Volumen 34 No. 3 (julio-septiembre) 2025, pp. 26-38
ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44
DOI: 10.5281/zenodo.15609126
O programa “Titula Brasil”, agronegócio e o mercado de terras: a necessidade da reforma agrária1
Luciano Justino Mendes* y Áurea Dias de Sousa**
Resumo
A criação do Programa Titula Brasil para facilitar o mercado de terras é uma realidade nos municípios de Petrolina/PE e Lagoa Grande/PE. Nesse sentido, a pesquisa consistiu em entender a essência do Programa “Titula Brasil” a partir da regularização fundiária nos assentamentos de reforma agrária e em terras da União, e o retorno dela ao mercado com a apropriação pelo agronegócio, além da necessidade de Reforma Agrária. Para alcançar o objetivo proposto, traçou-se como percurso metodológico: realização de leituras bibliográficas, consulta em sites relacionados ao conteúdo e elaboração de mapas. Como resultado, percebeu-se uma grande receptividade do Programa por parte dos municípios, colocando em risco as áreas pertencentes a união. Conclui-se neste trabalho, que o Programa Titula Brasil, criado no ano de 2020, é uma estratégia em pôr as terras pertencentes à união e de Reforma Agrária no mercado de terras mediante os acordos de cooperação técnica firmado entre o INCRA e as Prefeituras, realidade presente nos municípios de Petrolina-PE e Lagoa Grande-PE
Palavras-chaves: Titula Brasil; Agronegócio; Mercado de Terras; Apropriação; Reforma Agrária
*Universidade de Pernambuco. Petrolina, Brasil
ORCID: 0009-0004-1531-5459
E-mail: mendesluciano2001@gmail.com
*Universidade de Pernambuco. Petrolina, Brasil
ORCID: 0000-0002-4646-4500
E-mail: aurea.souza@upe.br
Recibido: 16/12/2024 Aceptado: 28/02/2025
The “Titula Brasil” program, agribusiness and the land market: the need for agrarian reform
Abstract
The creation of the Titula Brasil Program to facilitate the land market is a reality in the municipalities of Petrolina/PE and Lagoa Grande/PE. In this sense, the research consisted of understanding the essence of the “Titula Brasil” Program based on land regularization in agrarian reform settlements and on federal lands, and its return to the market with appropriation by agribusiness, in addition to the need for Agrarian Reform. To achieve the proposed objective, the following methodological path was outlined: carrying out bibliographic readings, consulting websites related to the content and preparing maps. As a result, a great receptiveness to the Program was noted by the municipalities, putting the areas belonging to the federal government at risk. This work concludes that the Titula Brasil Program, created in 2020, is a strategy to place lands belonging to the union and Agrarian Reform on the land market through technical cooperation agreements signed between INCRA and the City Halls, a reality present in the municipalities of Petrolina-PE and Lagoa Grande-PE
Keywords: Titula Brasil; Agribusiness; Land Market; Appropriation; Agrarian Reform
Introdução
O estimulo à concentração fundiária, sua regularização e homogeneização produtiva por parte do Estado para beneficiar o agronegócio aponta a terra como mercadoria disponível no mercado que é muito mais importante do que ela como bem público sob o usufruto dos agricultores familiares/camponeses.
Nesse sentido, a implantação do Programa “Titula Brasil” levanta o seguinte questionamento: Por que regularização fundiária em terras da União e nos assentamentos de reforma agrária facilita apropriação pelo agronegócio, seja pelo arrendamento, compra ou grilagem e enfraquece a luta por terra para reprodução da vida? A partir dessa problemática, o presente trabalho consiste em compreender a essência do Programa “Titula Brasil” a partir da regularização fundiária nos assentamentos de reforma agrária e em terras da União, o retorno dela ao mercado e a apropriação pelo agronegócio, seja pelo arrendamento, compra ou grilagem, bem como a necessidade de reforma Agrária.
Dessa forma, para chegar ao objetivo, foram traçados os seguintes caminhos metodológicos a) Leitura bibliográfica relacionada à: Renda fundiária: Delgado (2017); Oliveira (2001). Expansão do Agronegócio: Delgado (2009); Delgado (2013); Mercado de terras: Zeneratti, 2021); Alentejano (2020) e Reforma Agrária: Delgado (2017); Stedile (2012). b) Sites: Brasil de Fato; INCRA; PE News e Prefeitura de Lagoa Grande. c) Documentos: Projeto de Lei 490/07; Lei 8.629/93. d) Construção de um banco de dados quantitativos, que contribuíram na análise qualitativa dos resultados.
A partir da pesquisa, percebe-se que a utilização desses três regimes são formas distintas de apropriação da terra, em que o Contrato de Concessão de Uso (CCU) e Concessão do Direito Real de Uso (CDRU) entende a terra como um bem essencial para a reprodução da vida, produção de alimentos e manutenção de tradições no campo mantendo a terra sob posse das famílias, enquanto que o Título de Domínio (TD) possui uma característica de privatização imensamente ilusória para o assentado de ser proprietário da terra, podendo, a partir disso, quando contrair dívidas, submetê-las à venda, expondo-as ao mercado de terras para a geração de lucro no campo. Desse modo, as primeiras negam o Programa, por entender a terra como um bem, que contém valor de uso e não como mercadoria, ou seja, não pode ser vendido, sendo assim, contraria à terceira que objetiva a venda.
Nesse sentido, conforme site de noticia local - PE News (2021), menciona que a Prefeitura de Petrolina, por meio da cooperação técnica com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), pretende alcançar todos os assentamentos existentes no município, destacando os 2 (dois) primeiros que iniciaram o processo para receber os Títulos definitivos como é o caso da Terra da Liberdade e São Francisco. Do mesmo modo, no município vizinho, em nota, Prefeitura de Lagoa Grande (2023), dá ênfase ao acordo de cooperação técnica firmado com o INCRA, permitindo a entrega dos Títulos de Domínios presentes.
Assim, a regularização fundiária no Brasil tem ocorrida de forma dinâmica e carece de muitos estudos, portanto, não se esgota aqui, especialmente, nos dias atuais com a entrada de um Governo mais sensível aos trabalhadores como é o caso de Luís Inacio Lula da Silva gestão de 2023-2026.
O mercado de terras e o programa Titula Brasil
Presencia-se, na atualidade, forte especialização no comércio mundial de recursos naturais como: terras, jazidas minerais, águas e campos petroleiros em aliança com determinadas cadeias agroindustriais voltados para exploração e exportação, cujo princípio é apropriação da renda fundiária em que a divisão de terras tem por finalidade os lucros extraordinários a partir da concentração, e investimentos para mais resultados positivos, conforme (Delgado, 2017).
Figura 1 – Características presentes a partir da captação da renda fundiária.
Fonte: Delgado, 2017.
Elaboração: Autor, 2023.
Nesse sentido, a terra mercantil, que se inicia com a lei de terras de 18502, amplia-se nos anos de 1990 com a entrada do agronegócio entendido como “[...] uma associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária” (Delgado, 2009, 66), baseado em uma reestruturação econômica com foco na exportação, estabelecendo com ele a mercadorização das terras, assim se intensificando durante os anos 2000, devido à necessidade de o modelo exigir grande quantidade de terra para produção de commodities3 com destino ao mercado externo.
Dessa forma, o que se percebe é o embate entre a função social e ambiental da terra para a vida e a exploração predadora dela em torno da defesa da propriedade. Com isso há a pressão unilateral para colocar terras da União no circuito de mercado, tendo como alvo áreas de reforma agrária, preservação, indígena e quilombola; referência disso é o Marco Temporal, criado como Projeto de Lei 490/07 em 2007, que consiste no reconhecimento das terras dos povos originários somente as quais ocupavam a data da promulgação da Constituição Federal em outubro de 1988, o que significa, negação dos direitos constitucionais de indígenas e quilombolas ao reconhecimento e demarcação de seus territórios tradicionalmente ocupados.
Dessa forma, excluindo aqueles que foram expulsos anteriormente a essa data, como relatado pelo Brasil de Fato no ano 2021. Desse modo, a criação da lei tem como aspecto a desapropriação desencadeada por conflitos entre indígenas e grandes proprietários.
Vale mencionar que os ataques aos povos do campo e das florestas datam de muitos anos. São marcas constantes do desenvolvimento e do processo de ocupação do país e se intensificam no bojo da modernização da agricultura, e os povos indígenas foram os primeiros a conhecer tal processo, há mais de 500 anos sendo submetidos a um verdadeiro etno/genocídio. O território capitalista, no Brasil, tem sido produto da conquista exterminação dos territórios indígenas. (Oliveira, 2001).
Dessa maneira, entende-se que a área estabelecida pelo capital no país é resultado de um processo de extermínio e apropriação de terras indígenas, tendo como características a massiva intervenção do capital nesse espaço. Atualmente, utiliza-se de diversas outras formas como o caso da PL do Marco Temporal e percebe-se que essa lei ainda não finalizou, em trâmite via bancada ruralista, e também por meio do Programa Titula Brasil.
O referido Programa, lançado em 2021, durante o governo do até então presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), objetiva repassar terras da união, ou seja, públicas ao domínio de propriedade privada por meio da titulação, tendo um acordo entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e as prefeituras locais, com o intuito de “regularizar” o acesso a essas terras; no entanto, facilitando a forma com que as mesmas entrem no ciclo de mercadoria e sejam vendidas. (Brasil de Fato, 2022).
Nesse sentido, a mercadorização tem início por incentivo das elites locais, já que o papel de realizar vistorias, coleta de requerimentos e georreferenciamento dessas áreas fica a cargo das prefeituras, cabendo ao INCRA apenas o papel de registros documentais. Logo as terras da união podem ser repassadas para os latifundiários como destaca Zeneratti, (2021).
Em síntese, trata-se da terceirização dos municípios para regularização fundiária. Essa constatação evidencia o aprofundamento da política de regularização fundiária em benefício dos latifundiários, tornando cada vez mais legítimo o avanço sobre as terras públicas por meio da grilagem para, posteriormente, requerê-las para si. [...] (2021, 573).
Nesse contexto, estão os municípios de Petrolina e Lagoa Grande ambos no estado de Pernambuco, com número considerável de assentamentos conforme o Mapa 1 e 2 vivem na disputa com agronegócio: Petrolina com a fruticultura irrigada e Lagoa Grande com a produção de vinho. Assim, a ação do Programa acaba por acirrar o conflito entre os dois regimes de propriedade - negócio e trabalho, uma vez que promove a mercardorização da terra quando via Estado estimula a venda das terras da pequena produção em assentamentos para que o agronegócio possa se apropriar dela de maneira facilitada, ou seja, valores mais baixos.
Figura 2 - Assentamentos do município de Petrolina.
Fonte: INCRA, 2024.
Elaboração: Barros. R, G, L,2024.
Em Petrolina, observa-se um quantitativo significativo de Assentamentos susceptíveis a receberem o Título de Domínio (TD) já que ficam em uma área de intensa produção voltada para o agronegócio com a plantação de uva e manga e, sendo assim, um alvo do Programa objetiva a privatização da terra para que amplie a propriedade destinada aos cultivos que tenham rentabilidade, uma vez que esse modelo agrícola se centra na terra e tecnologia. Nesse sentido, quanto maior à terra, associada a tecnologia, maior o ritmo da produção, portanto, maiores lucros. Por essa necessidade, é imprescindível que o bem natural terra seja mercadorizada para apropriação com baixo valor.
Figura 3 - Assentamentos do município de Lagoa Grande.
Fonte: INCRA, 2024.
Elaboração: Barros. R, G, L, 2024.
Em Lagoa Grande, há empresas, que, além da sua territorialização, ou seja, compra da terra, tem a monopolização das terras via arrendamento com objetivo de produção de vinho como é o caso da Serenissima4 e a Labrunier5. Vale destacar que o vinho é um mercado em ascensão; portanto, para alcançar a escala mundial em outros continentes para além da Europa, é preciso elevar o nível da produção e produtividade, por isso há a necessidade da terra. Desse modo, o município abrange um número expressivo de assentamentos desde grandes a pequenos com população considerável. Nesse sentido, as terras no mercado mediante Programa, não somente fica susceptível à apropriação, como também o trabalho já que é fonte de riqueza.
É importante salientar que, ao inserir as terras no mercado conforme objetiva o Titula Brasil, as mesmas tornam-se vulneráveis a serem vendidas, passando do regime de Contrato de Concessão e de uso (CCU) para o Título de Domínio (TD).
Dessa maneira, enquanto o primeiro, conforme Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) “transfere o imóvel rural ao beneficiário da reforma agrária em caráter provisório e assegura aos assentados o acesso à terra, aos créditos disponibilizados pelo Incra e a outros programas do Governo Federal de apoio à agricultura familiar” (Brasil, 2018 p.13), portanto, é um documento de titulação que antecede o Título de Domínio; o segundo “é o instrumento que transfere o imóvel rural ao beneficiário da reforma agrária em caráter definitivo. É garantido pela Lei 8.629/93, quando verificado que foram cumpridas as cláusulas do contrato de concessão de uso e que o assentado tenha condições de cultivar a terra e de pagar o título de domínio”. (Brasil, 2018 p. 13).
Ressalta-se que ambas titulações estão previstas na Constituição Federal de 1988 aos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária.
Há uma terceira forma de titulação prevista na legislação brasileira que é a Concessão do Direito Real de Uso (CDRU), quando a terra se mantém pública, mas com usufruto dos assentados. Tal possibilidade foi assegurada pela Lei 13.001/2014, segundo a qual a distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se-á por meio de Títulos de Domínio, Concessão de Uso ou Concessão de Direito Real de Uso.
O CDRU, na análise é
historicamente a forma de titulação da terra defendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por assegurar que a terra permanecerá no domínio público, sendo mantida geração após geração sob o controle das famílias assentadas, não sendo possível sua comercialização, o que significa que a terra se mantém como bem público sob usufruto dos camponeses e não como mercadoria disponível no mercado de terras. (Alentejanto, 2018, 379)
Portanto, percebe-se que a utilização desses três regimes são formas distintas de possuir a terra, em que a (CCU e CDRU) entende a terra como um bem essencial para a reprodução da vida, produção de alimentos e manutenção de tradições no campo, mantendo a terra sob posse e usufruto das famílias, enquanto que o (TD) possui uma característica de privatização imensamente ilusória para o assentado de ser proprietário da terra, podendo a partir disso quando contrair dívidas, submetê-las à venda, expondo-as ao mercado de terras para a geração de lucro no campo.
A titulação definitiva dos lotes dos assentamentos foi a forma encontrada pelo agronegócio para recolocar no mercado as terras desapropriadas para fins de reforma agrária ou colocar no mercado terras públicas que foram destinadas à criação de assentamentos rurais. (Alentejano, 2020, 379)
É importante mencionar que, a prática de concessão de títulos definitivos pouco foi aplicada no Brasil desde 1993 - Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 (Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal), prevalecendo a titulação provisória que impedia a recolocação da terra no mercado. Houve um breve período de exceção no final do II Governo Fernando Henrique Cardoso, quando foram emitidos 62.196 títulos definitivos entre 2000/2002, mas logo depois tal política foi praticamente abandonada (Alentejano, 2020).
Contudo, com o avanço do agronegócio e para atender aos proprietários de terras, o Presidente Michel Temer, editou a MP 759/2016 para agilizar a regularização de terras, posteriormente convertida na Lei 13.465/2017. A referida Lei que trata de contratos de integração que contraria a proposta original da Lei Agrária. Esta associava o direito à terra ao compromisso da família de cultivá-la, proibindo-o de ceder ou de dar direito de uso a terceiros.
No governo de Jair Messias Bolsonaro, para legitimar ainda mais a regularização fundiária, foi o criado o Programa Titula Brasil mediante a Portaria Conjunta n° 1 de 2 de Dezembro de 2020, que instituiu os objetivos e a forma de implementação do “Titula Brasil”, e por segundo ocorreu a Instrução Normativa nº 105, de 29 de Janeiro de 2021, regulamentando a parceria do Estado com os municípios e a implementação dos Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF) para a execução do Programa.
Diante dessa nova realidade, ou seja, da questão agrária nos tempos atuais, o agronegócio em expansão na parceria com o estado via “Titula Brasil” tem procurado se apropriar das terras ou comprá-las a baixo custo para que seu objetivo seja alcançado, que é aumento da produção e produtividade para o mercado, portanto, para lucro elevados.
A Reforma Agrária hoje – A necessidade da terra para a família.
A reforma agrária pode ter diferentes tipos: a) Reforma agrária clássica - com a distribuição massiva das terras, o que aconteceu principalmente durante o processo de industrialização entre o Estado burguês; b) Reforma agrária radical - pela erradicação dos latifúndios com a divisão entre os camponeses6 sem a necessidade de intervenção do Estado burguês; c) Reforma agrária socialista - ocorrida durante as revoluções socialistas em que a terra passa a pertencer à nação sem a existência da propriedade privada; d) Reforma agrária popular - consiste em democratizar a terra por meio de sua redistribuição desconstruindo os latifúndios improdutivos que não seguem a função social (Stedile, 2012).
A função social da terra na análise de Delgado (2017) consiste em: I. Aproveitamento racional e adequado; II. Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III. Observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV. Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
No entanto, quando a terra é inserida no mercado, a referida função inexiste já que a aquisição tem por finalidade viés de acumulação e pode ser adquirida tão somente por meio da compra. Nesse sentido, o Estado, na parceria com os ruralistas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), tem permitido a reprimarização do comércio exterior nacional via inserção das terras no mercado e sua exploração, especialmente, pela alteração na legislação fundiária.
[...] a expansão econômica das “commodities” puxada pelo setor externo, que por sua vez conduz à especialização primário-exportadora, gera um processo vicioso de crescimento econômico. Isto porque tal forma de inserção especializada no comércio externo, associada ao binômio vantagens comparativas naturais – renda fundiária e apenas secundariamente ao progresso técnico (industrial), limita fortemente o desenvolvimento econômico e social de um país industrializado, com mais de 80% de população urbana. (Delgado, 2013, 6)
Tal modelo se intensifica durante o governo de Jair Messias Bolsonaro (2018-2022), com desestruturação da Reforma Agrária Popular, dando passo ao Modelo de Reforma Agrária de Mercado (MRAM). A mesma surgiu para converter algo que, segundo a declaração do Banco Mundial (BM), deixou de ser viável ou mesmo desejável na atual fase do capitalismo (Pereira, 2005). Dessa forma, no entendimento do próprio Banco Mundial (BM), fazia-se necessário deixar o modelo “tradicional” por considerar atrasado.
Esse entendimento reforça o mercado de terras, principalmente, as que estavam em outro tipo de posse como o Contrato de Concessão de Uso (CCU) cedido a assentamentos de reforma agrária de Petrolina e Lagoa Grande, que já recebem ações do Programa, tendo, consequentemente, a intensificação dos Títulos de Domínio (TD). Conforme figura 2, podem ser observadas campanhas realizadas.
Figura 2 – Campanhas realizadas pelas prefeituras
Fonte: PE News(2021)7; Prefeitura de Lagoa Grande(2023)8.
Elaboração: Autor, 2024.
Conforme manchetes de noticiários locais e até mesmo de uma das prefeituras, os dois municípios já aderiram ao Programa. De acordo com site local PE News (2021), a prefeitura de Petrolina, por meio da cooperação técnica com INCRA, pretende alcançar todos os assentamentos do território municipal, destacando-se os 2 (dois) primeiros que já iniciaram o processo para receber os Títulos definitivos, sendo eles Terra da Liberdade e São Francisco (Petrolina), enquanto no outro município a Prefeitura de Lagoa Grande (2023), em nota, dá ênfase ao acordo de cooperação técnica firmado com o INCRA permitindo a entrega dos Títulos de Domínios presentes em seu território, possibilitando, assim, a Reforma Agrária de mercado, no qual os assentados ficam expostos a dívidas e tendo que vender a terra.
É relevante ilustrar que no atual governo de Luís Inacio Lula da Silva, ocorreu a revogação do Programa Titula Brasil (Portaria nº 1, de 2 de dezembro de 2020) e criação do Terra Cidadã Portaria conjunta MDA/Incra nº 4, de 25 de novembro de 2024, cujo objetivo é ampliar a capacidade operacional das ações de reforma agrária e de governança fundiária ministradas pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Estabelece também, o “Terra da Gente” - Decreto nº 11.995, de 15 de abril de 2024, como finalidade dispor sobre as alternativas legais para a aquisição e a disponibilização de terras para a reforma agrária, de forma a promover o acesso à terra, a inclusão produtiva e o aumento da produção de alimentos. (Brasil, 2024). Ainda assim, a problemática da terra continua, já que o agronegócio tem expropriado e aproado de muitas propriedades.
Considerações Finais
Percebeu-se, neste trabalho, que o Programa Titula Brasil, criado no ano de 2020, é uma estratégia para pôr as terras pertencentes à união e de Reforma Agrária, no mercado de terras mediante os acordos de cooperação técnica firmados entre o INCRA e as Prefeituras, realidade presente nos municípios de Petrolina-PE e Lagoa Grande-PE que tem forte atuação do agronegócio de fruticultura e vinho. Assim, terras no mercado significam apropriação para negócio em áreas públicas ou comunitárias, como assentamentos rurais, terras indígenas e territórios quilombolas pelos grandes grupos ruralistas.
O agronegócio priorizado no governo de Jair Messias Bolsonaro como base para o desenvolvimento do campo brasileiro aprofunda tendências que vinham se delineando desde o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), atravessaram os governos petistas de Luís Inácio da Silva (Lula) e Dilma Roussef e desaguaram no governo de Michel Temer.
Nesse percurso, vale elucidar que na década de 2000 a centralidade nos commodities definido como “qualquer produto originário de atividade agropecuária, florestal ou pesqueira ou qualquer mineral em sua forma natural ou que tenha passado por processamento costumeiramente requerido para prepará-lo para comercialização em volume substancial no comércio internacional” (Delgado, 2009, 128), para atender o mercado, especialmente, o chines, as exportações brasileiras de produtos agropecuários se expandiram fortemente em quantidade e valor. Por essa razão, uma necessidade cada vez intensa de terra, o que justifica a regulações de terra em benefícios do agronegócio e em detrimento a reforma agrária.
É dentro desse contexto que o Programa Titula Brasil passou a ser uma tentativa de ampliar o número de terras no mercado com o intuito de facilitar a apropriação de terras públicas e assentamentos para disponibilizar os Títulos de Domínios no qual possibilita a venda, contrário ao Contrato de Conceção de Uso ou Concessão do Direito Real de Uso, que permite a posse sem admitir que seja comercializada.
Notou-se que a área de estudo nos municípios de Petrolina-PE e Lagoa Grande-PE é ou foi alvo do Programa por ter, em seus respectivos espaços, um número considerável de assentamentos e grandes empresas do agronegócio. Por essa razão, há conflitos entre terra de negócio e terra de trabalho, porque, de um lado, há agronegócio e do outro agricultura familiar.
Cabe ressaltar a necessidade de Reforma Agrária não para as terras irem ao mercado, causando uma reconcentração fundiária, mas sim para a promoção de alimentos que chegue à população.
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1 Artigo fruto de resultados da Chamada CNPq/MCTI Nº 10/2023 - Faixa A - Grupos Emergentes – UNIVERSAL e PIBIC-PFA/UPE.
2 Transformará a terra em mercadoria, trocado por valor monetário, extinguia o regime de posses e aumentava o interesse e os preços das áreas rurais. (Neto; Bergamasco, 2017. p. 203).
3 Qualquer produto originário de atividade agropecuária, florestal ou pesqueira ou qualquer mineral em sua forma natural ou que tenha passado por processamento costumeiramente requerido para prepará-lo para comercialização em volume substancial no comércio internacional (Delgado, 2009 p. 128).
4 Com área total de 724 hectares, localiza-se no município de Lagoa Grande (PE), produz uvas desde 1998, faz parte do GVS COMPANY com sede em Milão na Itália. Disponível em: www.gvscompany.com.br. Acessado em: 12 de julho de 2024.
5 Agropecuária Labrunier LTDA ou Doce uva antes do grupo Carrefour. Desde 2019, a Doce Uva faz parte do Grupo El Ciruelo, com sede em Murcia, na Espanha, é uma das maiores líderes mundiais no fornecimento global de uvas de mesa. Disponível em: frutasdobrasil.org/pb/exportador/agropecuaria-labrunier-ltda/. Acessado em: 12 de Julho de 2024.
6 Se constituem modo de vida e podem ser classe quando entram no processo de luta. (Shanin, 2018)
7 Disponível em: https://penews.com.br/prefeitura-inicia-processo-para-titulos-de-posse-de-24-assentamentos-em-petrolina/; Acessado em: 15 de Junho de 2024.
8 Disponível em: Cooperação técnica entre Incra e prefeitura permitirá ações para mais de 1.200 famílias assentadas - Prefeitura de Lagoa Grande Acessado em: 15 de junho de 2024.