Volumen 34 No. 1 (enero-marzo) 2025, pp. 29-46

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: 10.5281/zenodo.14510389

Ensino de Sociologia na Educação Básica: Intervenção Pedagógica e recontextualização

Marcelo de Souza Marques*, Beatriz Ferreira Soares Melo** y

Miguel Vinicius Teixeira da Silva***

Resumo

Considerando os desafios do ensino de Sociologia na Educação Básica, o artigo discute o método da Pesquisa-Intervenção e apresenta uma experiência de intervenção pedagógica cujo objetivo foi atuar no processo de recontextualização dos conteúdos, fomentando a assimilação de conceitos e categorias teóricos na reflexão sobre a realidade social. Utilizando uma abordagem qualitativa, o estudo revisou a literatura sobre Pesquisa-Intervenção e aplicou o método em práticas educacionais do projeto “Cinema e Sociedade”, implementado em uma escola da rede pública do estado do Espírito Santo. Mobilizando recursos audiovisuais, a intervenção buscou recontextualizar conteúdos tornando o ensino mais dinâmico e significativo para os educandos. Os resultados demostram que os recursos audiovisuais, como ferramentas da mediação, podem enriquecer o debate, despertar o interesse e contribuir para uma formação crítico-reflexiva dos educandos, permitindo trabalhar diferentes conteúdos e conceitos teórico-analíticos conectados à reflexão sobre a realidade social e vivência dos sujeitos.

Palavras-chave: Ensino de Sociologia; Intervenção Pedagógica; Recontextualização; Cinema.

*Universidade Vila Velha. Espírito Santo, Brasil. ORCID: 0000-0003-2395-0191

E-mail: marcelo.marques.cso@gmail.com

**Escola Municipal de Vila Velha. Espírito Santo, Brasil. ORCID: 0000-0002-9933-3555

E-mail: beatrizfsmelo@hotmail.com

***Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo. Vitória, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-8363-8084 E-mail: miguelitocso@gmail.com

Recibido: 03/08/2024 Aceptado: 09/11/2024

Teaching Sociology in Basic Education: Pedagogical Intervention and Recontextualization

Abstract

Given the challenges of teaching Sociology in Basic Education, this article discusses the Research-Intervention method and presents an experience of pedagogical intervention. The aim was to participate in the process of recontextualizing content, promoting the assimilation of theoretical concepts and categories in reflection about social reality. Using a qualitative approach, the study reviewed the literature on Intervention-Research and applied the method to educational practices of the “Cinema and Society” project, implemented in a public school in the state of Espírito Santo. By mobilizing audiovisual resources, the intervention aimed to recontextualize content, making teaching more dynamic and meaningful for students. The results demonstrate that audiovisual resources, as mediation tools, can enrich the debate, stimulate interest, and contribute to a critical-reflective education of students. This allows the work of different contents and theoretical-analytical concepts connected to reflection on social reality and the experience of the subjects.

Keywords: Teaching Sociology; Pedagogical Intervention; Recontextualization; Cinema.

Introdução1

A sociologia emergiu em meados do século XIX, na Europa, a partir de diálogos com correntes do pensamento da época, como os ideais iluministas, o racionalismo e o empirismo. Anterior a esse processo, no entanto, observamos que desde o século XIV, motivado pelo Renascimento (séculos XIV ao XVI) e pelo advento do Iluminismo (XVI ao XVIII), a Europa já vivenciava uma série de transformações políticas, econômicas e sociais. Mas um novo “corte histórico” ocorreria entre os séculos XVIII e XIX, com as revoluções Industrial e Francesa. Esse novo cenário representou um momento de profundas transformações, destacando-se a queda do Antigo Regime, e consigo todo um modelo societal, e a consolidação do capitalismo industrial como modo de produção dominante nas principais sociedades europeias do período. É nesse momento que sociologia surge como uma ciência voltada à compreensão das mudanças sociais, políticas e econômicas anunciadas pela modernidade: uma ciência do social (Martins, 1994).

Os desafios da sociologia não são menores no momento atual. Mas um, em particular, tem despertado nossa atenção desde o momento em que finalizamos a licenciatura e nos deparamos com uma sala de aula na Educação Básica: quando se trata do ensino de sociologia, sobretudo na Educação Básica, os desafios se expandem para além do tratamento da complexidade dos conteúdos teóricos propriamente ditos2. Do ponto de vista da prática docente e do processo de ensino-aprendizagem, a principal dificuldade consiste em como traduzir os conteúdos do campo científico-acadêmico sem abdicar do rigor teórico-analítico, cientes de que não podemos “tomar a liberdade de confundir a rigidez, que é o contrário da inteligência e da inovação, com o rigor (Bourdieu, 2007:26). Corroborando Silva (2007), isso também nos informa a necessidade de mais pesquisas e reflexões para delimitar metodologias adequadas que possam orientar o ensino de sociologia na Educação Básica. Ao longo deste artigo, fruto de um relato de experiência, discutiremos o uso de recursos audiovisuais, especialmente o cinema, como uma possibilidade.

A Pesquisa-Intervenção foi uma possibilidade nesse sentido. Por se tratar de uma perspectiva ativo-participativa, envolvendo os educandos na identificação de problemas reais-concretos a serem abordados, a Intervenção Pedagógica (IP) nos proporcionou novas experiências no processo de ensino-aprendizagem decorrentes da recontextualização de conteúdos teóricos. Sobre a Pesquisa-Intervenção, trata-se de um método de investigação qualitativa que combina a produção de conhecimento com ações práticas que visam transformar a realidade estudada. Como abordaremos na primeira seção do artigo, esse tipo de pesquisa, quando aplicada na educação, visa tanto compreender os desafios e as dinâmicas do ambiente educacional quanto implementar intervenções que possam promover mudanças no curso do processo de ensino-aprendizagem que se mostra limitante (Damiani, 2012; Damiani et al., 2013).

Com relação à recontextualização, a partir de Bernstein (2003) podemos compreendê-la como um procedimento pelo qual um discurso é ajustado e integrado a um novo ambiente, o que implica na transferência de significados e valores do contexto/campo original para um contexto/campo diferente, frequentemente com ajustes e modificações. Nesse processo, como destaca Silva, “o discurso/texto [acadêmico-científico] é modificado, simplificado e direcionado para o campo escolar” (2007:406. Acréscimo nosso). O resultado da recontextualização, conforme a autora, “é o discurso pedagógico, com um conjunto de regras que regulam o discurso especializado das ciências de referência transmitidas nas escolas”. Na “ponta do processo”, o educador se depara com o desafio de apropriação e assimilação dos conteúdos na relação de ensino-aprendizagem, perpassando a seleção e a tematização dos conteúdos curriculares e as maneiras de conectá-los à vivência dos educandos como forma de torná-los mais relevantes e significativos. É nesse momento que os conhecimentos produzidos no campo acadêmico, recontextualizados pelo discurso pedagógico, podem ser (re)apropriados nas práticas escolares em meio ao desafio que significa a relação entre conhecimento teórico-analítico e a aprendizagem.

Diante desse desafio, vivenciado em nossas práticas docentes, o objetivo deste artigo consiste em discutir o método de Pesquisa-Intervenção e exemplificar sua aplicação no ensino de sociologia no âmbito da Educação Básica, o que nos permitiu trabalhar diferentes conteúdos e conceitos conectados à reflexão sobre a realidade social e vivência dos educandos. Nessa direção, o trabalho foi concebido considerando os princípios da Psicologia Histórico-Cultural de Vygotsky. Com efeito, à luz das ideias de Vygotsky, tomamos como proposta o método da dupla estimulação, no qual o primeiro estímulo consiste em um problema que esteja acima do nível de desenvolvimento cognitivo dos alunos, enquanto o segundo caracteriza-se como um estímulo neutro. O objetivo, como aponta Vygotsky, é entender as ligações que existem entre os estímulos externos e as respostas que, segundo o autor, fomentam a base das formas superiores do comportamento.

Para isso, utilizamos uma abordagem qualitativa baseada na revisão bibliográfica sobre a Pesquisa-Intervenção aliada às reflexões sobre nossas práticas educacionais, evidenciadas pelo desenvolvimento do projeto “Cinema e Sociedade” em uma instituição pertencente à rede pública estadual do Espírito Santo, Brasil. O objetivo da intervenção consistiu na promoção de transformações e inovações para o avanço e aprimoramento nos processos de aprendizagem dos envolvidos (Damiani, 2012; Damiani et al., 2013). A mobilização do recurso audiovisual, seguindo as contribuições de Dariz (2014), teve como objetivo estruturá-lo como um mediador no processo de ensino-aprendizagem, facilitando a compreensão de conteúdos complexos de natureza sociocultural ou teórico-conceitual de maneira objetiva, lúdica e crítico-reflexiva. A partir de Dariz (2014), reconhecemos que os recursos audiovisuais não apenas podem complementar a intervenção/mediação do professor como também permitem uma maior integração da sala de aula com o cotidiano, ampliando significativamente o processo de ensino-aprendizagem.

Além desta introdução, o artigo apresenta outras duas seções. Na primeira, discutiremos o método da Pesquisa-Intervenção pensando a Intervenção Pedagógica. Para isso, destacaremos o que diferencia esse método de outros similares, como a pesquisa de experimento e pesquisa-ação. Na sequência, abordaremos mais detidamente o uso do vídeo em sala de aula como um recurso de mediação e um instrumento para o trabalho de recontextualização, pois ele pode fornecer uma representação visual e concreta dos conceitos abstratos, tornando-os mais acessíveis e compreensíveis para os alunos. Na terceira seção, apresentaremos a estrutura propriamente dita da intervenção, destacando os resultados objetivos e os desafios encontrados. Por fim, as considerações destacam a relevância do uso de recursos audiovisuais e os resultados positivos (não previstos) a partir da realidade da própria escola, inclusive sobre o interesse pelas discussões sociológicas.

O método da Pesquisa-Intervenção: pensando a Intervenção Pedagógica

O princípio básico de uma intervenção informa uma ação planejada cujo fim consiste na promoção de objetivos desejados sobre algum contexto que se mostra limitante. Com relação à implementação, toda intervenção pode ser estruturada por meio de uma orientação verticalizada, quando as decisões e mecanismos são mais impositivos e centrados em um ou poucos sujeitos, ou de maneira horizontalizada, contando com uma participação mais ativa de todos os envolvidos no contexto de ação. Considerando a segunda orientação, uma Pesquisa-Intervenção pode ser inicialmente definida como “uma tendência das pesquisas participativas que busca investigar a vida de coletividades na sua diversidade qualitativa, assumindo uma intervenção de caráter socioanalítico” (Rocha; Aguiar, 2003:66).

Ainda segundo Rocha e Aguiar, ao propor uma “intervenção de ordem micropolítica na experiência social”, a Pesquisa-Intervenção “aprofunda a ruptura com os enfoques tradicionais de pesquisa e amplia as bases teórico-metodológicas das pesquisas participativas, enquanto proposta de atuação transformadora da realidade sociopolítica” (2003:67). Esse tipo de método, portanto, parte da realidade (diagnóstico de uma “situação-problema”) e volta-se à realidade por meio de um exercício reflexivo (compreensão da situação-problema como um problema que requer intervenção) e analítico (reflexão do problema por meio da reflexão teórica – vínculo entre teoria e prática), visando à sua superação/resolução/modificação. O fluxograma a seguir representa esse processo:

Imagem I – Fluxograma Interventivo

Fonte: elaboração própria

Considerando esses pressupostos gerais da Pesquisa-Intervenção, as Intervenções Pedagógicas (IPs) podem ser compreendidas como:

[...] investigações que envolvem o planejamento e a implementação de interferências (mudanças, inovações) – destinadas a produzir avanços, melhorias, nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam – e a posterior avaliação dos efeitos dessas interferências (Damiani et al., 2013:58).

Em outro trabalho, Damiani argumenta que por IPs denominam-se “as interferências (mudanças, inovações), propositadamente realizadas, por professores/pesquisadores, em suas práticas pedagógicas” (2012, 3). Vale destacar que essas interferências “são planejadas e implementadas com base em um determinado referencial teórico”, tendo por objetivo:

[...] promover avanços, melhorias, nessas práticas, além de pôr à prova tal referencial, contribuindo para o avanço do conhecimento sobre os processos de ensino/aprendizagem neles envolvidos. Para que a produção de conhecimento ocorra, no entanto, é necessário que se efetivem avaliações rigorosas e sistemáticas dessas interferências (Damiani, 2012: 3).

Para avançarmos, faz-se necessário destacar o planejamento3, a implementação e a avaliação. Esses três elementos indicam o status de pesquisa aplicada das IPs, cuja finalidade, além de abordar os conteúdos teóricos, consiste em “contribuir para a solução de problemas práticos” (Damiani et al., 2013:58) – no nosso caso, a recontextualização dos conteúdos sociológicos no processo de ensino-aprendizagem na Educação Básica.

Todas essas atividades estruturantes de uma intervenção devem ser descritas. Como foi feito o planejamento? Como foi o processo de organização da implementação? Qual foi o formato da intervenção? Houve necessidade de corrigir o processo em curso, isto é, alterar algo devido a um problema não previsto? E como foi feita a avaliação? Tão importante quanto o diagnóstico e a implementação, devemos destacar as devolutivas, isto é, o momento em que o pesquisador/professor apresenta os resultados e discute com os participantes:

Os encontros de devolução dos dados, para informar os resultados da análise aos participantes, são cuidadosamente planejados de forma a propiciar uma condição favorável de comunicação aos participantes. Esse modo de agir acabou por inspirar a elaboração de novos procedimentos de intervenção indicando um movimento de influência da pesquisa na intervenção. Observou-se que o momento de devolução tem se constituído numa oportunidade de reflexão para todos os envolvidos, pesquisadores e participantes. Tais procedimentos contribuíram também para a elaboração de uma proposta reflexiva de procedimento de coleta de dados, em especial, a entrevista reflexiva (Szymanski, 2002) (Szymanski; Cury, 2004:362-363).

Partindo de uma perspectiva horizontalizada da intervenção, Szymanski e Cury (2004) destacam, portanto, que a Pesquisa-Intervenção não pode se limitar à coleta de dados e que as devolutivas não podem ser percebidas simplesmente como um momento em que pesquisadores apresentam os dados aos sujeitos que participaram da pesquisa. As devolutivas, ao contrário, devem ser percebidas como oportunidades de reflexão para todos os envolvidos, incluindo pesquisadores e participantes, visando o aprimoramento tanto dos procedimentos da Pesquisa-Intervenção quanto à promoção da reflexão crítica dos temas abordados.

1. O que diferencia a Pesquisa-Intervenção de outros métodos similares?

Embora a Pesquisa-Intervenção se assemelhe à pesquisa experimental, considerando que em ambos os métodos de pesquisa o pesquisador busca testar hipóteses por meio de sua verificação prática seguida de avaliação dos resultados, a pesquisa-intervenção não é sinônimo de pesquisa de experimento. Segundo Gil, esse tipo de pesquisa consiste “essencialmente em determinar um objeto de estudo, selecionar as variáveis capazes de influenciá-lo e definir as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto” (2002:48) . Assim como a pesquisa de experimento, a pesquisa-intervenção também determina um objeto de estudo e define formas de observação dos efeitos. No entanto, como destacam Damiani et al., em uma pesquisa de intervenção “não há preocupação com o controle das outras variáveis que poderiam afetar os efeitos da intervenção, pois ela não visa a estabelecer relações de causa e efeito, fazer generalizações ou predições exatas a partir dos seus achados, como os experimentos” (2013: 59). Ainda segundo Damiani, a pesquisa-intervenção não pode ser entendida como experimentos, pois:

[...] lhes faltam as características fundamentais desse tipo de pesquisa, ou seja, a possibilidade de isolar a(s) causa(s) das mudanças que eventualmente são percebidas nos sujeitos da pesquisa, como os experimentos tradicionais, realizados em laboratório, por exemplo, são capazes de fazer. Como são pesquisas realizadas no mundo real, o isolamento das causas das mudanças percebidas seria impossível, pois implicaria no controle de outros fatores (variáveis de confusão), além daqueles envolvidos na intervenção, que também poderiam influenciar a ocorrência dessas mudanças detectadas por meio da avaliação. O uso de grupos-controle, da mesma forma, não se aplica às pesquisas do tipo intervenção que se implementa, pois seria muito difícil, por exemplo, encontrar dois grupos de sujeitos equivalentes para testar o efeito de uma interferência pedagógica em um deles, usando o outro como elemento comparativo – sem contar os problemas éticos envolvidos nesse tipo de situação (Damiani, 2012:7).

As pesquisas-intervenção também se assemelham ao método da pesquisa-ação. Esta pode ser definida como:

[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (Thiollent, 1986: 14).

Podemos acrescentar que a pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que visa “melhorar a prática” (Tripp, 2005: 447) pautada em uma “alternativa epistemológica e não somente metodológica” (Ardoino apud Szymanski; Cury, 2004:358), ou seja, tem implicações sobre a “visão de mundo” e as práticas sociais. É preciso considerar, como nos auxiliam Rocha e Aguiar (2003: 64-66), que nem todo o tipo de pesquisas participativas, incluindo a pesquisa-intervenção e a pesquisa-ação, são “críticas”, isto é, nem todo tipo de pesquisa participativa está pautado em um projeto reflexivo-emancipatório dos sujeitos. Pelo contrário, pode ser um tipo “conservador/reformista”, voltado, por exemplo, para uma perspectiva funcionalista e de aprimoramento das relações capitalistas – este foi o caso das experiências lewinianas no contexto estadunidense (cf. Rocha; Aguiar, 2003) e este nos parece ser o componente central do “novo ensino médio” no Brasil (cf. nota de página 2).

Ainda com relação à pesquisa-ação, autores como Thiollent (1986:13-46), Gil (2002:56; 143-147), Tripp (2005:446-450), Damiani et al. (2013:59-60) e Szymanski e Cury (2004:358-359) destacam que esse tipo de pesquisa se pauta na “resolução de problema”, na “melhoria da prática”, no “envolvimento ativo do pesquisador”, na “prática contínua” envolvendo “plano de ação”, “inovação”, “interação entre pesquisador e participantes”, uma ação “estrategicamente proativa”, “participativa”, “intervencionista”, pautada sempre na “problematização”, na “prática documentada/acompanhada”, no “diálogo com conteúdos/referencial teórico”, na “verificação das mudanças”, na “prática reflexiva sobre a realidade”, na “reflexão teórica” e na “produção de conhecimento”. Embora esses elementos também sejam inerentes à pesquisa-intervenção, não podemos tomá-las como sinônimos.

Como destacam Damiani et al. (2013) a partir de Thiollent (1986), a pesquisa-ação apresenta uma (aparente) especificidade que não necessariamente define a pesquisa-intervenção4: a pesquisa-ação apresenta um caráter social, uma orientação emancipatória de crítica social, um compromisso social – conferir também Tripp (2005: 445; 458-459). Para os autores, embora tenha uma intencionalidade de mudança, a pesquisa do tipo Intervenção Pedagógica não necessariamente se pautará na mesma orientação da ação da pesquisa-ação ressaltado por Thiollent. Ela pode se estruturar como estímulo auxiliar, isto é, como um recurso que “o professor/pesquisador utiliza para resolver uma situação-problema, qual seja, a maximização da aprendizagem de determinado conteúdo, pelos estudantes” (Damiani, 2012: 6).

Como destaca Damiani, o estímulo auxiliar está diretamente relacionado ao princípio funcional da dupla estimulação em Vygotsky. Este princípio vygotskiano se refere ao “propósito de superar a explicação comportamentalista da ação humana, ou seja, a ideia de que a conduta é simples resultado (resposta) a estímulos externos” (Damiani, 2012: 5). Para Vygotsky, isso não seria suficiente, “pois, ao se depararem com uma situação-problema, os seres humanos lançam mão de estímulos auxiliares para resolvê-la, para além do estímulo inicial” (Damiani, 2012: 5). Para Vygotsky, o método de estimulação dupla tem por objetivo avaliar funções psicológicas como a memória e o pensamento. Nesse sentido, o método busca em novas ferramentas e práticas a solução de problemáticas a partir de dois estímulos: o primeiro é um problema a ser solucionado, mas que, em via de regra, é preciso ser mais complexo, tendo como base o atual momento de desenvolvimento cognitivo do educando – aqui, Vygotsky aponta a importância do “intervencionista”, ou seja, o professor, saber o real estágio de desenvolvimento do aluno. Portanto, apontamos a necessidade da aplicação de uma avaliação diagnóstica para que assim, o professor possa ter ciência do desenvolvimento do aluno ou da turma diante do que for proposto. Com efeito, o segundo estímulo precisa ser um objeto neutro que possua um potencial de resolver o problema “dito mais complexo”:

A tarefa com a qual a criança se defronta no contexto experimental está, via de regra, além de sua capacidade do momento, e não pode ser resolvida com as habilidades que ela possui. Nesses casos, um objeto neutro é colocado próximo da criança, e frequentemente podemos observar como o estímulo neutro é incluído na situação e adquire a função de um signo. Assim, a criança incorpora ativamente esses objetos neutros na tarefa de solucionar o problema (Vygotsky, s/d:52).

De acordo com Vygotsky, a proposta de estímulos neutros, em situações de dificuldades, tem a função de um signo, o que faz com que “a estrutura da operação assume um caráter diferente em essência” (Vygotsky, s/d: 52). É nesse sentido que Damiani (2012) discute a ideia de estímulo auxiliar.

A pesquisa-intervenção aproxima-se mais da pesquisa-ação quando consideramos seu segundo princípio, o da apropriação do concreto (Damiani, 2012) ou da ascensão do abstrato ao concreto (Damiani et al., 2013:61), isto é, “aquele que afirma a possibilidade de a realidade (o concreto) ser entendida por meio de categorias de análise abstratas – método fundamental do pensamento dialético marxiano”. Nesse método, destacam Damiani et al.:

[...] parte-se da realidade objetiva, tal como se a percebe inicialmente (caótica), e dela se extraem as categorias de análise por meio das quais, posteriormente, volta-se a analisar essa realidade, chegando ao que Marx (1983) denominou concreto pensado – a realidade teoricamente analisada e explicada. Segundo Duarte (2000), o pensamento marxiano considera a abstração como indispensável para se chegar à essência da realidade concreta. Esse autor afirma que Vygotsky citava Marx para defender a importância do “método da abstração” (2013: 61)5.

Neste caso, a realidade, pensada em termos das práticas sociais dos sujeitos, isto é, os sujeitos jogados no mundo concreto, material e historicamente constituído, é mobilizada, apreendida e discutida para tematizar conteúdos curriculares abstratos, tais como “cidadania”, “democracia”, “trabalho”, “violência”, “questões ambientais” etc. Após esse processo, e operando por meio de um movimento reflexivo, o objetivo consiste em voltar à compreensão da realidade concreta, agora por meio de um exercício teórico e da práxis (Damiani, 2012; Damiani et al., 2013), indo além, portanto, dos procedimentos puramente técnico-pedagógicos.

Outra distinção entre a pesquisa-intervenção e a pesquisa-ação destacada por Damiani et al. (2013) refere-se ao fato de que na pesquisa-ação, as etapas de planejamento e de implementação envolvem todos os agentes da pesquisa (pesquisador e demais participantes da pesquisa). Neste método de pesquisa, como destaca Thiollent (1986), o papel ativo na pesquisa-ação não se restringe ao pesquisador.

Um dos principais objetivos dessas propostas consiste em dar aos pesquisadores e grupos de participantes os meios de se tornarem capazes de responder com maior eficiência aos problemas da situação em que vivem, em particular sob forma de diretrizes de ação transformadora (...) os procedimentos a serem escolhidos devem obedecer a prioridades estabelecidas a partir de um diagnóstico da situação no qual os participantes tenham voz e vez (Thiollent, 1986: 8).

Os participantes da pesquisa, portanto, são elementos ativos ao longo de toda a pesquisa:

a) na colocação dos problemas a serem estudados conjuntamente por pesquisadores e participantes; b) nas “explicações” ou “soluções” apresentadas pelos pesquisadores e que são submetidas à discussão entre os participantes; c) nas “deliberações” relativas à· escolha dos meios de ação a serem implementados; d) nas “avaliações” dos resultados da pesquisa e da correspondente ação desencadeada (Thiollent, 1986: 31).

Na pesquisa-intervenção voltada à prática pedagógica, por sua vez, como sustentam Damiani et al, a identificação do problema e a forma de resolvê-lo é uma ação planejada e executada pelo professor/pesquisador, “embora permaneça aberto a críticas e sugestões, levando em consideração as eventuais contribuições dos sujeitos-alvo da intervenção, para o aprimoramento do trabalho” .(2013: 60). Em suma, podemos informar como objetivos da Pesquisa-Intervenção, em Educação, o pressuposto de que:

[...] as intervenções em Educação, em especial as relacionadas ao processo de ensino/aprendizagem, apresentam potencial para, simultaneamente, propor novas práticas pedagógicas (ou aprimorar as já existentes), produzindo conhecimento teórico nelas baseado (Damiani, 2012: 2).

O objetivo, nesses termos, consiste tanto em promover modificações de práticas de ensino-aprendizagem como fomentar um processo educacional pautado em uma perspectiva horizontalizada, que privilegie a participação dos educandos. Afinal, “as pesquisas do tipo intervenção pedagógica são aplicadas, ou seja, têm como finalidade contribuir para a solução de problemas práticos” (Damiani et al., 2013: 58).

Especialmente no nosso caso, o problema prático é a persistente dificuldade na aproximação entre os conteúdos teórico-curriculares do campo sociológico e o universo pedagógico-educacional da Educação Básica, mas sem abdicar do rigor teórico-analítico. Isso nos tem exigido esforços constantes de recontextualização de conteúdos e a busca pelo desenvolvimento de uma ação pedagógica crítico-reflexiva, a qual concebe a educação como estando diretamente correlacionada ao contexto social mais amplo e que percebe a escola como espaço de resistência e de desenvolvimento de uma consciência crítico-reflexiva6.

2. Intervenção Pedagógica por meio do uso do vídeo em sala de aula

Como argumentamos, um dos desafios do ensino de sociologia, especificamente na Educação Básica, é a recontextualização dos conteúdos, isto é, a tradução dos elementos teóricos para sua mobilização na análise da realidade social no campo pedagógico. Foi justamente pensando nesse desafio, bem como nas possibilidades de uma Intervenção Pedagógica, que pensamos na mobilização do “Cinema na Escola”, pois compreendemos o cinema como um potente mediador que, se utilizado de forma propositiva e planejada em aula, pode estimular o aluno a solucionar problemas e, com efeito, contribuir para o seu desenvolvimento cognitivo e social.

A opção por esse recurso foi previamente cogitada pela experiência de um dos professores-autores na escola em que a intervenção foi realizada. Ao trabalhar pontualmente com esse recurso, durante as aulas de sociologia, o professor percebeu que os alunos apresentaram maior envolvimento nos debates sobre a temática abordada. No entanto, a sua mobilização de fato, especialmente com longa-metragem, ocorreu a partir de rodas de conversas como parte da atividade de diagnóstico7.

Em um primeiro momento, foi indagado sobre quem tinha o hábito de ir ao cinema. A problematização também teve por objetivo discutir a democratização do acesso ao cinema, aproveitando que este havia sido tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no ano de 2019. Em um segundo momento, foram apresentados trailers de alguns filmes conhecidos. Dentre eles, “Tropa de Elite”, “Cidade de Deus”, “O Auto da Compadecida” e “O Poço”. Rompida a resistência inicial em se expressar publicamente, foi possível observar que embora os educandos em geral não conhecessem os filmes, havia interesse pelo roteiro e pela produção. Alguns, inclusive, fizeram alusão aos acontecimentos da sua própria realidade (criminalidade, tráfico de drogas, violência policial, cotidiano de uma periferia etc.).

A importância dos recursos audiovisuais no processo de ensino-aprendizagem, a despeito da carência de infraestrutura da maioria das escolas da rede pública de ensino no Espírito Santo, e da escola onde foi feita a intervenção em particular, encontra correlação direta com a nova configuração societária. Em uma sociedade cada vez mais dinâmica, interativa, atravessada e constituída pelas inovações e interações tecnológicas, torna-se imprescindível à escola realizar o trabalho pedagógico por meio da utilização de estratégias diversificadas e inovadoras, dentre elas, os recursos audiovisuais, que podem proporcionar aulas mais potentes para a construção do conhecimento (Dariz, 2014). Isso porque, como destacam Dariz (2014) e Menezes (2008), ao assistir a um filme, os sujeitos podem visualizar situações e contextos nos quais os conteúdos são aplicados, o que facilita a sua assimilação e compreensão tanto dos conteúdos como da própria realidade.

Esse foi o caso ao apresentar o trailer do filme “Tropa de Elite” e o imediato retorno dos alunos. Antes mesmo do término da apresentação, houve intervenções para informar que o tipo de ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, representado no filme, também era comum na sua comunidade. O destaque foi para a ação violenta, mas sem a percepção da violência policial como um problema social multifacetado (Misse et al., 2013): “a polícia dá um pau mesmo”; “se der mole é isso mesmo”; “professor, lá na favelinha é assim também”.

Os filmes também podem apresentar diferentes perspectivas e abordagens sobre um determinado tema, enriquecendo o debate e a reflexão dos educandos. Eles podem, por exemplo, expor diferentes pontos de vista, contextos históricos e culturais, auxiliando a compreensão dos estudantes sobre o assunto em questão. Especificamente em relação à recontextualização dos conteúdos, o uso de recursos audiovisuais – contanto com a mediação do professor no processo de ensino-aprendizagem – pode proporcionar uma representação visual dos conceitos, apresentando diferentes perspectivas, despertando o interesse dos alunos e contribuindo para a sua formação crítica.

Foi assim, trabalhando inicialmente com uma parte do filme “O Auto da Compadecida”, que os alunos identificaram a “esperteza” e a “malandragem” mobilizada pelos personagens como uma forma de “se safar” de algumas situações. Expressões como “o mundo é dos espertos” e “tem que ser malandro, professor”, seguidos de risos por toda a sala (inclusive do professor), permitiram anunciar aos alunos o tema do “jeitinho brasileiro” (Damatta, 1997; Barbosa, 2005) como um modelo de navegação social, caracterizado por uma forma de desconfiança e contorno das regras estranhas aos sujeitos.

Estamos a ressaltar a importância desse recurso em sala de aula, porque o vídeo, como argumenta Menezes (2008), pode promover uma ruptura nos processos educacionais pautados apenas nas linguagens verbal e escrita. Essa ruptura pode trazer para a sala de aula o mundo externo, que ao mesmo tempo pode ser a realidade cotidiana de vários educandos; pode trazer imagens e sons de realidades que, quando próximas, logo são assimiladas, e quando distantes, potencializam a imaginação, a fantasia e, por meio da reflexão crítica, a desconstrução do etnocentrismo.

Vale também destacar que, por se tratar de um recurso interativo, o vídeo pode deslocar radicalmente a posição dos educandos: de “audiências passivas” frente à obra, enquanto simples espectadores, a “espectadores emancipados8”, portanto, reflexivos e críticos em relação aos sentidos da obra. Mas essa potencialidade necessita do trabalho de mediação do professor, pois, como destaca Mandarino:

Sabemos que o vídeo ou a televisão, por si só, não garantem uma aprendizagem significativa. A presença do (a) professor (a) é indispensável. É ele/ela, com sua criatividade, bom senso, habilidade, experiência docente, que deve ser capaz de perceber ocasiões adequadas ao uso do vídeo. (apud Ferreira; Santos, 2014:3)

Cabe ao professor, portanto, na qualidade de mediador do processo de ensino-aprendizagem, estimular o debate de forma a auxiliar no desenvolvimento potencial dos educandos. Para isso, propomos a estrutura de “Cinema e Sociedade” como meio da intervenção, pensando a mobilização dos recursos audiovisuais como forma de alcançar o cotidiano, a realidade e os horizontes de possibilidades dos educandos por meio da promoção do debate aberto, trazendo o educando para o centro das reflexões. Em suma, partilhamos com Ferreira e Santos (2014) a compreensão de que o uso do vídeo em sala de aula é de suma importância para a aprendizagem dos alunos, uma vez que pode ser mobilizado como um mediador de debates sociais que nos afetam cotidianamente, permitindo uma maior aproximação entre a sala de aula, e seus conteúdos teórico-curriculares, com a realidade social.

2.1 A estrutura da intervenção e seus resultados

Os sujeitos da intervenção foram estudantes do primeiro e do segundo anos do Ensino Médio de uma escola pública localizada na periferia da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), Espírito Santo. A Intervenção Pedagógica foi estruturada em três módulos. O primeiro consistiu no diagnóstico, cujo objetivo foi compreender como os alunos percebiam e correlacionavam os conteúdos da disciplina à realidade social. Esse primeiro momento contou com duas ações. A primeira consistiu na aplicação de um questionário semiestruturado ao final de uma Disciplina Eletiva sobre “Arte e Cultura”. Nessa disciplina, que contou com a participação de cerca de 30 alunos de duas turmas diferentes de primeiro ano do Ensino Médio, foram trabalhados temas como cultura, etnocentrismo, teatro do oprimido e artes urbanas. Dentre os recursos, o professor recorreu pontualmente a entrevistas jornalísticas e um documentário. No momento de encerramento da disciplina, o professor aplicou um questionário, que envolvia os seguintes pontos: (I) aspectos positivos e negativos da disciplina; (II) o que mais gostou na disciplina; (III) hábito de assistir a filmes; (IV) últimos quatro filmes assistidos; (V) percepção dos alunos sobre como os filmes podem ou não retratar a realidade (opções: sim, não, não sei); (VI) quantas vezes foram ao cinema no último ano.

Considerando nossos objetivos neste artigo, vale destacar que cerca de 60% dos educandos informaram não ter o hábito de assistir a filmes – o questionário não indagou sobre por qual meio os inquiridos assistiam a filmes (televisão, smartphone, serviço online de streaming etc.). Dentre aqueles que indicaram os últimos filmes assistidos (muitos indicaram menos de quatro), destacaram-se filmes cujas temáticas eram de “super-heróis” (não necessariamente filmes novos), filmes que foram recentemente exibidos por emissoras abertas ou, em menor porcentagem, lançamentos de serviços online de streaming. Apenas 30% dos alunos indicaram a opção que sustenta que “filmes podem retratar a realidade”, enquanto cerca de 60% indicaram “não saber”. Por fim, cerca de 80% afirmaram que “não foi ao cinema no último ano”.

Após essa primeira atividade de diagnóstico, foram estruturadas rodas de conversas com as turmas (cf. nota 7). Como foi informado, primeiramente foi indagado sobre quem tinha o hábito de ir ao cinema e, em um segundo momento, foi fomentado o debate sobre cinema e aspectos sociais a partir de trailers de alguns de filmes conhecidos. Embora não conhecessem alguns desses filmes foi percebido o envolvimento dos alunos quando foram discutidas temáticas como “criminalidade”, “violência policial” e “desigualdade”.

A partir da experiência da disciplina e do questionário de diagnóstico, concluímos que a possibilidade de uma Disciplina Eletiva formatada exclusivamente por meio de recursos audiovisuais nos pareceu importante, considerando tanto a realidade dos alunos, especialmente o reduzido acesso ao cinema e a falta de conhecimento sobre a capacidade das produções retratarem aspectos da realidade, como o aparente interesse que foi observado a partir das rodas de conversa.

O segundo módulo da atividade de intervenção consistiu na implementação de fato, o que ocorreu no segundo semestre do ano de 2022. No primeiro encontro foi apresentada a estrutura da Disciplina e, de forma colaborativa e participativa, selecionamos os filmes seguindo quatro eixos temáticos escolhidos9, quais sejam: (I) Regionalismo, Cultura Popular, Etnocentrismo e Jeitinho Brasileiro (Professor); (II) Processo de Favelização, Gentrificação e Criminalidade (Alunos); (III) Fascismo, Corrupção e Violência Policial (Alunos); (IV) Desigualdade/Crítica Social (Alunos - 2 filmes); (V) Racismo e Homofobia (Professor). Para cada temática, foram apresentados duas ou três possibilidades de filmes. Os filmes respectivamente selecionados foram: “O Auto da Compadecida”, “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite I”, “O Poço”, “Que horas ela volta”, “Vista a Minha Pele” e “Hoje eu não quero voltar sozinho”.

A partir do segundo encontro, passamos a exibir os filmes, sendo que alguns necessitaram de dois encontros. Ao final de cada filme, realizávamos uma breve “roda de reflexão”. Neste momento, o professor fomentava o debate coletivo, buscando explorar reflexões analíticas dos estudantes sobre a sua própria realidade social ou, de forma mais ampla, sobre a realidade social brasileira.

Ao final de cada “ciclo” (exibição e roda de reflexão), os alunos se empenhavam na elaboração coletiva (em dupla ou trio) de um “produto didático” – essa atividade não era obrigatória e, considerando a estrutura das Disciplinas Eletivas, não apresentava pontuação. O “produto didático” inicialmente foi pensado como uma redação sobre a temática abordada – uma forma encontrada para incentivar a produção de redações e visando as possíveis temáticas da Redação do ENEM. No entanto, dada a pouca efetividade, considerando que nos dois primeiros encontros somente 8 dos cerca de 30 alunos realizaram a atividade, passamos a considerar outras possibilidades de produtos, tais como resenha do filme, quadros virtuais via Padlet (elaboração de uma espécie de mural da turma), mapas mentais elaborados no Canva. Essas atividades foram pensadas em parceria com o professor da disciplina de Estudos Orientados. Nesta disciplina, os alunos podiam fazer essas atividades sob a orientação do professor, tendo como recurso os Chromebooks da escola.

Dentre as atividades, obtivemos resultados que demonstravam a reflexão que os alunos passaram a realizar a partir da realidade local (seus bairros, sua cidade e seu estado) e da brasileira. Alguns exploraram músicas, como as dos grupos Facção Central e Racionais MC’s, para discutir desigualdade social e violência; outros mobilizaram um “mural” com fotografias de suas comunidades, para discutir a falta de acesso a equipamentos de esporte e lazer e o processo de gentrificação. Um grupo, em particular, explorou as relações dos alunos com professores e entre os estudantes entre si no recreio, para discutir o “jeitinho”, a obtenção de vantagens contornando as regras e procedimentos.

Com essa atividade conjunta com a disciplina de Estudos Orientados, obtivemos um aumento nas entregas das atividades, que passaram a valer para ambas as Disciplinas, alcançando cerca de 80% da turma. O quadro a seguir sintetiza a abordagem e os procedimentos:

Quadro 1 Planejamento da atividade pedagógica Módulo II

Da ta

Trimestre/2022

Objetivos

Objetivo Geral

  • Estudar os conteútos sociológicos correlacionando-os à realidade social brasileira.

Objetivos específicos

  • Discutir o etnocentrismo e o “jeitinho brasileiro” a partir de uma reflexão sobre o regionalismo nordestino.
  • Refletir sobre o processo de favelização, gentrifização e criminalidade no Brasil
  • Analisar e discutir discursos de exaltação da violência institucional e sua correlação com o fascismo.
  • Refletir sobre a desigualdade social no Brasil.
  • Refletir sobre o racismo estrutural no Brasil
  • Despertar no aluno o interesse para construção do saber reflexivo.
  • Inspirar o educando a pensar nos princípios da educação como um ato político.

Conteúdos e Abordagem Pedagógica

Os conteúdos foram trabalhados por meio de uma perspectiva pedagógica histórico-crítica, fomentando a construção de um saber crítico-flexivo sobre temas sociológicos e sociais inerentes à sociedade brasileira. Nos momentos de “reflexão coletiva”, sempre após a exibição de cada filme, buscamos explorar a participação de todos de forma democrática, sempre almejando potencializar a comunicação e expressão por meio de reflexões coletivas. Além de instrumentos para a assimilação sistemática dos conteúdos, buscaremos uma reflexão sobre o “ser-social”, trabalhando a partir do cotidiano e de experiências próximas à realidade dos alunos.

Unidade Didática

Metodologia

Recursos Didáticos

Produto Pedagógico

1

Regionalismo, Cultura Popular, Etnocentrismo e Jeitinho Brasileiro

Exibição de vídeo

Roda de reflexão

Data Show

Notebook

Equipamento de áudio

Redação

2

Processo de Favelização, Gentrificação e Criminalidade

Exibição de vídeo

Roda de reflexão

Data Show

Notebook

Equipamento de áudio

Redação

3

Fascismo, Corrupção e Violência Policial

Exibição de vídeo

Roda de reflexão

Data Show

Notebook

Equipamento de áudio

Opcional: redação, resenha, Padlet, Canva

4

Desigualdade/Crítica Social

Exibição de vídeo

Roda de reflexão

Data Show

Notebook

Equipamento de áudio

Opcional: redação, resenha, Padlet, Canva

5

Racismo e Homofobia

Exibição de vídeo

Roda de reflexão

Data Show

Notebook

Equipamento de áudio

Opcional: redação, resenha, Padlet, Canva

Fonte: elaboração própria

O terceiro e último módulo da intervenção consistiu na avaliação e nas devolutivas. A avaliação teve caráter formativo, isto é, um tipo de avaliação educacional que ocorre durante o processo de ensino-aprendizagem, com o objetivo principal de fornecer feedback contínuo e informações para melhorar o desempenho dos alunos. Nesse sentido, todos os “produtos pedagógicos” foram avaliados e, como devolutiva, receberam os apontamentos realizados pelo professor, tendo como objetivo final incentivar os alunos a manterem o hábito de “sistematização do conhecimento” como estratégia de aprendizado.

Para além dos “produtos” e dos conteúdos sociológicos, também avaliamos o envolvimento dos alunos nos momentos das rodas de reflexão, onde percebemos o gradativo desenvolvimento da habilidade de comunicação, o que havia sido inicialmente notado como “resistência” em se expressar publicamente. Como parte desse desenvolvimento de habilidades, no final da Eletiva incentivamos os alunos a apresentarem as temáticas para os estudantes do novo ano, o que foi realizado com quatro grupos como “projeto piloto” em uma das turmas – a ideia inicial era fazer essa apresentação para toda a escola, mas não foi possível encaixar a proposta no cronograma de atividades da escola.

Para avaliar a compreensão dos conteúdos sociológicos abordados na IP, foi elaborada uma avaliação formal (para a disciplina de sociologia), composta por questões de múltipla escolha e discursiva. O resultado foi satisfatório, indicando um bom nível de conhecimento sobre o “jeitinho brasileiro” como modo de navegação social, a correta compreensão sobre etnocentrismo e relativismo cultural, bem como uma postura crítico-reflexiva sobre a violência policial, sobretudo, considerando a população jovem e periférica, a desigualdade social e o racismo e homofobia como problemas estruturais da sociedade brasileira.

Um aspecto, contudo, exigiu nova abordagem durante as aulas de sociologia. No debate sobre racismo estrutural, o tema da meritocracia ganhou destaque por parte de alguns alunos. Havia um “conhecimento comum” sobre a livre iniciativa dos sujeitos em um contexto de “liberdade”, alegando que as pessoas, por esforço próprio, poderiam “conquistar as coisas” e “mudar de vida”, bastando “trabalhar muito de forma honesta”. Visando à desconstrução do ideário individualista na ascensão social, passamos a tratar a relação “meritocracia < > racismo estrutural” como tema gerador, o que ocorreu tanto nas turmas de primeiro como de segundo ano a partir da temática “estratificação social”, “cidadania no Brasil” e “luta de classes”. Destacar essa experiência é importante para chamar a atenção para o dado de que, por mais que as ações sejam planejadas, temas não previstos podem surgir e não podem ser desconsiderados ou silenciados. A “meritocracia” não estava no horizonte de ação do professor, mas passou a ser (re)trabalhada como um tema gerador.

Sobre as demais devolutivas inicialmente planejadas, nas quais discutiríamos em campo a problemática do acesso ao cinema e da questão racial que perpassa a produção cinematográfica no Brasil, não foi possível a ação de visita pedagógica ao cinema10 nem a palestra com um sociólogo, produtor e diretor de audiovisual. No que tange à ação de visita, não foi possível devido à falta de recursos econômicos. No entanto, em um primeiro momento, a Direção Escolar nos informou que haveria. Com relação à palestra, não foi possível devido a um conflito de agenda – também é preciso destacar a distância entre a escola e o local de trabalho do palestrante, o que contribuiu para inviabilizar a atividade.

Embora o projeto tenha sido avaliado como positivo tanto pela Coordenação Pedagógica da escola como pelo professor, considerando os “produtos pedagógicos” gerados, bem como as ações devolutivas e o conhecimento adquirido sobre os conteúdos sociológicos abordados por meio da recontextualização, vários percalços foram identificados. Alguns deles, como abordamos, envolvem a estrutura escolar. Já outros envolvem a necessidade de previsão econômica, com a ida ao cinema, teatro etc. – quando há a necessidade de pagar pelo ingresso. Uma possível alternativa é pensar em formas de ações colaborativas envolvendo a comunidade escolar. Nesse ponto, o professor também pode tematizar, em aula, formas solidárias de economia, como a própria Economia Solidária, e experiências de cooperativismo. Para além da questão econômica em si e do próprio conteúdo sobre a temática, há a possibilidade de criação de redes de interdependência e reciprocidade entre os alunos, o que pode potencializar as ações da intervenção. Uma segunda ação da intervenção estava prevista, mas não foi possível devido à rotatividade dos professores em cargo de designação temporária.

Considerações finais

A motivação para a criação da Intervenção Pedagógica (IP) surgiu diante da necessidade de buscar formas de recontextualização dos conteúdos sociológicos perante a percepção do baixo interesse dos educandos na disciplina, bem como a necessidade de mudanças no processo de ensino-aprendizagem, o que foi buscado com a proposta de Intervenção Pedagógica. Perguntas sobre o que é sociologia e a diferença com relação à filosofia eram frequentes por parte dos educandos. Também era relativamente frequente o olhar “utilitarista” expresso em indagações sobre “para que serve isso?”. Parte das queixas estava aparentemente relacionada à complexidade dos conceitos e seu grau de abstração, o que dificultava a compreensão dos conteúdos e a percepção da “validade” da disciplina, além da semelhança com a filosofia e a história, o que, aos olhos dos educandos, tornava o tema “repetitivo.

Nesse contexto, a recontextualização dos conteúdos se revelou essencial para o trabalho docente, uma vez que se percebeu a necessidade de aproximar e discutir os conteúdos acadêmicos no processo de ensino-aprendizagem na educação básica. Tornar a sociologia “conhecida” e demonstrar sua “validade” foram os nossos primeiros desafios, especialmente entre os estudantes do primeiro ano, para os quais esse era o primeiro contato com a disciplina. A inserção da sociologia exigiu não apenas a apresentação dos conceitos fundamentais, mas também a construção de uma ponte entre o conhecimento acadêmico e a realidade dos alunos, facilitando a compreensão e o engajamento no processo educativo.

Afinal, o que a sociologia analisa e como o faz? Observamos que, ao introduzir vídeos curtos em sala de aula, na disciplina de sociologia, houve um aumento do interesse por parte dos educandos. Por ser um meio interativo, o vídeo tem o potencial de provocar uma mudança significativa na postura dos educandos, que deixam de ser simples espectadores passivos para se tornarem espectadores crítico-reflexivos. Notamos que, após a utilização desse recurso, os educandos se mostraram mais dispostos a participar de debates sobre o tema abordado. Foi a partir dessa observação inicial que começamos a considerar a possibilidade de uma intervenção pedagógica em formato de Disciplina Eletiva.

Como abordamos, o objetivo consistiu na promoção da reflexão crítica sobre problemas sociais a partir da exibição de filmes, seguida de um momento de debate com os alunos. Por exemplo, ao exibirmos “O Auto da Compadecida” para discutirmos o conceito de cultura, regionalismo cultural, etnocentrismo, relativismo cultural e o “jeitinho brasileiro”, os alunos rapidamente identificaram uma prática comum na escola: a prática de furar fila no recreio como um “jeitinho” de burlar a formalidade através de suas relações pessoais de “amiguismo” e, assim, obter ganho pessoal – inclusive, esse tema resultou em um dos “produtos pedagógicos” elaborados pelos alunos. Ou seja, esse problema surgiu a partir da reflexão dos alunos sobre o “jeitinho brasileiro” e suas práticas cotidianas, não tendo sido problematizado pelo professor – o professor não vinculou o tema ao contexto da escola. Outro elemento observado pelos próprios educandos, a partir da realidade da escola, se refere ao desperdício de alimento no recreio. Essa problematização, que não fazia parte dos temas provocadores do professor, foi feita na roda de reflexão posterior à exibição do filme “O Poço”. Em suma, apesar dos pontos limitantes da intervenção, destacados anteriormente, entendemos que boa parte dos objetivos foi alcançada com a intervenção, sobretudo a capacidade de assimilação de conteúdos teóricos complexos no ambiente escolar (recontextualização). Esperamos que os relatos dessa experiência, bem como a exploração sobre a Pesquisa Intervenção possam auxiliar atividades futuras, pensando a possibilidade e a necessidade de (re)problematização de conteúdos acadêmicos e estímulo do (auto)aprendizado crítico-reflexivo dos educandos por meio da mediação do professor.

Referências

BARBOSA, L. (2005). Jeitinho brasileiro. A arte de ser mais igual que os outros. Rio de Janeiro: Campus.

BERNSTEIN, B. (2003). “A pedagogização do conhecimento: estudos sobre recontextualização”. Tema em Destaque. Caderno de Pesquisa, nº 120, 75-110.

BOURDIEU, P. (2007). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

DAMATTA, R. (1997). Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco.

DAMIANI, M. F. (2012). “Sobre pesquisas do tipo intervenção. In: XVI Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino”. Anais... Campinas: UNICAMP.

DAMIANI, M. F.; ROCHEFORT, R. S.; CASTRO, R. F.; DARIZ, M. R.; PINHEIRO, S. S. (2013). “Discutindo pesquisas de tipo intervenção pedagógica”. Cadernos de Educação, nº 45, 57-67.

DARIZ, M. R. (2014). “O vídeo educativo-interativo como ferramenta potencializadora a da aprendizagem da ambiguidade lexical”. In: X ANPED SUL. Anais... Florianópolis.

FERREIRA, R.; D.; S; SANTOS, J.; H.; V. (2014). “O uso do vídeo em sala de aula”. Scientia Plena, São Paulo, volume 10, nº 4, 1-8.

FREIRE, P. (2011). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

GIL, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas.

MARQUES, E. S. A.; CARVALHO, M. V. C. (2016). “O significado histórico de práticas educativas: um movimento que vai do clássico ao contemporâneo”. Linguagens, Educação e Sociedade, ano 21, nº 35, 122-142.

MARQUES, M. de S. (2015). “Críticas ao modelo hierarquizado de cultura: por um projeto de democracia cultural para as políticas culturais públicas”. Revista de Estudios Sociales, nº 53, 43-51.

MARTINS, C. B. (1994). O que é Sociologia. 38º Ed. São Paulo: Brasiliense.

MENEZES, Lilian. (2008). O vídeo nos processos de ensino e aprendizagem. Curso de produção de vídeo. São Paulo.

MISSE, M.; GRILLO, C. C.; TEIXEIRA, C. P.; NÉRI, N. E. (2013). Quando a polícia mata: Homicídios por ‘autos de resistência’ no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio de Janeiro: Booklink.

ROCHA, M. L.; AGUIAR, K. F. (2003). “Pesquisa-intervenção e a Produção de Novas Análises”. Psicologia, Ciência e Profissão, volume 23, nº 4, 64-73.

RODRIGUES, L. P. (2020). “A controvérsia científica em torno da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19: a importância dos estudos sociais da ciência na sociedade complexa”. Simbiótica. Revista Eletrônica, volume 7, nº 1, 147-171.

SAVIANI, D. (1999). Escola e Democracia. 32ª ed. Campinas: Editoras Autores Associados.

SILVA, I. F. (2007). “A Sociologia no Ensino Médio: Os Desafios Institucionais e Epistemológicos para a Consolidação da Disciplina”, Cronos – Revista do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN, volume 8, nº 2, 403-427.

SZYMANSKI, H.; CURY, V. E. (2004). “A pesquisa intervenção em psicologia da educação e clínica: pesquisa e prática psicológica”. Estudos de Psicologia, volume 9, nº 2, 355-364.

THIOLLENT, M. (1986). Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez: Autores Associados.

TRIPP, D. (2005). “Pesquisa-ação: uma introdução metodológica”. Educação e Pesquisa, volume 31, nº 3, 443-466.

VIGOTSKY, L. S. (s/d). A formação social da mente: o desenvolvimento social da mente. Curitiba: Seção Braille da Biblioteca Pública do Paraná - Texto-base digitalizado por: Funcionários da Seção Braille da BPP - Curitiba – PR.


1 A pesquisa que deu origem ao presente texto seguiu os procedimentos éticos da escola, o que levou ao ocultamento total da identificação dos alunos e da instituição, garantindo o anonimato e a confidencialidade dos dados.

2 Os desafios da sociologia na educação básica brasileira também envolvem a sua própria institucionalização. Por cerca de seis décadas, a sociologia ficou ausente do currículo escolar do país, retornando apenas no ano de 2008, com a implementação da Lei nº 11.684/2008, que reestabeleceu a obrigatoriedade da disciplina no ensino médio. Em 2018 um novo desafio surgiu: a reestruturação do ensino médio nacional. O “novo ensino médio” tem promovido certo rebaixamento curricular de algumas disciplinas, seja com a redução da carga horária, seja com um projeto atrapalhado de interdisciplinaridade, cujo efeito prático tem sido a prevalência de conteúdos voltados à preparação para o mercado de trabalho – igualmente deficiente – em detrimento de uma formação crítica e cidadã. Esse modelo, ao priorizar itinerários formativos mais técnicos, acaba marginalizando áreas como as Ciências Humanas, incluindo a sociologia, que tem um papel fundamental no desenvolvimento do pensamento crítico e da compreensão das dinâmicas sociais. A consequência é uma educação cada vez mais instrumental, que pode comprometer a formação integral dos estudantes.

3 Estamos a considerar a atividade de “planejamento” também no sentido de “atividade prévia de diagnóstico”, isto é, o levantamento e/ou a identificação do “problema” que antecede toda a atividade de implementação e posterior avaliação da pesquisa-intervenção.

4 Dissemos “aparente” porque, de fato, a orientação de crítica social e o engajamento político voltado à transformação da realidade não se limitam à pesquisa-ação. Diferentes tipos de pesquisa, como a pesquisa-intervenção, também poderiam ser assim definidos.

5 Conferir também Damiani (2012:6).

6 Estamos, portanto, pensando a partir de práticas educativas críticas – as práticas educativas críticas, vale destacar, podem apresentar diferentes bases teóricas, indo desde concepções liberais, como em Dewey, como marxistas, como em Paulo Freyre e Saviani (cf. Marques; Carvalho, 2016:130-140). Ao contrário de práticas educativas elitistas, conformista-conservadoras e conformista-críticas, as práticas educativas críticas compreendem o fenômeno educativo como parte inseparável da estrutura social percebida em sua radicalidade histórica, passível, portanto, de ser transformada pela ação dos sujeitos conscientes das relações desiguais de poder que atravessam e constituem todas as relações e instituições sociais, inclusive a instituição escolar. A partir desse deslocamento teórico-analítico, a prática educativa crítica é entendida como uma manifestação direta da realidade e do ambiente em que vivemos, e a experiência vivenciada se torna o ponto de referência para a reflexão na ação prática, na transformação das relações econômicas, políticas e sociais (cf. Freire, 2011; Saviani, 1999).

7 As rodas de conversas foram realizadas com todas as turmas de primeiro e segundo anos do Ensino Médio da escola – não havia disciplina de sociologia para as turmas de terceiro ano.

8 A partir de Rancière, Marques (2015:48) nos indica que “por espectador emancipado, podemos entender um contraponto à ideia de um espectador contemplador, passivo [...]. A emancipação [...] questiona a oposição entre a contemplação (simples olhar) do agir (atribuição de sentidos ao que se vê). O espectador, ao olhar, também age, ‘ele observa, seleciona, compara, interpreta’”. Desta forma, os expectadores também agem, atribuem significados.

9 Como critério, visando à construção de consenso, ficou combinado que o professor escolheria um tema e os alunos, outro, considerando uma lista com 10 temáticas com uma breve apresentação sobre cada uma.

10 O filme seria Pantera Negra: Wakanda para Sempre (2022).