público quanto o setor privado necessitam entrar nesse novo
momento do capital. A empresa que não inova inevitavelmente envelhece e declina. E, em
um período de rápida mudança como o presente, um período empreendedor, a queda será
rápida.”
31
Insiste o autor na inexorabilidade da revolução drástica [porém sistêmica] do
capital. Para tal, o processo de tornar seus produtos ou serviços obsoletos é parte da tarefa.
6. Empreender: privatizar o espaço público
A história do medo do novo sempre serve para defender mudanças, ou melhor, serve
para tudo, inclusive manter o velho. No entendimento de Peter Drucker, o
empreendedorismo é uma ameaça, mas também é uma oportunidade para as instituições do
serviço público. Para ele, a instituição pública tem mais dificuldade na inovação pois são
mais ‘burocráticas’. No caso, a instituição pública objetiva crescer mesmo na ausência do
sentido do lucro, prossegue o autor.
Para converter a empresa existente em empreendedora, a administração deve
assumir a liderança em tornar obsoletos seus próprios produtos e serviços em
vez de esperar que um concorrente o faça. A empresa deve ser administrada de
modo a perceber no que é novo uma oportunidade e não uma ameaça. Ela deve
ser administrada para trabalhar hoje nos produtos, serviços, processos e
tecnologias que irão fazer um diferente amanhã.
32
30
(Ibid., p. 200)
31
(Ibid., p. 208)
32
(Ibid., p. 216)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 392
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O produto obsoleto faz parte desde a origem do capitalismo. No clássico “O Capital”,
Marx cita outro economista, antes de sua época, Babbage que apontava a morte precoce
das mercadorias serem substituídas por novas mercadorias, nessa situação, o autor amplia
o exemplo até para as igrejas, igrejas empreendedoras, aquecendo o mercado dessa forma.
Esse conjunto de transformação em empreendedorismo é justamente o movimento
hegemônico do capital.
Três elementos caracterizam essa situação de maior dificuldade de inovação na
instituição, segundo Drucker, o primeiro é ter um orçamento e poder se movimentar
dentro dele, portanto, o seu sucesso tem como base um maior orçamento. Outro motivo
posto por Drucker consta da amplitude da clientela, é ampla e não tem clientes centrais. No
entanto, para ele, a razão mais importante é a seguinte: “ela tende a ver sua missão como
moral absoluta e não como econômica e sujeita a um cálculo de custo-benefício.”
33
Marx compara o capitalismo com a ação do personagem da mitologia grega, rei
Midas, que tem atendido o seu desejo de transformar tudo em ouro em um simples toque.
Aponta que o capital vai se imiscuindo em todas as formas da vida social. Drucker aprofunda
consciente ou inconscientemente o sentido dessa parábola para o serviço público e realiza
algumas indicações: definir a missão, pois os programas e projetos, características da
instituição pública são passageiros. Precisa então explicitar as metas com algo que possa
atingir e finalizar.
O malogro em alcançar os objetivos deve ser considerado como indicação de
que o objetivo está errado, ou pelo menos, definido erradamente. O
pressuposto precisa então ser que o objetivo tem que ser econômico em vez de
moral. Se um objetivo não foi alcançado depois de tentativas, tem-se que
pressupor que ele está errado.
34
A lógica proposta pelo autor de adaptação ao que pode ser alcançado deve ser a
máxima maior nas instituições públicas. O objetivo social por si só, não é um objetivo viável,
portanto, é inatingível, contrário à lógica empreendedora necessária para o desenvolvimento
das instituições públicas. pode objetivar o que for possível atingir. Critica assim, a
igualdade entranhada na instituição pública, pois para ele, os ricos erradamente são os
maiores beneficiários da mesma: “Subsidiar os que mais ganham na sociedade desenvolvida,
os detentores de títulos profissionais avançados, dificilmente poderá ser justificado.”
35
A percepção ao qual o serviço blico é somente para atender os mais pobres está
dentro do corolário do chamado Consenso de Washington, produzido poucos anos depois, a
pauta neoliberal indicadora de um grande esvaziamento do espaço público como forma de
saída da crise, jogando as possibilidades econômicas e ampliando a esfera do mercado,
tomando áreas que estavam sob a proteção da redistribuição de recursos através do Estado,
como educação, segurança, saúde entre outras diretamente para as mãos da iniciativa
privada. É esse o contexto, em que Peter Drucker reafirma essa posição privatista,
33
(Ibid., p. 248)
34
(Ibid., p. 253)
35
(Ibid., p. 256)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 393
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corroborado pelas perspectivas mais radicais de concentração e centralização de capital.
Entende Drucker as variadas formas de combater a diminuição da taxa da mais-valia.
Vejamos a percepção arguta do autor:
Lincoln, a capital do Estado de Nebraska, 120 anos atrás, foi a primeira
cidade do mundo ocidental em que a municipalidade assumiu a propriedade
de serviços públicos, como transportes, eletricidade, gás de rua, água e assim
por diante. Nos últimos dez anos, sob uma prefeita, Helen Boosalis, ela
começou a privatizar os serviços como coleta de lixo, transporte escolar e
vários outros. A cidade provê o dinheiro e as empresas privadas fazem
licitações pra os contratos; economias substanciais nos custos e melhorias
ainda maiores nos serviços.
36
A abordagem de Drucker nessa citação nada mais é do que a justificativa para os
processos crescentes de privatização de empresas e instituições públicas existentes no
mundo. Essa é uma outra forma de apropriação do fundo público, ou de redistribuição da
mais-valia, ou seja, o capital se apropria diretamente dos espaços e de seus recursos
públicos. Ensino, saúde, seguridade social, aposentadoria como dissemos anteriormente e
tantos outros processos constituintes do espaço público, quando no momento histórico está
sem a perspectiva de algum lucro sobre esse trabalho, e mais, para garantir um fundo público
libertando o capital para sua ação específica no mercado, distribui através do Estado seu
ônus, libera-o para outras atividades. Já em período de crise de acumulação, o fundo
público, garantidor do funcionamento das instituições públicas, passa a ser atacado com
processos virulentos privatistas.
O autor aponta esse movimento pendular histórico no entendimento de como o
capital caminha na apropriação do conjunto de recursos captados pelo Estado, seja como
ocorreu no passado ou da forma invertida no presente. Na atualidade Drucker reforça essa
transição para a iniciativa privada: “Sempre que atividades de serviços públicos puderem
ser convertidos em empreendimentos geradores de lucros, elas devem ser assim
convertidas.”
37
A ação de conversão do público para a iniciativa privada é uma ação hegemônica nos
últimos tempos de desenvolvimento do capital, justamente, a partir de sua última grande
crise datada da década de 1970. A tentativa de defender um desligamento da essência da
apropriação da mais-valia, tanto no dizer do capitalismo quanto no novedoso
empreendedorismo, é revelada em várias partes no texto de Peter Drucker. “Nós não
podemos nos permitir manter atividades ‘não-lucrativas’, isto é, atividades que devoram o
capital ao invés de formá-lo
38
.” Essa base de entendimento é enfrentada por Braverman,
que reafirmando o novo formato de extração de mais-valia e de forma crítica. Esse último
apontou que cada vez mais o capital não-produtivo se torna capital produtivo, e mais ainda,
a parte improdutiva se constitui de forma diferente do século XIX, colocada cada vez mais
diretamente a serviço do capital produtivo e não como um empecilho a este último. Já para
36
(Ibid., p. 255)
37
(Ibid., p. 256)
38
(Ibid., p. 257)
Alvares, D., Da Silva, M. Revista de Filosofía, Nº 99, 2021-3, pp. 380 - 398 394
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Drucker a maioria das atividades desempenhada pelo serviço público permanecerá
existindo, mas para tal, a instituição pública necessita imbuir-se desse novo momento de
desenvolvimento do capital:
Consequentemente, elas têm que ser transformadas em produtoras e
produtivas. Instituições de serviço público precisarão aprender a ser
inovadoras, e a se administrarem empreendedorialmente.
39
Todo movimento de subsunção do trabalho ao capital, público ou privado, devem ir
para o caminho do empreendedorismo.
40
Assim, segundo o autor, ao não transacionar para
esse novo formato as instituições públicas vão perdendo legitimidade, tornar-se-ão
parasitárias, portanto, necessitam ter o espírito empreendedor. Exemplos desta perda são
as escolas que terão sentido se servirem aos mais pobres. Essa pequena parte tratada pelo
autor sobre o serviço público é emblemática pois refere-se a mais distante forma
organizativa, aparentemente, de uma empresa capitalista.
7. Empreendedorismo: sua estratégia revolucionária conservadora
Para Drucker outro pecado capital é simplesmente querer ficar com a nata do
mercado. Para ele o mercado é amplo e deve ser ampliado. Deve atender aqueles com menos
dinheiro, isto é, uma ação de judô empreendedor. Ficar no convencionado de ‘qualidade’,
ou seja, de alta qualidade é um erro. “Qualidade em um produto ou serviço não é o que o
fornecedor insere nele. É o que o cliente obtém dele e está disposto a pagar.”
41
Lembrando os clássicos Ricardo na Inglaterra e Say na França, o autor estudado
aborda as duas maneiras de se obter uma margem maior de lucro: com o preço de monopólio
ou baixando custos. Com um preço mais alto é uma derrota certa, importa baixar os custos
para superar a concorrência.
Inúmeras estratégias como a da Gillete, mesmo vendendo seu aparelho mais barato
compensava nas lâminas, pois o que o consumidor desejava era o serviço barato de barbear-
se em casa. Esse exemplo, entre outros citados por Drucker, nos a ideia das inúmeras
estratégias do capital para sua realização (a venda para seguir acumulando capital), com a
criação de necessidades ou de respostas às necessidades latentes. A busca de um valor de
uso seja ele fundamental ou algo supérfluo, construtivo ou destrutivo, como base para o
valor (de troca) é uma lei do capital. O produto material entra como parte de um valor. O
valor de uso tem sua dimensão mais ampla, como diz Marx no início do O Capital, para
atender as necessidades do estômago ou da fantasia. Esse reclamo em sua amplitude é
passado na sociedade como a questão central de sua reprodução e não como efetivamente o
39
(Ibid., p. 257)
40
Numa licença para uma digressão concreta, temos a proposição do modelo de capitalização da
aposentadoria, proposta pelo governo federal brasileiro, em 2019, reforça a idéia dessa busca, visto que essas
proposições já foram colocadas em práticas noutros países em anos passados.
41
(DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor (entrepreneurship): práticas e
princípios. Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios. Tradução de Carolos J. Malferrari - São Paulo:
Pioneira, p. 312)
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é, meio material para a extração de valor a partir do sobretrabalho do proletariado, sem ele
não há valor (expresso na troca).
A lógica empreendedora, a lógica da sociedade capitalista em seu formato competitivo
mais moderno levou Peter Drucker concluir o seguinte: a sociedade empreendedora é parte
de uma revolução pacífica de última geração social. Critica as revoluções políticas por elas
reafirmarem o que combatem, no seu entender. A inovação e empreendedorismo não é algo
radical e, sim, para Drucker, um passo a ser dado de cada vez, focado na oportunidade e na
necessidade, sem derramamento de sangue, sem guerra civil, com tudo sob controle.
Assim, o autor estudado aponta o empreendedorismo como uma revolução dentro do
sistema. Recordamos Marx que apontava o sistema capitalista necessariamente
revolucionário dentro de sua lógica. Portanto, no horizonte de Drucker, o essencial das
relações sociais de produção baseadas na exploração do trabalho da classe produtora não
deve ser inquirido e muito menos enfrentado teoricamente.
A sociedade deve ser empreendedora, de forma pragmática, inclusive a alta
tecnologia deve ser entendida não como a principal característica empreendedora, mas ao
contrário, o empreendedorismo é algo que vai além das altas tecnologias. Nisso, ele aborda
sobre aqueles trabalhadores sem formação alguma a qual a sociedade empreendedora deve
cuidá-los”. “Precisamos encorajar hábitos de flexibilidade, de aprendizado contínuo e de
aceitação da mudança como normal e como oportunidade, tanto para instituições quanto
para indivíduos.”
42
Essa sociedade empreendedora utiliza-se do caráter formativo da reprodução como
se fosse por si uma preocupação social, mas esta fundamenta-se em sua reprodução
historicamente desigual. Decorre dessa prática a compreensão da educação das variadas
classes para o projeto empreendedor. “Em uma sociedade empreendedora, os indivíduos
enfrentam um enorme desafio, desafio este que precisam explorar como sendo uma
oportunidade: a necessidade por aprendizado e reaprendizado continuados.”
43
O
aprendizado contínuo joga a própria sociedade num processo de radicalização de suas
desigualdades. Garantir a esperança no capitalismo, no empreendedorismo como algo a ser
tido como uma oportunidade, revendo os sistemas educacionais, eis o libelo de Drucker. O
Estado de Bem-estar Social findou-se, Drucker pergunta: “Seu sucessor será a Sociedade
Empreendedora?”
44
Escreve em 1984, mas sendo chamada de neoliberal, empreendedora,
obviamente não nega seus fundamentos capitalistas, ainda mais radicalizados nos dias de
hoje.
Considerações Finais
42
(Ibid., p. 337)
43
(Ibid., p. 361)
44
(Ibid., p. 364. DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor (entrepreneurship):
práticas e princípios. Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios. Tradução de Carolos J. Malferrari - São
Paulo: Pioneira, p. 312)
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Enfrentar Drucker no tema do empreendedorismo não é uma obrigação teórica, e
sim uma possibilidade de entender mais profundamente a lógica da administração no
sistema capitalista, ou seja, o processo organizativo hegemônico do capital no momento
atual. É poder compreender as bases fundamentais do principal clássico da administração
no mundo, como ele recebe e desenvolve a perspectiva do empreendedorismo. O autor
critica a intuição, o romantismo, toda essa literatura empreendedora apressada com lições
de passo a passo. Aponta para além das novas tecnologias a caracterização decisiva de
inovação como transformadora da realidade, ampliando para todas as áreas, inclusive as
públicas. Essa inovação carrega, segundo Drucker, uma totalidade para aplacar o conjunto
das necessidades da humanidade.
Para Drucker o empreendedorismo possibilita a criação de novos mercados, de novos
produtos, de novos valores, essa definição nos remete ao texto produzido por Marx e
Engels
45
, no Manifesto do Partido Comunista, obviamente com um sinal invertido, quando
trata da saída da crise cíclica provocada pelas relações capitalistas de produção. Podemos
inferir o empreendedorismo como parte da saída da crise. O autor vai construir um novo véu
nas relações capitalistas de produção, tirando o foco das classes reais para a ação
empreendedora e suas consequências. Em nenhum momento, assume que o empreendedor
é um sujeito à procura de aumentar taxas de mais valia ou de encontrar novas formas de
extrair a mais valia, em resumo, um elemento central na relação de reprodução da
exploração do trabalho. É como se o empreendedor estivesse acima ou alheio das leis
econômicas desenvolvidas no capitalismo.
Dentro do quadro de saída da crise o autor traz as privatizações como oportunidade
e inovação, como exemplo, direitos conquistados como a saúde e educação pública
transformados em mercados e mercadorias. Essa radicalidade exigida pelo capital, em sua
revolução interna, aponta inclusive, para Drucker, à própria empresa decretar a
obsolescência dos seus produtos.
Para o autor deve-se enfrentar o medo às mudanças, especialmente no serviço
público. No entanto, essa subjetivação genérica de medo não explica quais os reais
conteúdos destas mudanças, afinal, seriam benéficas para quem? Tampouco responde sobre
o medo de alguns resultados atingidos com as modificações, como por exemplo, o aumento
do desemprego. O ato corajoso tem resultado na ampliação da exploração, no sofrimento
ainda maior por parte daqueles que vão carregar nas costas o novo empreendedor, esses
necessitam superar o medo, enquanto o empreendedor personifica a coragem da inovação.
Falar de medo é um conjunto vazio se desvinculado dos interesses reais e das consequências
práticas.
Observamos que a inovação, como constituinte do empreendedorismo utiliza-se da
imitação criativa. Importante reforçar que a criação, a criatividade, a inovação, ou seja, a
novidade não é central, pode ser uma simples cópia. A inovação remonta a ideia de algo
45
(MARX, karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular,
2008. 67p)
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diferente, esse diferente, ao mesmo tempo, não necessita ser inovador em sua essência, e
sim, algo que possa aprofundar a extração do sobre trabalho. Ao mesmo tempo em que o
processo inovador é revolucionário, ele carrega consigo a estrutura conservadora do capital.
Com toda sua clareza permitida, Drucker reforça a ideia de que o grande objetivo é o
sucesso, sem riscos. Não existe o meio termo, sua oposição é o fracasso. Duas sínteses
trazemos aqui, 1) a aparência do capital se apresenta como uma roda virtuosa de sucessos,
de crescimentos, de ganhos, de alegrias, as perdas são colocadas para debaixo do tapete,
não simplesmente para encobri-las, mas, o mais importante, reforçar que o sucesso só existe
se conseguir fazer fracassar sua concorrência, derrotá-la, seja jogando a outra empresa à
bancarrota ou incorporando-a, e 2) sucesso é só uma faceta minoritária, componente
fundamental do mecanismo do capital, em sua concorrência, produzindo o fracasso de
muitos. Portanto empreender é uma síntese para produzir muitos fracassados.
Não é à toa que para valorizar os vitoriosos necessita de derrotados, a maioria. Os
mais fracos, necessários, são tragados na política do capital. Em uma das suas faces mais
perversas, como no neoliberalismo, a concorrência é crescente, suas consequências mais
visíveis são os altos índices de desemprego, de quebras de empresas, de aumento da miséria
e de um processo desenfreado de concentração de capital e os mais ricos ficando mais ricos.
Dentro desse mecanismo implacável não é estranho a volta de uma política fascista,
entrelaçada à cultura de morte, a eliminação dos considerados fracassados, daqueles que
atrapalham os vitoriosos, os fortes, os belicosos.
Não é surpresa ver o empreendedorismo na lógica fascista, como exemplo, as milícias
e seus negócios: distribuição de gás, construção de prédios, telefonia móbil, internet, enfim,
num controle vil misturado com monopólio, da destruição da concorrência pela ameaça,
crimes e outros mecanismos de extermínio daqueles que se opõe. Até as desgraças sociais
podem ser um espaço de novas oportunidades, algo a ser objetivado, planejado. Claro que
isso não é estranho ao capital, toda a ação humana respondendo às suas necessidades é
transformada em mercadoria, a diferença é o empreendedorismo colocar-se como uma
novidade glamourosa diferente do próprio capitalismo.
Como todo defensor do empreendedorismo na atualidade, Drucker vai apontar a
importância da percepção e o aproveitamento das oportunidades como uma das grandes
chaves de leitura para o sucesso do empreendedor. Situação esta devidamente calculada em
seus riscos sempre frisando que o sucesso não é para aventureiros. Cita o exemplo da nova
forma organizacional japonesa, ‘toyotismo’, mais importante do que a própria tecnologia
desenvolvida naquele país. Como parte deste modelo veio o ‘karoshi”, morte por excesso de
trabalho, e, inexplicavelmente, esta parte não é abordada por Drucker. No entanto, o próprio
Drucker ressalta a possibilidade de ganhar recursos, empreender, com a tragédia humana.
Drucker cita vários exemplos, nem todos necessariamente de grandes somas, mas de
inculcação e de modificações de práticas nessa mudança da hegemonia empreendedora,
como das mulheres entrando como gerentes, ou de venda de enciclopédias, como forma de
transformar a organização capitalista, tentando destruir a identidade, a organização e a luta
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proletária. Essa é a tendência do empreendedorismo, esconder as relações reais antagônicas
de produção, reforçando o lugar burguês afunilado de sucesso. Assim, a formação no
empreendedorismo para o conjunto das classes sociais começa a ser regra como parte dessa
grande reprodução do capital revolucionada e senil. Um fetiche que esconde essa realidade
mais vil e cruel de um capitalismo em rota de colisão com o planeta, com a maior parte dos
seres vivos, inclusive da espécie humana.
www.luz.edu.ve
www.serbi.luz.edu.ve
wwwproduccioncienticaluz.org
REVISTA DE
FILOSOFÍA
Esta revista fue editada en formato digital y publicada
en octubre de 2021, por el Fondo Editorial Serbiluz,
Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela
Nº 99-3