Volumen 32 Nº 4 (octubre/diciembre) 2023, pp.161-182

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10107625

A hermenêutica matemática como perspectiva analítica sociológica: esboços de uma teoria plausível da ação social

Alan Araújo Freitas

Resumo

O artigo apresenta uma inovação teórico-metodológica ao propor o esboço da Teoria da Ação Plausível, que resulta de uma síntese improvável entre a hermenêutica cultural e a probabilidade matemática. A síntese é possível por dois motivos: ambas as correntes aceitam o princípio da incerteza de Heisenberg (1949) e entendem que existem múltiplas causas (explicações) para uma resposta (explicada), assim como ignoraram um modelo analítico de associação com mais de um termo. . A inovação deste artigo é a proposição de um modelo de múltiplas causas e efeitos. Chamaremos essa relação de hipótese da dualidade de causa e consequência. Através da técnica estatística de Path Analysis, podemos construir modelos, embora limitados do ponto de vista dos testes estatísticos, que não refutam a hipótese de duplicidade, ou seja, de múltiplas causas e múltiplas consequências relacionadas às origens e aos destinos sociais dos indivíduos. Através de uma análise de mobilidade social e recorrendo à Análise de Componentes Principais e a múltiplos fatores independentes, intervenientes e dependentes, observou-se que não existe uma resposta única em termos de resultados sociais. Foi utilizado um estudo amostral probabilístico com informações da Pesquisa Dimensão Social das Desigualdades. Concluímos que há uma limitação na hermenêutica cultural e na probabilidade estatística, na medida em que estas abordagens não compreendem respostas múltiplas dadas determinadas causas, como se as respostas fossem únicas ou como se não mudassem ao longo do tempo e do espaço.

Palavras-chave: Teoria; hermenêutica; matemática; ação social; epistemologia; metodologia.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Brasil 

E-mail: alan.freitas@ufrj.br

ORCID: 0000-0001-7489-2126

Recibido: 12/06/2023 Aceptado: 05/07/2023

Mathematical Hermeneutics as a Sociological Analytical Perspective: Outlines of a Theory of Plausible Social Action

Abstract

The article presents a theoretical-methodological innovation by proposing the outline of the Plausible Action Theory, which arises from an unlikely synthesis between cultural hermeneutics and mathematical probability. This synthesis is possible for two reasons: both theoretical-methodological currents accept Heisenberg’s uncertainty principle (1949), and both understand that there are multiple causes (explanations) for a given response (explained). They have also overlooked an analytical model of association with more than one response term. Therefore, the innovation of this article lies in the proposition of a model with multiple causes and effects. We will refer to this relationship as the hypothesis of the duality of cause and consequence. Through the statistical technique of Path Analysis, we can construct models, albeit limited from a statistical testing perspective, that do not refute the hypothesis of duplicity, i.e., of multiple causes and multiple consequences related to the social origins and destinies of individuals. Through an analysis of social mobility and using Principal Component Analysis (PCA) and multiple independent, intervening, and dependent factors, it was observed that there is not a single answer in terms of social outcomes. We used a probabilistic sample study with information from the Social Dimensions of Inequality Survey, from the year 2008, related to Brazil. We conclude that there is a limitation in cultural hermeneutics and statistical probability in the sense that these approaches do not understand the multiple responses given certain causes, as if the responses were unique or as if they did not change over time and space

Keywords: Theory; hermeneutics; mathematics; social action; epistemology; methodology

Introdução

O objetivo aqui é pensar em alternativas para os modelos tradicionais de relação entre causa e consequência. Demonstramos, por meio de um estudo sociológico sobre estratificação social, o caráter de duplicidade que existe na relação de causalidade e consequência. O foco excessivo nas causas ofuscou a busca por múltiplas respostas para essas múltiplas causas. Resgatamos o pensamento do matemático Brown (2001) acerca dos princípios da hermenêutica-matemática, um paradigma novo e abandonado devido à busca errônea pela simplicidade, como se a vida não fosse, por si só, complexa. A hermenêutica-matemática é a área que compreende as causas e consequências da ação social em termos múltiplos. Isso significa que a busca por uma resposta única é limitada, tendo se em vista que existem múltiplas causas e múltiplos efeitos, isso é o que compreendemos por hipótese da duplicidade.

Nesta hipótese, tanto os termos variáveis independentes (causas) quanto os fatores variáveis (consequências) são múltiplos, e não apenas os termos explicativos, como ocorre na lógica da análise de inferência estatística clássica. Salientamos, com base no princípio da incerteza e em um exemplo empírico, e com base em métodos de Path Analysis, utilizando uma amostra de 8.000 casos, que as variáveis nunca expressarão os complexos conceitos desenvolvidos pelos cientistas sociais. A renda, a educação ou a ocupação profissional, isoladamente, não definem o conceito de classe, estamento, tampouco definem a situação do indivíduo. São, antes de tudo, um retrato simplificado de uma realidade complexa e multifacetada, que se modifica e permanece constante diante dos nossos olhos, muitas vezes sem percebermos.

O objetivo deste artigo é defender que o programa da hermenêutica sociológica não se opõe à matemática; pelo contrário, hermenêutica e matemática se encontram quando uma parte específica da matemática é acessada: a probabilidade. Hermenêutica e Probabilidade, duas áreas frequentemente consideradas antagônicas, podem ser vistas como áreas diametralmente opostas? As próximas seções do artigo têm como objetivo mostrar que essa crença é infundada, demonstrando que a interpretação, tal como na Teoria dos Jogos, é baseada simultaneamente em controles matemáticos para múltiplos resultados plausíveis, nunca em certezas. Em nosso caso específico, a partir de um modelo de análise de caminhos (Path Analysis), por meio de repressões lineares múltiplas avaliamos diferentes relações em um estudo de mobilidade social.

Existem múltiplos fatores de origem social relacionados às desigualdades de oportunidades e resultados, assim como existem fatores intervenientes e, principalmente, múltiplos aspectos relacionados aos resultados. Investiga-se neste artigo a interação entre diferentes fatores relacionados com a classe social, fatores como ocupação profissional, propriedade privada, padrão de consumo, educação escolar e renda familiar. Estamos interessados na interseção entre estes fatores, sob a ótica do que chamamos de hermenêutica-matemática.

É possível unir hermenêutica e matemática?

É possível pensar na junção aparentemente improvável entre hermenêutica e matemática de diferentes maneiras. Especificamente, na probabilidade, é possível assumir essa relação em análises de riscos e decisões, estudos de saúde e epidemiologia, questões estritamente éticas, fenomenologia, análises discursivas, interpretações de textos e dados científicos, linguística, teorias críticas e até mesmo em mitologias. A Teoria do Big Bang é excessivamente abstrata, um construto provável, e apresenta ainda mais elementos de incerteza devido à maneira como foi desenvolvida, a ponto de o próprio construto estar em crise devido à descoberta de galáxias supostamente mais antigas, que colocam em xeque o teorema. Toda ciência é demarcada por um senso de incerteza, isso não é novidade. O que temos a apresentar de forma distinta é um modelo teórico que possui variáveis correspondentes a relações de causas e efeitos, nas quais tanto as causas quanto os efeitos são múltiplos, e não apenas as causas, como ocorre na hermenêutica de Max Weber e na de Clifford Geertz, assim como na estatística inferencial. Em ambas, existem múltiplas causas para um único efeito ou resposta, como nas provas escolares e em alguns concursos públicos, mas a resposta para os fatos e fenômenos humanos não é simples, platônica, binária, certa ou errada. Na vida, é possível ter uma educação elevada e não ter um emprego estável, como foi o curioso caso de Albert Einstein, que mesmo depois de escrever e publicar a Teoria da Relatividade Especial em 1905, ou mesmo após o seu “ano miraculoso”, como esse ano ficou conhecido para o cientista, ele ainda não tinha uma posição em nenhuma universidade. Um caso à parte, por motivos óbvios.

Em nosso exemplo, buscamos pensar no campo da sociologia, e especificamente na subárea da estratificação social, uma alternativa para os modelos de respostas simples. Vemos que a ocupação profissional é frequentemente entendida como um sinônimo ou proxy para classe social, assim como a educação escolar e a renda também são comumente vistas como indicadores de classes sociais. Embora haja uma correlação crescente entre educação e renda, assim como entre ocupação e educação escolar, e uma forte correlação entre consumo e educação escolar, no sentido de que o aumento na educação está relacionado ao aumento no consumo de bens duráveis, essas correlações ocorrem de maneiras muito distantes das relações deterministas, nas quais a educação ou a ocupação, por exemplo, implicam diretamente na renda. Como sabemos, é possível que um engenheiro tenha um salário diferente da média para o seu cargo, não existe homogeneidade dentro das ocupações. O que significa que as pessoas em determinadas classes ocupacionais podem pensar e ter padrões de vida diferentes entre si. Na prática, é possível que uma pessoa possua uma educação elevada, como trabalhar em uma ocupação de prestígio, como o Direito, por exemplo, e ainda não seja proprietária do imóvel onde seu negócio está localizado, caso seja sócia do empreendimento. Pessoas que não precisam pagar aluguel para suas atividades comerciais têm uma vantagem sobre aquelas que precisam pagar. Portanto, são as maneiras como as variáveis associadas interagem entre si e com outros fatores que podem nos fornecer pistas sobre o que representa a classe social. É a interação entre educação, ocupação, renda, consumo e propriedade na origem e no destino social que importa, e não esses termos variáveis quando considerados isoladamente. A ocupação não é um sinônimo de classe social, assim como renda, consumo e educação também não o são. O que é importante ressaltar é que o conceito existe na interseção entre esses fatores, mas não dentro deles como algo reificado. Existir na interseção é coexistir, é existir ao mesmo tempo, simultaneamente, independente das limitações que os modelos teóricos nos impõem nas análises. Não custa ressaltar que os pesquisadores devem se adequar à realidade e não o contrário.

Como demonstraremos neste artigo, ao correlacionarmos esses fatores variáveis com a propriedade privada, seja de imóveis e/ou empresas, observamos essa correlação diminuir. Isso ocorre porque, como defendido por Karl Marx em “O Capital”, a propriedade de fato diferencia os indivíduos em duas classes binárias e antagônicas. Em 2008, apenas seis por cento da população possuía mais de um imóvel e/ou empresa. Isso representa que, embora exista uma classe média associada ao aumento do nível escolar e ocupacional dos indivíduos, o que contribuiu para um aumento geral nos salários ao longo das últimas décadas do século XX, isso não causou qualquer modificação na divisão fundiária existente no país.

Salientamos, assim, que médicos, advogados e engenheiros, em qualquer nação e em todos os níveis ocupacionais, podem passar toda a vida como colarinhos brancos, possuidores de um padrão de consumo de bens análogo às classes médias, com elevada educação escolar e renda acima da média populacional, mas continuarem, mesmo assim, na posição social de proletários por não possuírem propriedades. Revivemos, assim, a tese marxiana da divisão de classes proprietárias e não proprietárias, embora no sentido de mostrarmos como as relações entre diferentes fatores associados à classe social são flexíveis e não determinadas.

As propriedades da matemática, especialmente da probabilidade, permitem-nos pensar não em eventos certos e bem-definidos, mas em eventos plausíveis e prováveis. O elemento da incerteza está presente na ciência mais rigorosa, como na Filosofia da Ciência de Karl Popper. Diferentemente da religião, a ciência se modifica com o passar do tempo e com novas correlações assumidas e aceitas. Mesmo eventos historicamente conhecidos ocorrem em uma escala de probabilidade e nunca de certeza. Portanto, é a matemática, ou melhor, uma de suas áreas, a probabilidade, que aborda o elemento introduzido por Max Weber ao propor uma sociologia da ação social baseada na razão da chance de ocorrência. Weber, de maneira distinta de Durkheim, reconheceu o caráter multifatorial da interpretação da ação social, que engloba não apenas fatores tradicionais, como defendido pela tradição francesa de sociologia, mas também fatores tradicionais, afetivos e, principalmente, racionais.

É possível relacionarmos hermenêutica cultural com probabilidade matemática a partir do princípio da incerteza, como defendido por Heisenberg (1949).

Hermenêutica cultural e probabilidade estatística: aproximações e distâncias

É necessário relembrar que Weber reconheceu e descreveu pormenorizadamente a lógica racional da ação social, que pode ser motivada por fins instrumentais e econômicos, bem como por fins valorativos. Embora Weber não tenha sido o único autor a trabalhar com o conceito de Hermenêutica, podemos considerar que as afirmações presentes neste artigo estão fundamentadas nas análises de Max Weber e não de outros autores hermeneutas. As noções de compreensão significativa e compreensão causal de Max Weber são centrais para pensarmos como a hermenêutica e a matemática podem ser vistas como correlatas e não distintas. A compreensão causal ou explicativa busca as causas objetivas do comportamento social, enquanto a compreensão significativa (interpretativa) busca a interpretação êmica ou subjetiva dos próprios atores sociais acerca de suas ações. A busca pela compreensão das intenções e interpretações subjetivas dos atores sociais, bem como das motivações sociais e dos contextos sociais e culturais nos quais as ações ocorrem, é fundamental para a sociologia interpretativa de Max Weber. A interpretação dos atores sociais também pode ser encontrada nos padrões sociais, frequentemente chamados de contexto cultural pelos antropólogos.

Quando falamos em interpretação, estamos, sobretudo, nos referindo à interpretação social mediada por padrões sociais. Por exemplo, se a educação escolar está relacionada com o destino social dos indivíduos, o significado social disso é a importância que este fator assume em uma determinada sociedade. Em outras palavras, a educação cumpre um papel fundamental nas sociedades que a valorizam, ou naquelas que, de fato, buscam o desenvolvimento humano e cultural de seus povos. Isso significa que, antes de ser considerada como uma variável estatística e quantitativa, a educação escolar existe enquanto um valor social em alguns contextos culturais. Enquanto as interpretações das ações ocorrem em termos das motivações tradicionais, afetivas e racionais que as movem, as suas causas estão associadas a questões de poder e dominação social.

A interpretação não escapa da estratificação social; o que modifica é apenas o fato de a dominação não ser estritamente econômica, mas também possuir características estamentais. O objetivo central é pensar como esses padrões sociais levam os indivíduos a pensarem e sentirem as coisas de determinados modos. É neste aspecto que a probabilidade matemática é útil, não no sentido de entender a motivação subjetiva, mas os valores sociais relacionados com a ação social que possibilitam certos tipos de interpretação. No sentido de que a interpretação não é livre do seu sentido público e social. A matemática e os softwares tecnológicos permitem um entendimento aprofundado de como as ações individuais formam padrões sociais complexos. A probabilidade permite compreender que esses padrões existem em termos plausíveis e de incerteza, como ocorre em outras ciências maduras, como na Farmacologia, Medicina e Meteorologia.

A probabilidade nos permite pensar como a interpretação do pesquisador e do pesquisado se unem, em termos plausíveis e prováveis, nunca como condições determinadas. E nem como resultados únicos, os termos dependentes (condições explicadas) são também múltiplos, assim como os termos independentes (explicativos). Como nos diz a hermenêutica cultural eurocêntrica, o contexto cultural influencia, mas não determina a ação social; por isso, essa é pensada em termos plausíveis.

O padrão estatístico de determinado tipo comportamental, como o comportamento racional e valorativo assumido pelos indivíduos quando buscam capital humano para conseguirem melhores posições sociais, é o que a probabilidade matemática pode nos oferecer aqui neste artigo. A educação escolar, como um meio de mobilidade social ascendente, tende a ser interpretada pelos indivíduos como benéfica e importante para o desenvolvimento social. Todavia, isso irá variar de acordo com o histórico social das famílias e com o contexto cultural (paralelismo entre funcionalismo e culturalismo), tendo em vista que a educação, apesar de ser um valor social, é dispendiosa, sobretudo para as famílias carentes de recursos.

O que é mais interessante na hermenêutica-matemática é manter o princípio fundamental orientador da ciência, o princípio da incerteza. Em contextos nos quais a cultura do pesquisador diverge muito da cultura pesquisada, a probabilidade é um meio de se medir a chance de uma determinada interpretação ser verdadeira ou falaciosa, considerando limitações que possam surgir no decurso da pesquisa, sejam de informações ou linguísticas.

Basta lembrar o exemplo de Clifford Geertz acerca de uma tentativa frustrada no Marrocos de negociação capitalista, quando Cohen, um judeu, se coloca em risco patrimonial e de vida ao se ver em uma situação de grande diferença cultural. A história de Cohen mostra que a necessidade do conhecimento linguístico é fundamental para uma interpretação não equivocada. A prisão de Cohen pelos franceses sob a acusação de espionagem foi resultado de um erro interpretativo, de um erro de significado. Afinal, a história que Cohen havia contado, afirmando ter conseguido negociar com os Berberes, foi entendida pelos franceses como algo impossível de ocorrer, e por isso ele foi preso.

Ou seja, não foram apenas as limitações linguísticas que possibilitaram sua acusação por um equívoco interpretativo, mas sobretudo a certeza indevida de algo a partir do qual não se tinha certeza realmente. O etnocentrismo daqueles militares franceses possibilitou a interpretação equivocada da situação do então suposto negócio entre Cohen e os Berberes. A certeza do que era, na realidade, ponto de vista, tal como ocorrido na situação aludida, levou ao erro interpretativo.

A crença platônica de que a experiência exime o cálculo infinitesimal é do século XVII, baseada em dois planos simples, X e Y. Não que a lógica computacional popular atual não seja binária, mas vale lembrar aos platônicos que creem no olho da experiência ou em qualquer forma não instrumental ou além dos sentidos e razão que a computação quântica, apesar de ainda pouco conhecida e manipulada, mostra os diversos e múltiplos caminhos e universos paralelos aos nossos.

Trata-se então de adotar uma visão não dogmática da ciência, na qual a experiência suplanta a inovação, ou que essa última suplante a primeira. Não é isso que ocorre na visão da hermenêutica-matemática ou hermeneutica-probabilística, o que entendemos ser um pleonasmo, já que os conceitos conotam o princípio da incerteza de Heisenberg. A ciência é constituída sob o pressuposto da incerteza dentro da margem de erro, e não da certeza dogmática, aquela dos militares franceses que interpretaram erroneamente que Cohen era um espião berbere. A certeza só pode ser alcançada de duas maneiras: pela ignorância (trevas), pelo conhecimento dogmático, ou pela soberba, na crença exagerada de que se possui características mágicas analíticas ou carismáticas, ou quaisquer que sejam. A certeza não existe, pelo menos no campo científico, não em nossa compreensão. A noção de certeza é falsamente atribuída aos positivistas.

Mas apenas os antigos positivistas como Auguste Comte e Émile Durkheim orientavam suas análises como newtonianos convictos, no sentido de uma teoria científica neutra e capaz de atenuar as incertezas da vida. A ciência diminui a incerteza, mas não a anula. A probabilidade, mais uma vez, é um modo de atenuar os erros aos quais uma interpretação treinada pode nos levar. A limitação racional humana já foi tema de Prêmio Nobel. É ingênuo pensar que a experiência sozinha leva ao menor erro. O trabalho por instrumentos mecânicos e automáticos (computacionais) faz qualquer tipo de cálculo melhor do que qualquer humano.

Todos sabemos que a certeza é o maior dos erros, pois conduz às falsas antinomias e aos dilemas não apropriados, separando coisas que deveriam se unir, como a hermenêutica e a probabilidade. Em termos de uma teoria sintética, a hermenêutica é entendida como a teoria da interpretação social, além do campo linguístico, permeando a linguística estrutural, a antropologia cultural e a probabilidade matemática. É a ciência que visa o sentido dos textos e das palavras, de acordo com o dicionário Oxford Language. É necessário entender o caráter dual da hermenêutica, que visa interpretar o sentido êmico e o sentido ético. Busca tanto a interpretação do sentido da ação social do ator, atribuída por este mesmo, quanto a capacidade do pesquisador em compreender empaticamente a realidade do realizando ou do indivíduo que vive a ação e explicar de maneira causal e convincente, tal como na Hermenêutica Jurídica, o fato ocorrido. Em seu sentido original, representou a busca dos apóstolos de Cristo por interpretações da palavra de Deus.

Na visão de Dilthey, existe uma dicotomia entre ciências da natureza e ciências humanas, divisão essa que Geertz e Roberto da Matta também fazem, mas que, por outro lado, foi superada por Paul Ricoeur, que entendeu que a interpretação como um sistema aberto, no sentido de superar essa dicotomia. Não existe reflexividade sem a meditação a respeito dos signos, tal como não há explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo (Ricoeur, 1965). Com essa visão, Ricoeur (1965) se decide por uma visão sintética, na qual não se separam as ciências, como na tradição francesa de Émile Durkheim.

A proposta de uma hermenêutica-matemática

Do Grego Hermes, se um dos sentidos da hermenêutica é traduzir, mostrar ou anunciar a forma como algo ou alguma coisa ocorreu, compreender o funcionamento de computadores e as recentes tecnologias generativas é uma evidência difícil de não ser considerada. Os computadores funcionam com linguagens matemáticas que operam desde cálculos até imagens, praticamente tudo que os nossos sentidos faziam sem instrumentos séculos atrás. Quando falamos em analisar por instrumentos, estamos falando em bússolas, controles de pressão, velocidade e outros. Analisar por instrumentos não significa calcular apenas cerebralmente, mas de maneira cerebral e computacional. Não é acreditar que o treinamento dos instintos elimina a necessidade de avaliações instrumentais. A semiologia é tão significativa quanto a patologia, são sintéticas, pois amplas possuem um significado maior, que pode salvar ou extinguir vidas.

Colocar objetivos teórico-metodológicos como antagônicos é não compreender que o objetivo da ciência não acaba no simples fato de conhecer, acima de tudo, como se questões éticas e morais estivessem separadas do pesquisador e do pesquisado. O conhecimento, sendo por natureza limitado e sempre escasso, torna a parcimônia um comportamento adequado para qualquer análise, seja esta nas Ciências Naturais ou Humanas. A parcimônia significa atualmente que uma descrição densa talvez não seja mais capaz de dar conta das múltiplas realidades e fenômenos que se entrecruzam sem ser captados ou entendidos pelos pesquisadores. A probabilidade é um meio de entender a limitação que toda teoria oferece, pois a interpretação percentual, por exemplo, permite uma interpretação parcial. A verdade na probabilidade é entendida de maneira não absoluta, não há cem por cento de certeza em nenhuma ciência. O caminho assumido na Hermenêutica-matemática é indutivo e vai dos indivíduos para as sociedades. Os padrões interpretativos ou a visão do pesquisador são possíveis nessa teoria pela estatística

Uma diferença básica da hermenêutica matemática ou probabilística para a hermenêutica tradicional é que esta última comumente assume que existe um único significado correto para algum texto. Enquanto na Hermenêutica-matemática, a verdade é sempre aberta. Não é que não exista uma única resposta correta para um texto, é que esse mesmo texto pode ter representações distintas em culturas com histórias díspares, sem falar nas gradações destes fenômenos.

A resposta única para uma questão é adequada na Hermenêutica Jurídica, afinal, o Direito não necessita de generalizar seus resultados, mas resolver, na maioria das vezes, casos isolados. A maioria dos crimes não são crimes contra as sociedades, como nas sociedades medievais ou de orientação mecânica, ou com pouca variação em termos de crenças, valores e atitudes. Os crimes nas sociedades modernas são, como bem defendido por Durkheim, na maioria das vezes, problemas parciais e não absolutos de uma sociedade. São problemas, na maioria das vezes, de ordem particular, relacionados ao indivíduo, por isso a mudança na forma de punição, que deixa de ser obtida a partir da interpretação literal do Código de Hamurabi, tornando as penas, em algumas sociedades, mais humanizadas.

No entanto, a busca por uma resposta única para os fatores explicativos causais de algum fenômeno, como bem lembrado por Weber, é problemática. No caso, é necessário diferenciar causa de consequência, que ocorrem em tempos distintos. A não separação entre causa e efeito pode nos conduzir a uma confusão entre a interpretação do agente da ação e a explicação causal de sua ação. Se um antropólogo questionasse algumas comunidades no século XIX acerca de suas crenças referentes às causas das doenças, as respostas normais seriam mau olhado, influência de espíritos ou outras explicações. Não se trata de a explicação científica estar mais correta do que a interpretação da doença de um grupo tradicional, apenas fica evidente como a explicação interpretativa assume vários significados no momento de o pesquisador compreender o sujeito da ação ou envolvido na ação social.

A resposta que o agente da ação atribui à sua ação, como defendido por Bronislaw Malinowski, é sempre passível de dúvida, devido à capacidade manipulativa dos indivíduos. A questão, segundo este antropólogo social, era: como saber se os atores sociais falam a verdade? Apenas pelo método da observação, segundo este autor. Então chegamos a um dilema fundamental hermenêutico: como atribuir verdade às interpretações baseadas em estruturas simbólicas distintas? Existe uma verdade universal em termos sociais, como existe nos casos isolados, nos casos dos indivíduos? É possível generalizar indutivamente dos casos isolados para uma lei geral? Esta é certamente uma questão que aproxima a hermenêutica tradicional e a probabilística. No entanto, existe uma contradição na Hermenêutica tradicional, afinal, se as causas dos fenômenos e das ações sociais são múltiplas, por que os resultados seriam únicos? Ou melhor, como é possível, ao nível social e cultural e no intercultural, existir apenas uma resposta ou efeito correto para as questões ou perguntas, se a própria visão de ciência modifica com o passar dos tempos?

Figura 1. Modelo de caminhos com múltiplas independentes, intercorrentes e dependentes

Por uma teoria da ação plausível

A resposta é que, salvo na linguagem de programação, algo que agora está afetado pelos avanços na computação quântica e, principiantemente, nas inteligências generativas. Defendemos que existe uma resposta apenas para os fenômenos que são controlados por humanos, tal como no caso do controle que temos sobre os dispositivos móveis, desenvolvidos por humanos, mas este nível de certeza, matemático, apenas existe nas coisas feitas pelos humanos, não existe em fenômenos naturais, por exemplo. A natureza estar sob controle não significa que ela é estável ao longo dos tempos. Esta é uma contradição que os hermeneutas clássicos procuram se afastar, e talvez por isso alguns adotem uma visão individualista de uma ciência social. Seguimos firmes com a teoria weberiana até nos depararmos com essa, em nossa visão, limitação de um sistema teórico magnífico. A hermenêutica de uma resposta apenas, da resposta correta, a do teste de QI, do teste escolar ou da carteira de habilitação existem todas não em termos naturais, mas por via das condições normativas que possibilitam as respostas dentro de um determinado sistema valorativo.

Aliás, a semelhança entre um sistema jurídico e um computacional é o fato de ambos operarem por normas, por leis desenvolvidas exclusivamente para a manutenção daquele sistema específico. A verdade, como bem descrita por Nietzsche, é uma questão de interpretação, se, como tal, pensar que existe uma resposta só para uma ou múltiplas causas é repetir o erro iluminista de acreditar que existe uma diferença significativa entre ciência e outras crenças tradicionais, de povos originários, por exemplo. Por isso, é contraditório, pois imputar uma única resposta ou resultado nos leva a pensar que esse tipo de pensamento não está liberto das amarras inconscientes e inevitáveis que a fé cega no euro-americanismo gera nos indivíduos, sobretudo nos autores estadunidenses.

Não assumimos essa perspectiva em aceno a uma visão dentro do campo da antropologia cultural. Pelo contrário, propomos um programa teórico que advoga por certo niilismo dentro do próprio controle matemático. O que se afirma aqui é que se nem sob controles mais rígidos que conhecemos, como o controle matemático, podemos controlar os inúmeros fatores associados às causas e consequências apenas com os nossos sentidos, como podemos ter certeza? O binarismo cartesiano talvez tenha contribuído para a fase tecnológica atual em que vivemos, das inteligências generativas. No entanto, isso não nos permite um controle absoluto e incondicional da vida. Pois as questões mais simples continuam sem respostas satisfatórias. Para onde vamos além do buraco que nos restará? Ou do pó ao qual retornaremos? A vida se prolongou, mas a ansiedade também. Será que essa ansiedade não é derivada do princípio básico da incerteza? No entanto, isso é outra questão. A questão aqui é que o conhecimento, como sabemos, não pode nos conduzir a qualquer certeza, tampouco as nossas interpretações. Não raramente somos surpreendidos pelo destino devido a mudanças na legislação, que alteram a nossa compreensão do mundo. Em conclusão, a hermenêutica é matemática porque a interpretação de uma resposta única é normativa, não orgânica ou natural, como afirmaram Peter Berger e Pierre Bourdieu. É uma construção social, e como tal, é normativa.

Brown (2001) é um matemático que defendeu uma perspectiva interpretativa para a matemática, sobretudo no campo educacional. O que se modifica explicitamente em nosso caso é o fato de pensarmos a hermenêutica-matemática com o intuito de associá-la, diretamente, à hermenêutica weberiana com a probabilidade estatística. Deste modo, podemos acessar a partir da tecnologia computacional disponível múltiplas perspectivas, como pensava Max Weber ao se ocupar em compreender o sentido da ação social. Os softwares computacionais permitem avaliar as múltiplas explicações que os fenômenos sociais possuem, ou seja, permitem avaliar de maneira quantitativa as implicações que as teorias e conceitos sociológicos assumem. Técnicas como a Análise de conteúdo e Mineração de textos permitem a escrutinação de grandes conjuntos de dados. A modelagem matemática para a solução de problemas sociais é uma tradição na Ciência Política. As equações diferenciais contribuem para compreendermos como o comportamento individual e as interações sociais se modificam com o passar do tempo. A análise de caminhos nos permite avaliar os diferentes fatores associados a uma determinada consequência ou resultado.

Na teoria da ação social plausível, a chance de uma ação e/ou evento relacionado a ela ocorrer ou não ocorrer existe em termos de plausibilidade e probabilidade do acaso. A teoria da ação social plausível é entendida em termos da relatividade espaço-temporal da ação esperada ou prevista, dadas determinadas circunstâncias e contextos interacionais, e pode ser descrita matematicamente a partir das propriedades de razão e proporção, em termos percentuais e de probabilidade. A hermenêutica permite a interpretação no nível do agente, sem visar a generalização nomológica. A hermenêutica-matemática é a utilização dos princípios de interpretação de textos de contextos ou configurações específicas. No entanto, o padrão estrutural, em um nível superior de agregação de indivíduos e grupos, é obtido por meios matemáticos, a partir de regressões lineares e categóricas, que nos fornecem respostas das correlações em termos percentuais. A hermenêutica-matemática é vista aqui como uma metodologia de análise, uma perspectiva analítica. Na hermenêutica-matemática avaliamos apenas indivíduos e unidades orçamentárias (grupos de indivíduos), a estrutura social não restringe nem orienta a ação social, este é o padrão de relações ou interações sociais estabelecidas entre indivíduos, existe como matriz de correlações, e não como essência ou como condição invisível de existência anterior e externa ao indivíduo. O indivíduo tece a teia de significados que utiliza para sua autocompreensão do mundo.

A hermenêutica do pesquisado difere da hermenêutica do pesquisador. Na primeira, a interpretação da realidade pelo agente não necessariamente modifica a realidade. Na segunda forma, na hermenêutica do pesquisador, os padrões estatísticos nos orientam na árdua e complexa atividade de interpretação da realidade social. Com base na avaliação teórico-metodológica da matriz de interpretação dos brasileiros autóctones sobre suas próprias trajetórias de vida, propomos interpretações de níveis mais abstratos da sociedade brasileira. A avaliação do ciclo de vida, da infância à vida adulta, nos permite uma leitura mais robusta do que entendemos ser a realidade brasileira.

É nesse momento que os padrões estruturais se tornam visíveis aos olhos do pesquisador. Como Weber aponta, a motivação para a ação é acessada pela forma como a pessoa interpreta sua realidade. Mas o padrão estrutural é possível por meio da análise matemática e computacional da correlação existente entre diferentes fatores. Temos, assim, correlações percentuais, que indicam uma razão de chance de um determinado fato ou fenômeno ocorrer, dadas certas circunstâncias configuracionais.

O significado compartilhado e estruturado possibilita tanto o entendimento comum quanto a padronização estatística posterior de crenças e valores culturais. Costumes sociais, hábitos, mitos e crenças são visíveis para o pesquisador por meio das correlações estatísticas entre diferentes variáveis. Os padrões estatísticos por si só são amorfos, sem vida, sem significado substantivo. Eles se tornam visíveis, acima de tudo, a partir da teoria ou do significado lógico-empírico que a teoria pode fornecer. A estrutura não é vista aqui como um impedimento, mas como uma facilitadora da ação social de alguns indivíduos. Não é que as estruturas não permitam que os indivíduos façam escolhas, é apenas que as escolhas disponíveis para os indivíduos são diferentes. Todos fazem escolhas, mas o repertório de escolhas é diferente. A posição social de origem atua como fator estrutural, contribuindo para dar sentido às escolhas feitas pelas pessoas, além de influenciar a forma como essas escolhas são feitas. A posição social familiar privilegiada permite ao agente fazer escolhas que não estão disponíveis para a classe trabalhadora.

A base conceitual na teoria da ação plausível

Podemos pensar na mudança social de algumas maneiras: da perspectiva do indivíduo (Self) e da perspectiva social (contextos sociais). O indivíduo está em constante mudança, enquanto a sociedade, por outro lado, é mais estável. A mudança em termos sociais é possível em um número limitado de casos, e não ocorre de forma constante ou absoluta; ela pode ser maior ou menor, mas não é nula ou absoluta - não são pares perfeitos de opostos. A mudança no nível individual ocorre desde o nascimento até a morte. Os indivíduos modificam a realidade à medida que se envolvem em experiências diferentes das que proporcionam algum tipo de segurança e conforto, de um mundo coerente, evidente, natural, óbvio e conhecido.

A socialização possibilita um sentido para o mundo, mas não é determinante nem orientadora da ação social. A socialização vincula o indivíduo à sociedade com base em repertórios e esquemas de ação. Ao perceber que não pode viver sozinho ou agir sempre de acordo com sua própria vontade, o indivíduo opta por continuar a viver em sociedade e passa a cooperar com outros indivíduos na maioria dos casos. No entanto, não podemos saber se esse indivíduo continuará agindo como agiu no passado. A avaliação dos padrões de ação individual e coletiva pode ser descrita em termos de regularidades. Uma vez conhecida a maioria dos fenômenos sociais, cabe ao pesquisador compreender como a regularidade é possível diante da impossibilidade de constância.

Figura 2. Estrutura social

A partir da análise da estrutura e do sistema estrutural, acessamos a forma estrutural da sociedade avaliada e sua variação no tempo e no espaço. Outras estruturas e sistemas sociais são possíveis para a compreensão de outras facetas e características sociais dos sistemas estruturais de interações sociais, partindo do pressuposto de que o conhecimento na teoria da ação plausível é possível a partir da indução. A hermenêutica propõe que o acesso à parte pode nos conceder acesso ao todo, desde que compreendamos as interações sociais e naturais em termos de relações plausíveis. A junção de diferentes sistemas estruturais de interações forma o que entendemos como sociedades.

A terminologia ‘agente social’ não é diametralmente oposta ao ator social, mas contrasta com essa segunda perspectiva que compreende os contextos ou contextos sociais como se fossem mais importantes do que as escolhas feitas pelos próprios indivíduos. O conceito de agência reconhece a capacidade de fazer, de agir de acordo com o contexto ou mesmo de forma diferente da expectativa interacional daquele contexto (configuração). Por isso, entendemos agência como uma ação plausível, razoável, crível ou presumível. Uma ação social plausível pode ser entendida em termos de uma ação social provável, a indução histórica e estatística de como os indivíduos agiram e interagiram em relação às condições simbólicas e materiais no passado fornece pistas de como eles poderiam agir (ação provável) dadas configurações interacionais distintas. O agente social pode agir racionalmente, afetivamente e/ou por meio de motivações tradicionais, como defende Weber. A motivação para sua ação deve ser entendida em termos de plausibilidade e probabilidade de ocorrer como esperado.

O conceito de interação social refere-se às relações humanas baseadas em referentes como bens simbólicos (educação), por exemplo, e bens materiais (propriedade), por exemplo. Sistema social é o conjunto articulado, analiticamente acessível pelo pesquisador, de diferentes estruturas sociais. A estrutura social é a agregação das interações sociais, que podem ser relativas a fatores simbólicos, como educação escolar, por exemplo, e condições materiais (classe social). A estrutura social é formada por agentes, suas interações sociais e as estruturas simbólicas que informam um senso comum ou significado em um determinado campo. O conceito de ‘estrutura social’ refere-se a uma parte ou subsistema de um dado sistema social, com agentes, interações sociais e estruturas simbólicas no nível local (universo cultural).

O universo cultural é geral, compreende crenças do senso comum e refere-se ao conhecimento comum sobre o mundo. É um conceito referente à organização simbólica de significados e sentidos em diferentes níveis de influência cultural. A área de influência cultural é uma zona de símbolos e códigos, com vários textos e redes significativas de crenças, valores e mitos, compartilhados ou não. Os costumes e hábitos sociais não são coercitivos para o indivíduo, funcionam como expressões idiomáticas dotadas de significado, que pode ser entendido no nível global, quando é público e compartilhado, e no nível local, quando o significado existe para um pequeno grupo e está circunscrito ao nível regional e local. Na teoria da ação plausível, existem possibilidades culturais em três níveis: local, regional e global. A ação social é compreensível em termos locais quando os indivíduos que vivem em um determinado lugar (escassamente povoado ou restrito) têm modos aproximados, não necessariamente semelhantes, de ver e agir no mundo.

Uma ação social plausível a nível local só é compreensível pelas pessoas de um lugar específico, seja de uma unidade orçamental (família, colegas, amigos), de uma tribo, de uma freguesia, de um concelho, de um bairro ou de uma pequena cidade. A ação social regional plausível tem maior amplitude e pressupõe que um número maior de indivíduos possa compreender seu significado. O exemplo aqui são metrópoles, estados subnacionais e estados nacionais. A ação social plausível global é o nível atual mais avançado de entendimento e refere-se a questões globais, como econômicas, sociais, ambientais, políticas, jurídicas, de imigração, entre outras. No entanto, os significados compreensíveis não são necessariamente compartilhados; eles existem independentemente de alguns agentes compreenderem ou não o seu significado. Elas existem em razão da plausibilidade, o que significa que elas existem e podem ser acessadas e interpretadas na medida da “descoberta” pelos agentes sociais.

Os significados sociais estão, de alguma forma, disponíveis para serem utilizados em diferentes situações. No entanto, esta não é necessariamente uma forma de conhecimento acumulado, uma vez que o cérebro é seletivo. Alguns conhecimentos antigos são substituídos por novos conhecimentos (esquemas interpretativos), de modo que a internalização do significado da ação não é um requisito para a ação; a reinterpretação é plausível de ocorrer. O indivíduo pode utilizar categorias socialmente significativas sem conhecer seu verdadeiro significado, assim como pode reinterpretá-las à sua maneira em suas relações íntimas e privadas, por exemplo. A intersecção entre essas dimensões (local, regional e global) é entendida como área de influência cultural.

Figura 3. Sistema Social

A orientação weberiana na teoria da ação plausível

Como interpretar a ação social racional em relação a valores e fins? Podemos interpretar nosso exemplo empírico de análise social à luz da teoria da ação social desenvolvida por Max Weber. Segundo Weber, a ação social se dá em relação à tradição, à afetividade e à racionalidade, seja ela de motivação avaliativa ou relativa à finalidade instrumental. Por exemplo, é possível viver em uma moradia isolada ou separada de outros indivíduos, assim como é possível viver em uma moradia compartilhada com indivíduos estranhos à família nuclear. Alguns ianomâmis, mesmo após o contato com outras culturas, mantêm algumas tradições ancestrais. Por exemplo, alguns ainda dividem suas moradias com pessoas de outros núcleos familiares do mesmo sistema social. Já é comum que a maioria dos ocidentais viva apenas com pessoas de seu próprio núcleo familiar (pai, mãe, filhos e irmãos).

Esse modelo ou forma de organização social é orientado pela cultura e transmitido de forma tradicional das gerações mais velhas para as mais novas. A forma como os indivíduos escolhem coabitar é um exemplo de como eles podem agir impulsionados por tradições sociais (hábitos e costumes). É uma ação tradicional porque não refletimos nem paramos para pensar que existem outras formas de convivência, e tomamos o caminho tradicional (comum) como se fosse o caminho certo, uma decisão óbvia para a maioria dos indivíduos.

Ao investir em capital humano, os pais agem racionalmente com base em valores, impulsionados por crenças compartilhadas e de senso comum sobre a importância da educação para o futuro do indivíduo. Os pais também podem agir racionalmente em relação aos fins, quando investem em seus filhos como forma de eles devolverem, em algum momento da vida, bens simbólicos e materiais.

A lógica da dádiva na sociedade ocidental é vertical, ocorre de pai para filho, vale lembrar o mito do Papai Noel. Essa lógica baseia-se na regra do nascimento ascendente, tendo em vista que os pais normalmente deixam seus bens, quando existem, para seus filhos, e não para seus sobrinhos, primos, tios, amigos etc. Nas sociedades ocidentais, é comum que a herança seja transferida em termos patrilineares, é uma forma de ação impulsionada pela tradição. Como existe tal tradição no Ocidente, é comum que a classe social dos pais, avós, bisavós, tenha algum efeito sobre os retornos e/ou destinos sociais dos indivíduos. Assim, é plausível esperar que, ao avaliar a correlação entre as características socioeconômicas de pais e filhos, haja maior associação entre estes, se comparados com pessoas não relacionadas.

A forma de transmissão social da herança está longe de ser uma lei universal. A existência de modelos sociais matrilineares é importante evidência de que os costumes são constituídos e transformados pelos indivíduos. Nos modelos sociais matrilineares, não se segue a linha paterna, mas a linha materna, geralmente o irmão da mãe. Nesses sistemas, a herança não é transferida de pai para filho, mas de tio mãe para sobrinho. Os exemplos citados mostram que os modelos ideais de organização social não são homogêneos. A ação social de transmissão da herança, da geração ascendente para a descendente, é geralmente relativa à ação social tradicional.

Em outros termos, acreditamos que a interação social em uma família que coabita em um domicílio com acesso a serviços públicos - e possuidor de bens de consumo privados - é plausivelmente diferente da interação social estipulável em um espaço social que não tem acesso a esses bens. As interações sociais que ocorrem nas diferentes unidades orçamentárias (domicílios e outras generalizadas) predispõem aos resultados alcançados, pois amplificam sonhos, possibilidades e redes. As interações sociais não são determinadas por contextos sociais, nem por habitus, estas existem em termos eventuais e dependem, sobretudo, das vontades e representações dos indivíduos. A interpretação do mundo na teoria da ação plausível é sempre parcial, uma faceta de um dado sistema social, um aspecto, e não o sistema social em si, como um todo. Essa teoria parte do indivíduo, assim como considera sua localização geográfica e temporal. Nesse tipo de interpretação analítica da ação social, a agência do indivíduo é coordenada a partir de sua localização social, porém essa localização não define o comportamento, ela serve como um meio plausível de antecipação da ação social.

Alternativamente, a teoria da ação plausível entende que a ação social não pode ser inicialmente prevista em termos determinados nem probabilísticos. Deve ser entendido em termos de razoabilidade e possibilidade. O que permite que a ação seja compreendida de maneira provável é a experiência empírica. A ação torna-se provável (probabilidade) ou não provável após a pesquisa, antes disso, em níveis teóricos gerais e hipotéticos, a ação social deve ser entendida como plausível de ocorrência ou não ocorrência. Aqui, as explicações e razões racionais que indivíduos ou pesquisadores atribuem às ações dos indivíduos são importantes, assim como o princípio de que os resultados ou consequências da ação social devem ser entendidos como condições possíveis, não prováveis.

Como dito anteriormente, só podemos saber se a ação é provável ou não na prática, no momento da realização da pesquisa. Não é possível saber de antemão como funciona determinado sistema cultural, de forma teórica, esse conhecimento será baseado em referências bibliográficas (estudos anteriores) ou por análises empíricas, sejam qualitativas ou quantitativas. Lembrando que não estamos em busca de generalização, portanto estamos interessados em compreender as partes dos sistemas culturais, a avaliação geral é teórica, imaginativa, não necessariamente testável de forma empírica, devido ao alto grau de abstração e agregação de múltiplas ações sociais. Na teoria da ação plausível, os agentes sociais fazem escolhas dentro de cenários interativos razoáveis ou plausíveis, a ação não ocorre em termos determináveis, nem ocorre com base em condições prováveis de ação social.

Vale ressaltar que a hermenêutica-matemática é diferente da teoria da ação plausível. O primeiro é principalmente uma forma analítica e tem uma compreensão da ação social na razão probabilística. Enquanto esta última é um esboço de uma teoria geral e tem uma compreensão/interpretação da ação social em termos de razões plausíveis e proporções de ocorrência. A preocupação nessa teoria é se a ação pode ocorrer ou não. Dizemos que é razoável esperar que um determinado indivíduo se comporte de acordo com sua idade e classe social, por exemplo. No entanto, é razoável porque não há como prever a ação de todos os indivíduos, nem mesmo de um indivíduo em particular. O princípio da incerteza, de que a ação humana é, em última análise, imprevisível, não supõe que não seja possível isolar padrões estruturais (regularidades) de comportamento no tempo e no espaço. Significa apenas que essa regularidade difere em termos de probabilidade e plausibilidade, como vimos a primeira é respondida empiricamente, a segunda existe em termos gerais, teóricos.

A teoria da ação plausível distingue dois níveis da teoria da ação social, um preocupado em compreender a motivação para a ação e outro preocupado em compreender em que circunstâncias a ação social pode ou não ocorrer. Nessa visão teórica, importa tanto o significado atribuído pelo indivíduo à sua ação social quanto a chance de sua ocorrência. A teoria da ação social de Weber propõe que, diante de diferentes situações interacionais, um indivíduo pode agir de diferentes maneiras, motivado pela tradição, pela afetividade e pela racionalidade. A teoria da ação social de Lahire e a teoria da reprodução de Bourdieu enfocam a avaliação da conformidade ou não conformidade da ação social considerando o contexto interacional. A racionalidade é um pressuposto, mas podemos ver indivíduos agindo racionalmente na sociedade. A teoria da ação plausível mantém o pressuposto de que a ação social pode ser refletida ou irrefletida, racional ou irracional, mas entende que isso ocorre em termos de plausibilidade, de modo que a probabilidade é visível empiricamente, no momento da pesquisa ou análise, e não existe de forma geral, teórica, mas na prática.

Figura 4. Universo Cultural

Uma imagem contendo Círculo

Descrição gerada automaticamente

Metodologia

O modelo analítico proposto é múltiplo e contempla diferentes fatores causais. A principal contribuição do artigo é propor a avaliação não apenas das múltiplas causas para um efeito ou resposta, como na tese clássica da hermenêutica cultural de Weber e na probabilidade estatística, mas várias causas para vários efeitos ou respostas. Isso significa um modelo com múltiplas variáveis ou termos independentes (causais) e múltiplos fatores dependentes (efeitos).

A estatística de Path Analysis é utilizada porque permite o cálculo, mesmo que não simultâneo, de diferentes variáveis de resposta (explicadas). Isso nos permite denotar correlações na origem social, compreendida como causa, termos intervenientes como educação e renda e o destino social, analisado por três fatores: propriedade, consumo e ocupação. São utilizadas oito variáveis: três independentes - propriedade privada, ocupação profissional e padrão de consumo; duas intervenientes - educação escolar e renda; e três variáveis dependentes - propriedade privada, ocupação profissional e padrão de consumo.

Os termos independentes e dependentes foram calculados a partir de informações da origem e do destino. A origem é entendida como a posição social dos pais dos chefes dos domicílios amostrados, o que inclui três variáveis: propriedade, ocupação e consumo. O destino é compreendido como a posição social dos chefes dos domicílios a partir das mesmas informações sobre seus pais e mais informações exclusivas da educação escolar e renda familiar desses chefes ou filhos dos pais também avaliados. A interação entre origem e destino nos possibilita entender um pouco sobre a dinâmica de vida dos indivíduos, um estudo de mobilidade social nos permite avaliar a variação na desigualdade em pelo menos duas gerações. Em nosso caso, utilizamos a relação socioeconômica entre pais e filhos, de modo a correlacionar diferentes informações econômicas, culturais e sociais destes.

Embora a matriz de correlações denote múltiplas correlações, três específicas chamam a nossa atenção aqui. Primeiro, a possibilidade de existir uma relação pouco expressiva entre a propriedade privada e a educação escolar. A hipótese inicial propõe que a relação entre propriedade e educação é pouco expressiva se comparada com a relação existente entre consumo na origem e educação alcançada pelo chefe do domicílio (destino).

A propriedade privada e o consumo de bens foram construídos a partir da técnica de análises de componentes principais (PCA). Essa técnica permite sintetizar em um único indicador diferentes informações. As informações utilizadas para compor o indicador que representa empiricamente o conceito de propriedade privada são as mesmas na origem (pais dos chefes) e no destino (chefes dos domicílios). O primeiro componente da variável é referente à posição social de empresário, se o chefe tem ou tinha pais que eram sócios ou possuíam uma empresa quando o chefe do domicílio atual estava em fase de crescimento, na sua juventude, quando esse tinha, aproximadamente, 15 anos de idade. Sendo duas respostas possíveis, sim e não, para pais empresários, o que pode simular com outras variáveis origens e destinos proletários e burgueses. A segunda variável seguiu a mesma lógica dicotômica e questionou acerca da propriedade imóvel dos indivíduos, se os seus pais possuíam casa de veraneio quando eles estavam crescendo. O terceiro componente questionou acerca da posse de terrenos, como fazendas, chácaras e sítios. O quarto componente questionou se os pais ou cuidadores tinham poupanças e/ou ações de empresas ou outras. O quinto e último componente questionou sobre a existência de veículos para aluguel ou, nas palavras de Karl Marx, para a extração de alguma forma de mais-valia.

No caso do indicador de consumo de bens, as variáveis não utilizadas não são as mesmas para os pais (origem) e filhos (destino). A explicação para isso é que alguns dos itens utilizados na geração dos pais, como fogão, telefone fixo e geladeira, foram popularizados e não se constituem mais como fatores estratificadores sociais para as novas gerações, como o foram em tempos passados. O índice de consumo foi construído também a partir da análise de componentes principais, para mais informações sobre como construir esses indicadores, consulte Freitas (2021; 2022). Esse índice contou com variáveis na origem, como fogão, geladeira, televisor, telefone fixo e veículo próprio. No destino, incluiu termos como telefone fixo, veículo próprio, computador pessoal, acesso à internet no domicílio e freezer. Embora os termos para a construção dos indicadores considerem variáveis binárias, o índice que é construído a partir da análise de componentes principais é contínuo, embora possamos construir termos padronizados ou normalizados entre 0 e 1. Utilizamos o indicador de consumo de bens em sua forma contínua.

O indicador da ocupação profissional foi construído com base no Índice Socioeconômico Internacional (ISEI), com base nos originais de Ganzeboom e Treiman (1996), a partir de dados do Brasil. Utilizou-se uma abordagem da dominância na qual se utiliza o maior status ocupacional entre pai e mãe, divergente da abordagem convencional, que exclui informações das mulheres e toma apenas as informações dos homens. Para mais informações, consulte Torche (2015). A educação escolar é uma variável contínua entre 0 (analfabeto) e 16 anos ou mais (nível terciário), e a renda é uma variável contínua utilizada em sua forma logarítmica, a fim de tornar a interpretação dos resultados mais simples. As informações utilizadas são da Pesquisa Dimensões Sociais da Desigualdade (PDSD, 2008).

Resultados

A matriz de resultados apresentada no gráfico 4 permite inúmeras correlações, o que nos possibilita seguir distintos caminhos de testes de hipóteses. Podemos testar a tese de Marx sobre a existência de uma classe social binária, dividida em proletários e burgueses, bem como a tese da secularização de Max Weber sobre a importância crescente da educação para o indivíduo em sociedades cada vez mais governadas por princípios racionais-legais. Também podemos testar a tese de que a educação aumenta, em média, a renda, como exposto pelos teóricos do capital humano (cf. Freitas, 2015). Além disso, podemos examinar a tese de Spilerman (2000) e Torche (2015) de que o padrão de vida na origem, mensurado pela capacidade de consumo das unidades familiares, é mais importante do que fatores relacionados com a ocupação profissional.

No entanto, concentramo-nos na análise da parte que tem sido menos discutida na sociologia contemporânea. Traremos de volta a propriedade dos meios de produção como o fator principal para definir o que Marx chamou de posição social de classe. Assim, consideramos os caminhos associados à propriedade para entender como ela se relaciona com outros fatores comumente avaliados, como educação, ocupação e renda.

A hipótese central da correlação pouco significativa da propriedade com os outros fatores avaliados é por hora analisada. Isso ocorre, em nossa avaliação, devido à concentração fundiária existente no Brasil. Embora a educação aumente o padrão de vida e a renda, o efeito na propriedade é independente da educação alcançada. Isso nos faz questionar se, mesmo que renda e consumo aumentem na mesma direção que o aumento na educação escolar, o caminho seguido pela propriedade é distinto e não é afetado pelo mesmo mecanismo [(ocupação - educação - ocupação), (renda - educação - renda) ou (consumo - educação - consumo)]. Em relação à propriedade, o que se observa é uma concentração fundiária excessiva, com poucos sendo donos de uma parte significativa do Brasil.

Figura 5. Gráfico de caminhos com múltiplas independentes, intercorrentes e dependentes

Discussão

A proposição de uma teoria da ação plausível está calcada no princípio da incerteza dos fatos e fenômenos sociais, e como tal propõe, a partir da contribuição simultânea da hermenêutica cultural e da probabilidade estatística, que as ações sociais ocorrem sob condições de plausibilidade, devido à dificuldade em atribuir uma resposta apenas para fenômenos multicausais. A visão aqui é de que a estatística inferencial deve ser capaz de propor novos modelos com mais variáveis respostas ou explicadas, pois como foi visto antes, as respostas dos eventos, fatos e fenômenos são diferentes para distintos atores sociais, de modo que o fato de possuir uma educação escolar similar não define que estas pessoas pensem de um modo similar, nem tampouco parecido. Por outro lado, um modelo que avalia a interseção entre diferentes fatores não coloca o peso em apenas um fator variável, mas na interação complexa entre distintos fatores relacionados à classe social, sejam propriedade, ocupação, educação escolar, padrão de consumo e renda familiar. No lugar de definir a classe sob um traço central, utilizamos vários indicadores relacionados com este conceito. Testamos a hipótese da duplicidade, (da existência de múltiplos fatores independentes e dependentes ou diferentes fatores explicativos e explicados para as relações sociais.

Em nosso caso específico, a partir de um modelo de análises de caminhos (Path Analysis), por regressões lineares múltiplas (todos os termos utilizados contínuos), avaliamos diferentes relações em um estudo de estratificação social. E concluímos que, assim como as causas não são simples ou únicas, os efeitos também não são. Isso foi visto pela diferença que os indivíduos apresentam ao longo de suas vidas em termos de origem e destino relacionados aos fatores analisados, de maneira que as variáveis mostram que existem diferenças importantes de acordo com o indicador utilizado. Dito de outra maneira, não existe uma homologia entre os indicadores, e entre aqueles em que há uma associação entre as variáveis, essa associação é parcial, não absoluta, o que representa que é possível apresentar um padrão de vida elevado e não possuir propriedades privadas. Assim como é possível possuir uma renda elevada e não possuir propriedades, da mesma forma que é possível, simplesmente pela herança, possuir propriedades e não ter educação formal, por exemplo, nem tampouco uma ocupação de prestígio social. A propriedade privada possui uma lógica aquisitiva distinta das outras variáveis, isso ficou marcante. Se a educação aumenta probabilisticamente na mesma razão a renda e o consumo de bens, não aumenta, da mesma forma, a chance de um indivíduo se tornar um grande proprietário.

Por fim, existem múltiplos fatores de origem social relacionados com as desigualdades de oportunidades e resultados. Assim como existem os fatores intervenientes e, principalmente, múltiplos lados para os e dos resultados. A ocupação, entendida como Classe e estamento, não está totalmente contida na Classe compreendida ao sentido estritamente material, da classe em relação à propriedade privada, como um fator estritamente econômico. Ou ainda, do estamento como reflexo do padrão de consumo de bens e serviços modernos. No sentido que, nem na origem, tampouco no destino social, a relação entre evento e resposta, ação e reação, causa e consequência, é simples. A resposta também é múltipla, como a causa.

Referências

BERGER, P. (1966) Convite à sociologia: uma perspectiva humanista. Pinguim Harmondsworth.

BLAU, P.; DUNCAN, O. (1967) The American occupational structure. John Wiley & Sons.

BÖGENHOLD, D. (2001) Social inequality and the sociology of lifestyle. Material and cultural aspects of social stratification. American Journal of Economics and Sociology, 60(4), 829-847. https://doi.org/10.1111/1536-7150.00125

BOURDIEU, P. (1992) A economia das trocas simbólicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva.

……. (1997) Capital Cultural, Escuela y Espacio Social. México: Siglo Veinteuno.

........ (2006) O poder simbólico. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

BROWN, T. (1991) Hermeneutics, and mathematical activity. Educ Stud Math. Volume 22, 475-480.

DAMATTA, R. (1987) Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. 6.ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco.

DESCARTES, R. (1991) Meditações Metafísicas. Meditação Terceira, São Paulo: Nova Cultural, Coleção Os Pensadores.

DILTHEY, W. (2018) Wilhelm Dilthey: Selected Works, Volume IV: Hermeneutics and the Study of History. Reino Unido: Princeton University Press.

DURKHEIM, É. (2001) As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret.

EINSTEIN, A. (1933) The origins of the general theory of relativity. Jackson, Wylie and Co., Glashow.

FREITAS, A. (2015) Gender wage inequality measured using quantile regression: the impact of human, cultural and social capital. Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales, 60(223), 287–315.

.......... (2021) Bem-estar e estratificação social no Brasil contemporâneo. Revista Brasileira de Sociologia, 9(22), 196–221.

.......... (2022) Dois Indicadores para as Ciências Sociais. In C. H. Skiadas & C. Skiadas (Eds.), Métodos Quantitativos em Demografia (A Série Springer sobre Métodos Demográficos e Análise Populacional, 52). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-030-93005-9_31

GANZEBOOM, H.; TREIMAN, D. (1996) Internationally Comparable Measures of Occupational Status for the 1988 International Standard Classification of Occupations. Social Science Research 25:201–239.

GEERTZ, C. (1973) The interpretation of cultures: selected essays. New York: Basic Books.

HEISENBERG, W (1949) The Physical Principles of the Quantum Theory. New York, Dover.

LAHIRE, B. (2002) Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes.

....... (2006) A cultura dos indivíduos, Artmed, São Paulo.

LARAIA, R. (2001) Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar.

MALINOWSKI, B (1935) Coral Gardens and Their Magic: A Study of the Methods of Tilling the Soil and of Agricultural Rites in the Trobriand Islands. Beacon Press.

NEWTON, I. (1999) The Principia, A new translation by I.B. Cohen and A. Whitman, University of California press, Berkeley.

PLATÃO. (2001) República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbbenkian.

POPPER, K. (2013) A lógica da pesquisa científica. Tradução de: The logic of scientific Discovery, São Paulo: Cultrix.

RICOEUR, P. (1965) Freud and Philosophy: An Essay on Interpretation. Yale University Press.

SILVA, N. V. (2008). A dimensão social das desigualdades: sistemas de indicadores de estratificação e mobilidade social [Projeto]. Ceres, Iuperj.

SPILERMAN, S. (2000) Wealth and stratification processes. Annual Review of Sociology, 26(1), 497-524. https://doi.org/10.1146/annurev.soc.26.1.497

TORCHE, Florência. (2015) Intergenerational mobility and gender in México. Social Forces, 94, 563-587.

WEBER, M. (1999) A Objetividade do Conhecimento nas Ciências Sociais e a Política Social Hoje: Dilemas Políticos da Educação Universitária na Alemanha (parte de “Ensaios de Sociologia”). LTC Editora.

....... (1994) Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Editora da UnB.