Volumen 33 No. 3 (julio-septiembre) 2024, pp. 56-75

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.12813425

Democracia digital, e-participação e políticas públicas: um estudo bibliométrico

Gisleine do Carmo y Vânia Aparecida Rezende

Resumo

As TICs possibilitam a ampliação da participação cidadã. Assim, a política passa a envolver novos atores e práticas, que propiciam novas formas de influência no processo político (Araújo et al., 2015). Diante da relevância da democracia digital, de sua multidisciplinaridade, e da necessidade de avançar os estudos na área, no sentido de consolidar um campo, este artigo apresenta a seguinte questão de pesquisa: Quais os avanços científicos dos temas democracia digital e e-participação no âmbito das políticas públicas? Assim, o objetivo deste trabalho é analisar os estudos que abordam a democracia digital e e-participação e sua interface com a temática de políticas públicas, no cenário internacional, no período 2013-2022. Para isso, o artigo emprega uma pesquisa bibliométrica, com base nas publicações resgatadas da base Web of Science e com o auxílio dos softwares VOSviewer e Bibliometrix. A partir das análises empreendidas constatou-se como a democracia digital e a e-participação constituem uma possibilidade contemporânea e potente para estreitar a relação entre cidadãos comuns e o Estado. Trata-se de uma inovação institucional que muda o comportamento comumente passivo dos indivíduos acerca da política. As mídias sociais se mostraram um veículo amplamente difundido para a ampliação da participação cidadã, por meio de contribuições mais especializadas, baseadas em debates argumentativos. Por meio da opinião embasada e do controle social, os níveis de serviço do governo passam a melhorar e também abarcar novas interações com o público.

Palavras-Chave: Democracia digital; E-democracia; E-participação; Políticas públicas; TIC; Participação.

Universidade Federal de Lavras. Minas Gerais, Brasil

ORCID: 0000-0002-7260-5063

E-mail: gisleinecarmo95@gmail.com

Universidade Federal de São João del Rei. Minas Gerais, Brasil

ORCID: 0000-0002-9879-4552

E-mail: vaniarezende@ufsj.edu.br

Recibido: 10/01/2024 Aceptado: 03/04/2024

Digital democracy, e-participation and public policies: a bibliometric study

Abstract

ICTs enable the expansion of citizen participation. Thus, politics begins to involve new actors and practices, which provide new forms of influence in the political process (Araújo et al., 2015). Given the relevance of digital democracy, its multidisciplinary nature, and the need to advance studies in the area, in order to consolidate a field, this article presents the following research question: What are the scientific advances in the themes of digital democracy and e-participation in the scope of public policies? Thus, the objective of this work is to analyze the studies that address digital democracy and e-participation and its interface with the theme of public policies, in the international census, in the period 2013-2022. To achieve this, the article uses bibliometric research, based on publications retrieved from the Web of Science database and with the help of VOSviewer and Bibliometrix software. From the analyzes undertaken, it was found that digital democracy and e-participation constitute a contemporary and powerful possibility for strengthening the relationship between ordinary citizens and the State. It is an institutional innovation that changes the commonly passive behavior of individuals regarding politics. Social media proved to be a widely disseminated vehicle for expanding citizen participation, through more specialized contributions, based on argumentative debates. Through informed opinion and social control, government service levels begin to improve and also encompass new interactions with the public.

Keywords: Digital democracy; E-democracy; E-participation; Public policy; ICT; Participation.

Introdução

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) têm permeado os diversos espaços e esferas públicas como mecanismos que facilitam as rotinas da administração pública e potencializam a participação cidadã. Esse novo cenário, podendo ser configurado ainda como ciberespaço, se localiza em um novo paradigma, de rede, onde a sociedade civil organizada, sob diversas formas, incita novos tipos de ação coletiva, novas formas de ativismo e empoderamento, os quais se materializam por meio de suas articulações em rede e participação política, agora denominada de e-participação, participação online (Araújo et al., 2015).

A participação política pode ser caracterizada como um envolvimento efetivo na tomada de decisão política, a qual pode ocorrer por meio do exercício de pressão ou da sugestão de propostas. Nesse sentido, as TICs possibilitam a ampliação dessas possibilidades de participação cidadã. Assim, a política deixa de se situar de forma restrita no Estado e passa a envolver novos atores e práticas, que propiciam novas formas de influência no processo político (Araújo et al., 2015).

Depreende-se, então, o uso de termos como deliberação online, participação online, democracia digital, além da já mencionada e-participação, para denominar essa nova atuação política da sociedade civil. Sobre o termo democracia digital, muito recorrente nos estudos, este denomina o emprego de dispositivos, aplicativos e ferramentas de TICs para suplementar, reforçar ou corrigir práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, visando a democracia política (Gomes, 2011).

As novas tecnologias promovem novos espaços para a participação e essas constituem uma replicação e uma adição às práticas off-line já existentes de participação pública. Assim, os cidadãos podem usar a internet para facilitar a participação política, por meio do apoio ou crítica às políticas governamentais; da influência sobre as tomadas de decisão política (como a definição de agendas); e do aumento do capital social (Meijer et al., 2009).

Com o aumento do uso da internet comercial, bem como a oferta de computadores pessoais, a academia também começou a se debruçar sobre temas voltados à participação, engajamento cívico e comunicação digital. Tal esforço mostrou a relevância das reflexões acerca dos efeitos políticos e sociotécnicos que os recursos tecnológico-informacionais apresentam, sobretudo, nos regimes democráticos (Sampaio et al., 2021).

Sampaio et al. (2021) ressaltam a necessidade de avançar com os estudos sobre democracia digital, visando amplificar os esforços para a conformação de um campo de pesquisa. A literatura internacional sobre o tema apresenta certo nível de especialização, embora ainda fragmentado em subcampos, como e-participação, deliberação online, transparência digital. Já a literatura brasileira sobre democracia digital é ainda incipiente. Isso mostra, mais uma vez, a necessidade de consolidação de um campo, que promova mais trocas acadêmicas, em termos teóricos e metodológicos (Blasio e Sorice, 2019; Sampaio et al., 2022).

Diante da relevância da democracia digital para a sociedade contemporânea, de sua multidisciplinaridade, e da necessidade de avançar os estudos na área, no sentido de consolidar um campo, este artigo se propõe a responder a seguinte questão de pesquisa: Quais os avanços científicos dos temas democracia digital e e-participação no âmbito das políticas públicas? Assim, o objetivo deste trabalho é analisar os estudos que abordam a democracia digital e e-participação e sua interface com a temática de políticas públicas, no cenário internacional, no período 2013-2022.

A democracia digital, que emergiu com maior intensidade no início do século XXI, suscitou debates intensos sobre a sua capacidade de promover a participação e a transformação das políticas públicas. Até 2013, o foco da discussão girava em torno do potencial das novas tecnologias para ampliar o acesso à informação, fortalecer a comunicação entre cidadãos e governantes e criar mecanismos de participação mais diretos e inclusivos. A proliferação de plataformas online e redes sociais, como fóruns, plataformas de petições online e plataformas de debate, abriu novas possibilidades para a coleta de opiniões, a organização de movimentos sociais e a mobilização em torno de causas específicas (Bennett e Segerberg, 2012). No entanto, as discussões também abordaram os desafios da democracia digital, como a necessidade de garantir o acesso equitativo às tecnologias (Van Dijk, 2006), a dificuldade em traduzir a participação digital em ações concretas e eficazes no âmbito das políticas públicas (Morozov, 2011).

A partir de uma bibliometria realizada por meio de uma busca na base de dados Web of Science, o artigo possibilitará uma visão abrangente sobre o tema democracia digital em sua relação com as políticas públicas. Assim, a academia poderá se beneficiar com um delineamento mais detalhado acerca do tema, com o objetivo de fortalecer seus pressupostos teóricos e possibilidades empíricas. Sobre essa questão empírica, o estudo, ainda, possibilitará uma compreensão abrangente sobre as contribuições da democracia digital como forma potencializadora da participação política dos cidadãos comuns.

Para atingir o objetivo proposto, este artigo apresenta, além desta introdução, a metodologia utilizada – pesquisa bibliométrica. Na sequência, serão apresentados os resultados alcançados e a discussão dos mesmos, em diálogo com a literatura. Serão expostos aspectos referentes aos trabalhos mais relevantes desenvolvidos no período, e suas características, como citações, autores, fontes e palavras-chave. Por fim, são tecidas a conclusão do estudo, com apontamentos sobre as limitações encontradas e as possibilidades de pesquisas futuras.

Democracia digital: as contribuições da e-participação para as políticas públicas

A democracia digital constitui uma nova forma de ampliar a participação social e a influência do povo sobre as ações e decisões do Estado (Goldschmidt e Reis, 2019). Ela possibilita que sejam criadas oportunidades para as pessoas participarem no processo de definição de políticas, estendendo a participação para toda a sociedade civil, além da atuação dos representantes eleitos (Schlosber e Dryzek, 2002).

Qualquer gênero, meio ou linguagem da comunicação de massa, em uma situação social onde exista um regime democrático em funcionamento ou onde já estejam presentes as condições para que ele surja, pode oferecer contribuições valiosas e indispensáveis à democracia (Gomes, 2018b).

O termo e-democracia, referindo-se à democracia digital, geralmente é utilizado de maneira vaga, associado às TICs, com o objetivo de aumentar a participação pública (e-participação) nos processos democráticos (Grönlund, 2003). De maneira ampla, aborda uma variedade de experiências, iniciativas e práticas políticas associadas à democracia, a partir do apoio de dispositivos e ferramentas tecnológicas voltadas à informação e comunicação (Rabelo et al., 2012). Os autores Silva, Sampaio e Bragatto concebem o termo a partir de duas dimensões: “(a) a tradição da concepção de democracia e todo o seu debate histórico, normativo e prático enquanto sistema político; (b) as inovações interativas das tecnologias digitais e toda sua expansão para a vida cotidiana, aplicada para solucionar problemas comunicativos e informativos modernos.” (2016:19)

Para Gomes (2018a), o conceito de democracia digital refere-se à ideia de que recursos tecnológicos, projetos baseados em tecnologias da comunicação, e até mesmo as experiências pessoais e sociais de uso dessas tecnologias, podem ser utilizados para criar mais democracia e melhorar a qualidade da democracia. O autor afirma que tudo de bom e democrático, assim como tudo de ruim, antissocial e antidemocrático, pode ser realizado por meio das comunicações digitais e dos ambientes digitais de comunicação.

O estudo de Przeybilovicz, Cunha e Coelho (2015) se destaca na temática em questão, ao estudar a estruturação do governo eletrônico no Brasil, por meio de uma bibliometria. O estudo analisa trabalhos publicados entre 2007 e 2012. A falta de teorias ou modelos de referência foi definida como uma fragilidade, com apenas 16% dos artigos utilizando um domínio conceitual. As áreas de estudo incluíram e-administração, inclusão digital, e-participação e e-governança. As redes de relacionamento entre autores eram fracas, enquanto as de instituições, com a USP como centro, eram mais coesas. Os autores identificaram desafios, como maior interação e parceria entre os pesquisadores, uso de teorias, publicação em periódicos de alto nível e rigor metodológico.

Para Blasio e Sorice (2019), a democracia digital possibilita a transição de uma democracia intermitente e com baixa intensidade, cuja participação política acontece, mas logo se esgota no momento eleitoral, para uma democracia mais participativa, que instiga o comprometimento dos cidadãos. Então, na democracia digital, as TICs combinam a participação episódica, por meio do voto, com uma participação deliberativa contínua, que promove uma interconexão social e o compartilhamento de processos políticos, por meio do debate argumentativo.

A promessa da democracia digital, embora promissora, encontra também limites reais. Maia (2011), por exemplo, menciona que, por outro lado, a internet trouxe consigo riscos, como o uso da nova infraestrutura de comunicação digital para apoiar regimes ditatoriais e grupos da má sociedade civil, como são conhecidas associações fundamentalistas e grupos de incitação ao ódio, por exemplo. Além desses riscos, há também o desafio da exclusão digital. Essa exclusão pode ocorrer em diversos aspectos, como tecnológico, infraestrutural, financeiro, cognitivo, instrumental e linguístico. Tais aspectos estão interligados e demonstram as diferentes faces da exclusão digital, que devem ser consideradas nas políticas públicas. Programas de inclusão digital, portanto, não se resolvem apenas com a disponibilização de um computador, uma conexão e treinamento inicial em software, ainda que a ausência desses passos básicos inviabilize o início da jornada (Silva, Ribeiro e Merli, 2012).

Em relação ao aspecto evolutivo da temática, García-Orosa (2021) define quatro fases de desenvolvimento da democracia digital. A primeira fase corresponde à década de 1990, quando os atores políticos se preocuparam com sua presença online. Nessa época houve o lançamento dos primeiros sites governamentais e há o destaque para os seguintes temas: direito de acesso à internet, conceitos de cibercidadão, partidos digitais, meios digitais nativos.

A segunda fase, do período 2004 a 2008, iniciou com o lançamento da rede social Facebook e posteriormente, do Twitter e YouTube. Nesse momento fala-se de engajamento cívico e deliberação democrática. Já a terceira fase tem como marco a campanha presidencial de Barack Obama, em 2008. Estudava-se, assim, sobre inovações tecnológicas, redes sociais, big data, microssegmentação e sobretudo, sobre o conceito propriamente dito de democracia digital. Por fim, define-se a quarta fase, atual, com início em 2016, com a campanha pró-Brexit e as ações da Cambridge Analytica. Há o destaque para temas como: plataformas digitais, inteligência artificial, fake news, deepfake, determinismo tecnológico, coprodução, astroturfing (García-Orosa, 2021).

Uma última consideração importante diz respeito a classificação da democracia digital. Van Dijk (2000) define três tipos: internet, marketing e infocrático. No modelo internet, os cidadãos se comunicam e discutem questões de forma online. Nele, as informações são fornecidas de forma eletrônica, através de plataformas web especializadas e há o objetivo de tornarem ativas aquelas esferas da população inativas nos assuntos públicos. O segundo modelo, marketing, tem foco na propaganda e promoção política. Ele está voltado para a prestação de informações aos cidadãos, visando a promoção de políticas governamentais, candidatos e grupos da sociedade civil. Por último, o modelo infocrático tem a função de difundir as burocracias tradicionais e tornar-se suas sucessoras.

Método

A presente pesquisa configura uma bibliometria. Essa corresponde ao estudo das publicações acadêmicas que usa estatísticas para descrever as tendências de publicação e destacar as relações entre os trabalhos publicados (Ninkov et al., 2022). Estudos desse tipo estão fundamentados em métodos quantitativos e estatísticos, sendo aperfeiçoados ao longo do século XXI, por autores como Bradford, Lotka, Zipf e Otlet.

A bibliometria possui papel importante ao avaliar a produção científica mundial, com o uso de indicadores que retratam o comportamento e o desenvolvimento de um campo científico (Pimenta et al., 2017). Tal metodologia mapeia detalhadamente as produções científicas sobre dado tema, analisando suas principais características, redes de autoria, coautoria, citações e fontes (Ferreira e Silva, 2019).

A bibliometria desenvolvida no presente artigo se orientou por um framework de pesquisa, conforme mostra o Quadro 1. Na etapa inicial de operacionalização da pesquisa houve a definição do campo científico do trabalho, a saber: democracia digital e conceitos relacionados como e-participação, participação online, deliberação online e e-democracia. Na definição da base científica optou-se pela Web of Science, a qual abrange dados multidisciplinares com vários periódicos – artes, humanidades, ciências sociais, tecnologia – cujos trabalhos fornecem suporte para análises de indexações e citações (Ramlal et al., 2021).

Quadro 1. Framework de pesquisa

Etapa

Procedimento

Descrição

1

Operacionalização

1.1

Definição do campo científico em estudo

1.2

Delimitação dos objetivos do trabalho

1.3

Escolha da base científica

2

Procedimentos de busca

2.1

Definição da string de busca

2.2

Definição dos filtros para refinamento da pesquisa

3

Procedimentos de seleção

3.1

Download das referências dos estudos selecionados

3.2

Importação dos dados para os softwares bibliométricos

4

Análise da produção científica

4.1

Evolução da produção científica e trabalhos mais citados

4.2

Fontes mais relevantes e produção científica por país

4.3

Autores mais relevantes e rede de cocitações

4.4

Análise de coocorrência e nuvem de palavras-chave

Fonte: Adaptado de Prado et al. (2016)

A segunda etapa do framework corresponde aos procedimentos de busca. Primeiro, foi construída a string de busca: (TS=((“digital democracy” OR “e-participation” OR “online participation” OR “online deliberation” OR “e-democracy”) )) AND ALL=((“public polic*” OR “public administration” OR “political decision*” OR “government agenda” OR “politics” OR “government*”)). A busca no tópico (TS) permitiu identificar a centralidade do tema democracia digital nos estudos, uma vez que tal termo é localizado no título, resumo e palavras-chave. O uso do “ALL” (todos) para os nomes relacionados com políticas públicas localizou tal temática em qualquer campo dos estudos. As aspas possibilitaram o alcance de trabalhos com o termo exato e o asterisco localizava variações dos termos, como o plural.

Na definição dos filtros de pesquisa, selecionou-se os trabalhos no período 2013 a 2022, inseridos em qualquer área. Tal busca retornou 869 trabalhos. Visando a compatibilização nos softwares bibliométricos posteriormente utilizados, foi preciso filtrar os documentos também por tipo, excluindo-se, assim, o formato early access. Nessa etapa foram retornados 856 resultados.

Na terceira etapa do framework definido, nos procedimentos de seleção, executou-se o download das referências de todos os 856 resultados. Para essa função, os estudos foram exportados no formato “arquivo de texto sem formatação” e com a opção de “seleção personalizada” com todos os campos. Após esse download, o arquivo com os resultados foi importado nos softwares VOSviewer e Bibliometrix. O VOSviewer se destaca pela criação, análise e visualização de dados em rede (Van Eck e Waltman, 2019). Já com o Bibliometrix é possível executar e analisar mapeamentos científicos, com o uso da linguagem R (Aria e Cuccurullo, 2017).

Como última etapa, apresentada no Quadro 1, realizou-se a análise da produção científica. Assim, foi possível compreender o tema da e-participação e democracia digital no âmbito das políticas públicas, de maneira abrangente e em um cenário internacional. As análises específicas empreendidas foram referentes à evolução da produção científica, trabalhos mais citados, fontes e países mais relevantes na temática, autores relevantes, rede de cocitações, e coocorrência de palavras-chave.

Resultados e discussão

Essa seção apresenta os principais resultados das análises bibliométricas empreendidas por este estudo, de modo a ressaltar aspectos fundamentais de como a democracia digital e a e-participação tem sido desenvolvida no período 2013 a 2022.

Ao interpretar os resultados deste estudo, é essencial considerar a limitação inerente à base de dados utilizada. Uma parcela significativa dos periódicos brasileiros relevantes pode não estar representada (Mugnaini, 2019), o que pode influenciar a abrangência dos achados. No entanto, a base de dados Web of Science mostra-se relevante e representativa, principalmente por se considerar esse um estudo de âmbito internacional, tendo sido escolhida por critérios metodológicos específicos, como apresentados na metodologia. Sendo assim, os achados e análises podem ser complementados por outras fontes de informação para uma compreensão mais crítica do tema.

1 Evolução da produção científica e trabalhos mais citados

O período de análise dos artigos resgatados da base Web of Science foi 2013 a 2022, os últimos 10 anos. A Figura 1, abaixo, foi construída no Microsoft Excel, a partir de dados do software Bibliometrix. Ela mostra a evolução científica dos estudos sobre democracia digital e e-participação em sua interrelação com a temática políticas públicas. No geral, os estudos apresentam uma tendência de crescimento. A partir de 2016 há uma média de 100 publicações por ano. Há um destaque para os anos de 2018 e 2019, com o maior número de publicações, a saber: 122 e 121, respectivamente. É possível perceber uma certa estabilidade na produção dos artigos relacionados ao tema em pesquisa. Isso possivelmente indica que apesar de ser um tema em ascensão, em alguns momentos há uma perda de espaço, indicando a necessidade de um maior fortalecimento teórico da temática, exigindo a conformação de um campo.

O aumento no número de pesquisas em 2016 pode estar atrelado a alguns fatores contextuais. Eventos políticos significativos, como a eleição presidencial de Donald Trump nos Estados Unidos e o referendo do Brexit no Reino Unido, destacaram o papel crucial das mídias sociais e ferramentas digitais na mobilização e influência dos eleitores (Portaluppi, 2022). Além disso, os avanços tecnológicos e o crescimento das redes sociais facilitaram a participação política e a disseminação de informações. Iniciativas governamentais e internacionais promovendo a transparência e a participação cidadã online, bem como crises e protestos globais onde as ferramentas digitais foram fundamentais (Souza Filho, 2022) também podem ter impulsionado o interesse acadêmico nesse campo.

Figura 1. Produção científica anual

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

Uma outra análise relevante empreendida refere-se às publicações mais citadas, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2. Publicações mais citadas

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

A descrição detalhada das 6 publicações mais citadas é apresentada no Quadro 2. O artigo “ ‘Citizens’ engagement on local governments’ Facebook sites. An empirical analysis: The impact of different media and content types in Western Europe” de Bonsón et al. (2015) foi o mais citado (248) e abordou sobre o impacto da mídia no envolvimento dos cidadãos nas páginas do Facebook dos governos locais da Europa Ocidental. O estudo mostrou resultados interessantes para a literatura sobre e-participação cidadã e governo 2.0 (oportunidades online para que os cidadãos possam colaborar de alguma forma para influenciar as políticas públicas). Ele demonstrou, por exemplo, que os governos locais preferem conteúdos relacionados com marketing, enquanto os cidadãos demonstram maior interesse naqueles temas relacionados com a gestão municipal mais próximos do seu cotidiano.

Quadro 2. Publicações mais citadas

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Título

Autor (es)

Fonte

Ano

Citações

1

Citizens’ engagement on local governments’ Facebook sites. An empirical analysis: The impact of different media and content types in Western Europe

Bonsón; Royo; Ratkai

Government Information Quarterly

2015

248

2

Conceptualizing and measuring participation in the age of the internet: Is online political engagement really different to offline?

Gibson; Cantijoch

The Journal of Politics

2013

194

3

Accidental exposure to politics on social media as online participation equalizer in Germany, Italy, and the United Kingdom

Valeriani; Vaccari

New Media & Society

2016

171

4

The second wave of digital-era governance: a quasi-paradigm for government on the Web

Margetts; Dunleavy

Philosophical Transactions of the Royal Society A

2013

162

5

Large-Scale decision-making: Characterization, taxonomy, challenges and future directions from an Artificial Intelligence and applications perspective

Ding et al.

Information Fusion

2020

121

6

Transparency, participation, and accountability practices in open government: A comparative study

Harrison; Sayogo

Government Information Quarterly

2014

120

Fonte: Dados de pesquisa (2023)

O segundo artigo mais citado (194), intitulado “Conceptualizing and measuring participation in the age of the internet: Is online political engagement really different to offline?” de Gibson e Cantijoch (2013), examinou a relação entre participação online e off-line, em termos conceituais e empíricos, e de forma rigorosa. Por meio do teste de hipóteses, os autores constataram a existência de modos distintos de e-participação e sugeriram que o ambiente online pode estar desenvolvendo um novo tipo de comportamento político expressivo, com base nas mídias sociais.

O terceiro artigo mais citado (171), “Accidental exposure to politics on social media as online participation equalizer in Germany, Italy, and the United Kingdom”, de Valeriani e Vaccari (2016), por meio de uma perspectiva comparativa, avaliou se e como a exposição acidental às informações políticas, veiculadas nas mídias sociais, contribui para a participação política online dos cidadãos. Um dos resultados encontrados indicou que a exposição acidental a conteúdos políticos nas mídias sociais se correlaciona positivamente com o engajamento político online e o interesse pela política modera essa relação. Isso mostra que a correlação entre exposição acidental a informações políticas e a participação política online diminui conforme o interesse em política aumenta.

Os três últimos artigos com mais citações tratam, respectivamente, sobre a governança na era digital; tomada de decisões em larga escala; e governo aberto (transparência, participação e accountability). Tais temáticas demonstram a clara aplicação da web e de produtos digitais para a melhoria do nível de serviços prestados pelo governo, em sua interação com as opiniões e interferências da participação dos cidadãos comuns.

Esses resultados corroboram com o que Avelino, Pompeu e Fonseca (2021) afirmam. Segundo os autores, os estudos sobre democracia digital se intensificaram a partir de 2005 e as pesquisas se voltam para áreas como participação política online, deliberação digital, campanhas online e partidos, parlamentos digitais, mobilização política na internet, transparência digital, governo aberto e dados abertos, governos inteligentes, mídias sociais e populismo, entre outro. Especialmente sobre mídias digitais, Lycarião e Sampaio (2010) e Maia (2007) destacam sua capacidade potencial de promover a inclusão de discursos minoritários, facilitar a formação de contrapúblicos e contradiscursos, conectar diferentes vozes representativas para construir contradiscursos e, por fim, desafiar os limites discursivos da esfera pública dominante.

2 Fontes mais relevantes e produção científica por país

Uma análise bibliométrica também relevante refere-se à identificação daqueles principais periódicos que abarcam estudos sobre o tema. Dessa forma, a busca por atualizações fica mais facilitada, possibilitando um acompanhamento sobre o desenvolvimento científico de um campo, sobretudo, para aqueles pesquisadores iniciantes. Os dez periódicos de maior destaque são exibidos na Figura 3, com seus respectivos quantitativos de publicações.

O periódico com o maior número de publicações (47) é o Government Information Quartely, um journal internacional que contempla estudos sobre Gestão, Políticas e Práticas de Tecnologia da Informação. O periódico tem como escopo os debates que discorrem sobre a influência das políticas sobre os fluxos de informações do governo, o uso de tecnologias em serviços governamentais, as TICs e sua relação com as práticas democráticas (Science Direct, 2023).

Os dois próximos periódicos mais relevantes foram Journal of Information Technology & Politics (18) e Information Communication & Society (17). O primeiro abarca publicações com a interface entre TICs, política e governo; e o segundo, de forma mais abrangente, publica estudos sobre TICs e seus impactos social, econômico e cultural. O Proceedings of the 19th Annual Intenational Conference on Digital Government Research: Governance in the Data Age (17) trata-se de um evento sobre governo digital.

Figura 3. Fontes mais relevantes

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

A visualização do mapa, conforme a Figura 4, mostra a produção científica por país do conjunto de publicações em análise.

Figura 4. Produção científica por país

Cor

Número de publicações científicas

Exemplos de países

Azul escuro

Mais de 100

EUA, Espanha, Rússia, Brasil

Azul médio

50-100

Reino Unido, Alemanha, China, Itália

Azul claro

10-50

Portugal, Ucrânia, Austrália, Holanda

Cinza

Menos de 10

Fiji, Hungria, Turquia, Argentina

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

No mapa, quanto mais escuro o tom do azul maior é o número de artigos publicados no país indicado, sobre a temática de democracia digital, e-participação, em interação com a dinâmica de políticas públicas. Da mesma forma, quanto mais clara a tonalidade do azul no mapa, menor é o número de publicações que aquele país apresenta. Assim, os dez países que concentram a maior produção científica são, nessa ordem: EUA, Espanha, Rússia, Brasil, Reino Unido, Alemanha, China, Itália, Portugal e Ucrânia.

3 Autores mais relevantes e rede de cocitações

Visando a conformação de um campo científico e para que novos pesquisadores identifiquem referências para determinadas temáticas, é relevante o estudo dos autores mais profícuos da área. A Figura 5 mostra os 10 autores mais relevantes, ou seja, com maior número de publicações. Os três autores de maior destaque são: Lyudmila Vidiasova Bershadskaya (11), Adegboyega Ojo (10) e Lukasz Porwol (10). Bershadskaya é da ITMO University, na Rússia e trabalha no Centro de Tecnologias de Governo Eletrônico. Ojo é da Escola de Políticas Públicas e Administração, na Carleton University, no Canadá e Porwol é pesquisador do Insight Center for Data Analytics, na University of Galway, na Irlanda.

Figura 5. Autores mais relevantes

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

Considerando os 856 artigos analisados e o número de publicações exibidos na Figura 5, é possível perceber que o campo da e-democracia e e-participação apresenta uma diversidade considerável de autores.

Outra análise pertinente refere-se à rede de cocitações, ilustrada na Figura 6, realizada no software VOSviewer. Foram desenhadas redes por meio do mapeamento de agrupamento de dados. Na rede, cada “nó” (citação) conecta os links (linhas) de cocitações. A cocitação estuda as relações e a frequência com que pares de publicações são citadas em conjunto em uma terceira publicação (Spinak, 1996). Ao analisar uma rede de cocitação investiga-se a estrutura intelectual de um campo científico, evidenciando as proximidades teóricas e metodológicas entre eles (Grácio e Oliveira, 2012).

O agrupamento pelas cores identifica três redes formadas em termos de similaridade teórica entre os pesquisadores sobre a temática trabalhada. Já o tamanho dos círculos indica a representatividade dos autores em termos de citações – círculos maiores correspondem aos autores com maior número de citações.

Figura 6. Rede de cocitações

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

Ao observar a Figura 6 é possível perceber o destaque das redes de cocitações na cor vermelha e azul. A rede vermelha apresenta a centralidade (maior número de citações) do estudo de Saebo et al. (2008) com o artigo “The shape of eParticipation: Characterizing an emerging research area”. Esse estudo é precursor na área de e-participação e teve como resultado a elaboração de uma estrutura intelectual para entender o campo, ainda incipiente na época. Na rede de cor azul há o destaque para a publicação de Linders (2012), intitulada “From e-government to we-government: defining a typology for citizen coproduction in the age of social media”. Esse artigo, já com uma perspectiva mais voltada para a democracia, analisa a coprodução cidadã na era das mídias sociais, a interatividade na web 2.0 e a conectividade ubíqua (que está em toda a parte).

Portanto, a análise das redes de cocitações e dos autores mais citados não só revela a estrutura intelectual do campo, mas também destaca a importância crescente da democracia digital. Ao mapear as interconexões teóricas e metodológicas, fica evidente como a e-participação e a coprodução cidadã estão moldando novas formas de interação entre governo e sociedade. Essas redes de pesquisa ilustram a evolução do pensamento sobre como as tecnologias digitais podem amplificar a voz dos cidadãos, promover transparência e fortalecer a democracia. Assim, compreender esses padrões é essencial para avançar em soluções inovadoras que fomentem uma participação mais inclusiva e eficaz no processo democrático.

4 Análise de coocorrência e nuvem de palavras-chave

A coocorrência de palavras-chave corresponde ao uso de padrões de termos-chave para compreender a estrutura de ideias contidas nas publicações científicas (Whittaker, 1989). Ela proporciona a geração de uma rede de temas e suas relações, explanando o espaço conceitual de um dado campo, e auxiliando na compreensão de sua estrutura cognitiva (Börner et al., 2003).

A Figura 7, gerada pelo VOSviewer, elenca as palavras-chave com maior destaque. O tamanho dos círculos está relacionado ao número de ocorrência da palavra-chave, de modo que quanto maior, mais importante é o tópico. A proximidade entre duas palavras mostra o seu grau de relação e assim, quanto mais próximos, mais relacionados (Van Eck et al., 2010). Além disso, a figura mostra uma legenda referente as cores utilizadas, indicando que quanto mais próximas do amarelo mais recentes as palavras são, e quanto mais próximas da tonalidade roxa, mais antigas. As cinco mais representativas, nessa ordem, foram: e-participation, e-government, e-democracy, social media, internet.

Figura 7. Coocorrência de palavras-chave

Fonte: Dados da pesquisa (2023)

Considerando as palavras-chave mencionadas cabe aqui uma delineação mais detalhada sobre e-government e social media. O conceito de e-government, como tema correlato à combinação de democracia digital com atuação governamental, corresponde ao uso das TICs pelas organizações, entidades, autarquias e órgãos do governo (Ruediger, 2002). Ela se relaciona com a e-democracia porque está associada à expansão dos mecanismos de participação digital. Já o social media, como destaque, corrobora o estudo de Sampaio et al. (2022), que identificou as mídias sociais como o terceiro objeto mais visitado pela democracia digital. E também o estudo de Silva (2021), no qual as plataformas/sites governamentais e mídias sociais também foram considerados objetos mais recorrentes nos estudos empíricos sobre o tema. Tais mídias constituem espaços propícios para a efetivação da e-participação.

Por meio da nuvem de palavras-chave, gerada no Bibliometrix, e mostrada na Figura 8, é possível complementar a análise anterior. Nessa nuvem houve o destaque para as seguintes palavras: internet, social media, governance, e-participation, online, citizens. Como as palavras são geradas a partir da interpretação dos autores, nem sempre há uma clareza nos tópicos expressos nas publicações (Dias, 2004). E ainda, há palavras isoladas que nem sempre possibilitam uma compreensão do sentido completo da temática, como ocorre com as palavras adoption e trust.

Figura 8. Nuvem de palavras-chave

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Fonte: Dados da pesquisa (2023)

A nuvem de palavras-chave da Figura 8 ratifica algumas palavras já presentes na rede de coocorrências, apresentada anteriormente, e temáticas apontadas por García-Orosa, 2021 e Van Dijk, 2000. Além das palavras já mencionadas têm-se também a coprodução, inovação, deliberação e tomada de decisão.

A e-democracia pode ser igualmente considerada uma forma de inovação no setor público e de coprodução de serviços públicos. Inovação por constituir uma novidade institucional que modifica o curso “natural” do funcionamento do Estado. Coprodução, porque constitui “uma estratégia para a produção dos serviços públicos por meio do compartilhamento de responsabilidades e poder entre agentes públicos, agentes privados e cidadãos” (Salm e Menegasso, 2010:1). Quanto à deliberação e tomada de decisão, essas constituem dimensões fundamentais da democracia. Almada et al. (2019) ressaltam a realização da democracia digital sob as formas de fóruns; consultas públicas; elaboração de textos de projetos de lei, decretos e outros documentos, por meio da tecnologia; e ambientes online para a formação de redes sociais voltadas à deliberação pública.

A análise de coocorrência e a nuvem de palavras parecem elucidar os fatores contextuais que possivelmente impulsionaram o aumento de pesquisas em 2016. A análise de coocorrência destaca a interconexão frequente entre termos como e-participation, e-government, social media, internet, e e-democracy, refletindo a convergência entre tecnologia digital e participação política. Esta interconexão corrobora a afirmação de que eventos políticos significativos, como a eleição de Donald Trump e o referendo do Brexit, catalisaram o papel das mídias sociais e ferramentas digitais na mobilização eleitoral.

Adicionalmente, a nuvem de palavras enfatiza a frequência elevada de termos como social media e internet, confirmando que esses elementos foram centrais no debate acadêmico e na prática de participação cidadã digital. A dimensão temporal observada na análise de coocorrência, com um foco crescente nesses temas pós-2017, está alinhada com o argumento de que avanços tecnológicos e iniciativas governamentais promoveram a participação cidadã online, estimulando um interesse acadêmico renovado e ampliado neste campo de estudo.

Sampaio et al. (2022) ao investigarem a produção científica sobre democracia digital, no contexto brasileiro, também encontram um destaque para as mídias sociais como um dos temas mais abordados. Goldschmidt e Reis (2019) também apontam para a centralidade das mídias. Eles ressaltam que com a chegada da tecnologia, a internet e as redes sociais, as pessoas agora têm mais ferramentas para se envolver na política do país. Isso permite que elas expressem suas opiniões, se informem e participem de debates de forma mais fácil e direta.

O governo eletrônico, ou e-governo, como já ressaltados anteriormente apresentou-se como um outro tópico relevante. Esse conceito evidencia o uso de ferramentas digitais, como sites e aplicativos, para facilitar e melhorar o acesso a informações e serviços públicos para a população (Brown e Brudney, 2001). O governo eletrônico é reconhecido globalmente por seus benefícios, que incluem: mais transparência nas ações do governo, maior eficiência, redução de custos, serviços públicos de melhor qualidade, maior responsabilização dos governantes e combate à corrupção (Al-Hujran et al., 2015).

Conclusão

O objetivo deste artigo foi analisar os estudos que abordam a democracia digital e e-participação e sua interface com a temática de políticas públicas, no cenário internacional, no período 2013-2022. Por meio de uma revisão bibliométrica, foram realizadas análises sobre a evolução da produção científica (e por país), trabalhos mais citados, fontes e autores mais relevantes, rede de cocitações, análise de coocorrência e nuvem de palavras-chave. Isso permitiu corroborar estudos já desenvolvidos sobre a temática, que constataram sua multidisciplinaridade e sua fragilidade teórica, ainda carente por delimitação e conformação.

A partir das análises empreendidas constatou-se como a democracia digital e a e-participação constituem uma possibilidade contemporânea e potente para estreitar a relação entre cidadãos comuns e Estado. Trata-se de uma inovação institucional que muda o comportamento comumente passivo dos indivíduos acerca da política. As mídias sociais se mostraram um veículo amplamente difundido para a ampliação da participação cidadã, por meio de contribuições mais especializadas, baseadas em debates argumentativos. Por meio da opinião embasada e do controle social, os níveis de serviço do governo passam a melhorar e também abarcar novas interações com o público.

A pesquisa sobre democracia digital e e-participação está em ascensão, impulsionada pelo crescente uso de ferramentas digitais na política e pela necessidade de repensar a participação cidadã na era digital. A análise bibliométrica empreendida demonstra um aumento significativo na produção de artigos sobre o tema, especialmente após 2016, com foco em como plataformas como mídias sociais e e-government impactam a participação política e a gestão pública. No entanto, o campo ainda carece de uma estruturação teórica mais robusta, necessitando de pesquisas que aprofundem a análise das implicações da tecnologia na democracia, incluindo os desafios relacionados à qualidade da informação, inclusão digital e representatividade.

A análise de coocorrência de palavras-chave revela a importância crescente do estudo de como as tecnologias moldam a participação política e a gestão pública. As pesquisas futuras devem se concentrar em investigar as diferentes formas de e-participação, seus impactos nas instituições políticas e na tomada de decisão, além de analisar os desafios para garantir uma e-democracia justa e inclusiva. O desenvolvimento de frameworks e tipologias para a análise do campo é fundamental para a sua consolidação e para a criação de políticas públicas eficazes que promovam a participação cidadã digital.

A temática de políticas públicas é considerada uma área multidisciplinar. Nesse sentido, ao buscar compreender a sua relação com a democracia digital, constata-se ainda um debate a ser construído com maior robustez. No entanto, essa relação já apresenta possibilidades exponenciais, tendo como reflexo, seu potencial de transformar a governança e a participação cidadã. Exemplos como plataformas de participação eletrônica e orçamentos participativos online, ferramentas digitais e transparência governamental, inclusão digital, votação eletrônica, ativismo digital e Inteligência Artificial, se apresentam como áreas que refletem a ampla gama de aplicações e implicações da democracia digital nas políticas públicas. Crucial apontar que se trata de um caminho a ser percorrido. O debate necessita de mais evidências teóricas e empíricas, se configurando assim uma sugestão para estudos futuros.

É importante destacar ainda algumas limitações do estudo, que podem ser indicativos para desdobramentos em pesquisas futuras. Uma delas refere-se ao uso exclusivo da base de dados Web of Science, restringindo um possível acesso a uma quantidade mais abrangente de estudos, localizados em outras bases de dados, como a Scopus. Além disso, um período diferente do que foi analisado pode alcançar outros resultados, como base para comparação com este artigo e outras publicações revisionais que tratam sobre a e-participação e a democracia digital. E ainda, outros descritores de busca podem ser adicionados, já que a temática apresenta uma multiplicidade de conceitos relacionados e que ainda não se encontram consolidados em um campo específico.

Dessa forma, para pesquisas futuras este trabalho pode ser reaplicado, de maneira mais abrangente, a partir de outras perspectivas. Isso possibilitará a identificação de novas relações e tendências. Um recorte e análise pertinentes refere-se à identificação das contribuições específicas de cada disciplina para a democracia digital, a saber – sociologia, ciência política, administração, comunicação, direito, ciência da informação. Isso permitirá a elaboração e ensaios teóricos consistentes que auxiliem na conformação do campo.

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Outra fonte

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