Volumen 32 Nº 4 (octubre/diciembre) 2023, pp.120-144

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10107609

Fronteira de contenção ambiental na sub-região Vale do Jamanxim, Pará, Brasil: uma análise do Parque Nacional

Antônio Rodrigues da Silva Júnior* y Monique Bezerra Nascimento**

Resumo

A expansão da fronteira ao longo da rodovia BR-163 (Cuiabá/MT-Santarém/PA), entre o trecho dos municípios de Novo Progresso e Trairão no Estado do Pará, Brasil é resultante de um constructo de práticas sociais, e relações políticas e econômicas, que promovem implicações de diversas naturezas, especialmente socioambientais. Na contramão dessa expansão, emergem novas configurações territoriais, em especial as unidades de conservação, a exemplo do Parque Nacional do Jamanxim, localizado na sub-região do Vale do Jamanxim, e abordado nesse artigo como Fronteira de contenção ambiental. O objetivo desse artigo é analisar, através desse Parque, até que ponto essa fronteira de contenção ambiental desempenha sua função normativa de maneira satisfatória. Para tanto, faz-se o uso de uma pesquisa exploratória, do ponto de vista de levantamento bibliográfico/documental e obtenção de dados pertinentes ao tema, sob o aporte da interdisciplinaridade que permeia as discussões contidas nesse artigo, bem como o emprego de entrevista semiestruturada e de tecnologia de geoprocessamento que subsidiam os resultados obtidos. Conclui-se que o Parna do Jamanxim desempenha função importante na contenção da fronteira na sub-região, mesmo sofrendo pressão do processo histórico-geográfico de formação da fronteira na região, bem como das influências de ideologias políticas e das contrariedades do desenvolvimento.

Palavras-chave: Fronteira; Unidades de conservação; Amazônia paraense; desenvolvimento; contrariedade; Ideologia política

Universidade Federal do Pará. Belém, Brasil. E-mail: silvajuniorgeo@yahoo.com.br

ORCID: 0000-0002-5174-3969

Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMAS/PA). Belém, Brasil

E-mail: moniqueb.nascimento@hotmail.com. ORCID: 0000-0002-7744-2400

Recibido: 14/07/2023 Aceptado: 06/09/2023

Environmental content frontier in the Vale do Jamanxim sub-region, Pará, Brazil: an analysis of the Parque Nacional

Abstract

The expansion of the border along the BR-163 highway (Cuiabá/MT-Santarém/PA), between the stretch of the municipalities of Novo Progresso and Trairão in the State of Pará, Brazil, is the result of a construct of social practices, and political and economic relations, which promote implications of various natures, especially socio-environmental. In the opposite direction of this expansion, new territorial configurations emerge, especially the conservation units, such as the Jamanxim National Park, located in the sub-region of the Jamanxim Valley, and addressed in this article as Frontier of environmental containment. The objective of this article is to analyze, through this Park, to what extent this frontier of environmental containment performs its normative function in a satisfactory manner. To this end, an exploratory research is used, from the point of view of bibliographic/documentary survey and obtaining data pertinent to the theme, under the contribution of interdisciplinarity that permeates the discussions contained in this article, as well as the use of semi-structured interviews and geoprocessing technology that subsidize the results obtained. It is concluded that the Jamanxim Parna plays an important role in the containment of the border in the Jamanxim Valley sub-region, even under pressure from the historical-geographical process of border formation in the region, as well as from the influences of political ideologies and development setbacks.

Keywords: Boundary; Conservation units; Pará Amazon; development; setback; Political ideology

Introdução

A Amazônia brasileira apresenta um cenário de relações sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais marcado por um contexto histórico-geográfico inerentes ao modelo de desenvolvimento estrategicamente projetado e executado na região, cuja ocupação e expansão demográfica sobre os “espaços vazios” ou “insuficientemente ocupados” (Martins, 1996), construíram a última grande fronteira da América Latina (Foweraker, 1982).

O Estado do Pará é um dos principais territórios político-administrativo que integra a Amazônia brasileira, pois apresenta uma área territorial de 1.245.870,704km², o qual assume dimensões continentais, bem como, uma população de 8.116.132 pessoas (IBGE, 2022), cuja diversidade e singularidades de povos e modos de vidas que caracterizam as múltiplas identidades e culturas existentes na Amazônia, faz com que autores como Do Canto (2019) utilize o termo “Amazônias”.

A sub-região Vale do Jamanxim, na Amazônia paraense, onde está localizado o Parque Nacional do Jamanxim, entre os municípios de Novo Progresso e Trairão, lócus da pesquisa, é cortada longitudinalmente pela rodovia BR-163 que interliga a cidade de Cuiabá, no Estado do Mato Grosso, à cidade de Santarém, no Estado do Pará, a qual foi construída na década de 1970, no contexto político nacional de integração e modernização da Amazônia Legal e promoveu consideráveis alterações na estruturação do espaço, com enfoque no estabelecimento de atividades diversas, sobretudos humanos e seus desdobramentos conflituosos que caracterizam a região como zona de fronteira.

Por se tratar de uma região de fronteira, o Parna do Jamanxim, categoria de unidade de conservação do grupo de proteção integral, que concentra uma rica diversidade de recursos naturais e proporciona benefícios importantes na preservação da biodiversidade e na qualidade de vida de todos, sofre forte pressão de atividades de exploração madeireira, minerária e pecuária, que operam na fronteira dessa região, cujas ações do estado são insuficientes para impedir as implicações dessas atividades

O conceito de fronteira é considerado assimétrico, a depender da perspectiva da abordagem ou “pelos ciclos que os Estados vivem, sejam eles desenvolvimento, estagnação ou morte” (Paúl, 2005). De maneira clássica o Estado brasileiro define fronteira como limites de territórios político-administrativos, como se fosse uma linha imaginária de divisão ou mesmo em sua perspectiva de segurança nacional, como faixa de vigilância e proteção (Art. 20, § 2º da Constituição Federal do Brasil de 1988).

Para o historiador estadunidense Frederick Jackson Turner (2004) o termo fronteira significa o avanço colonizador da sociedade civilizada sobre “terras livres” e o encontro com populações primitivas e com a natureza em seu estado selvagem. No Brasil cabe destacar as reflexões do antropólogo Otávio Velho (2009) ao construir uma perspectiva histórica de fronteira que está diretamente associada a “espaços vazios” em territórios dinâmicos e socialmente ocupados; A geógrafa Bertha Becker (2009) que defende uma perspectiva metodológica de fronteira do capital natural no contexto da globalização; O economista André Cutrim Carvalho (2017) que advoga a fronteira na Amazônia sob uma perspectiva do novo institucionalismo econômico, onde o Estado assume funções importantes na produção do capital e; O sociólogo José de Souza Martins (1996) discute o tema sob uma concepção sociológica a partir das implicações das relações sociais que ocorrem na ocupação desses espaços.

Embora haja na literatura uma diversidade de modos de abordagem sobre o tema, é comum entre os autores a identificação de dois elementos importantes que caracterizam a fronteira: o primeiro está relacionado com um fluxo migratório de pessoas para regiões supostamente de baixa densidade demográfica, cujos recursos naturais presentes precisam ser melhores aproveitados pela economia, e a segunda inerente à formação de um território conflituoso, marcado pela alteridade, intolerância, violência, ambição, contradição, expropriação e ilegalidade, muitas vezes formados pelo Estado, como é o caso da Amazônia paraense.

Nesse sentido, a perspectiva de fronteira abordada nesse artigo dialoga interdisciplinarmente com a concepção dos autores supracitados, todavia como forma de contribuir com o debate apresenta-se uma abordagem de fronteira enquanto contenção ambiental, uma discussão que procura enxergar o sentido inverso à expansão do capital ou do “civilizado”, o que Martins (1996:33) considera como o “outro lado da fronteira”, por meio da institucionalização de unidades de conservação, em especial o Parna do Jamanxim que além de seus benefícios inerentes à preservação, recreação, educação ambiental, pesquisas científicas, constitui uma espécie de barreira à expansão das fronteiras econômicas que operam na região.

Advoga-se que durante a política de integração e modernização da Amazônia brasileira o Estado assumiu papel de destaque no processo de formação da fronteira na Amazônia paraense (Becker, 2009; Cutrim, 2012), sob uma ideologia política de desenvolvimento que priorizou o mercado externo, cuja Amazônia foi e ainda é vista como provedora de recursos naturais. E que somente a partir dos ideais de desenvolvimento sustentável, conceitualmente bem definido, mas, operacionalmente um desafio a ser alcançado, é que o Estado tem assumido uma função de intermediador do processo de reprodução do espaço, postulando uma política integradora entre as frentes econômicas, sociais e ambientais.

Parte-se do entendimento de que o mesmo Estado que cria as UC na Amazônia paraense e de maneira incipiente tenta fazer com que esses espaços territoriais desempenham seu papel normativo de maneira satisfatória, é o próprio Estado que colabora com a formação e expansão da fronteira do capital, ao promover a organização do território (rodovias, hidrelétricas, portos, incentivos fiscais, migração) para acelerar a produção da espacialidade do mercado capitalista.

Metodologia

Do ponto de vista dos seus objetivos, esse artigo caracteriza-se por ser um estudo de caso, uma vez que analisa o Parque Nacional do Jamanxim enquanto fronteira de contenção ambiental. Para Gil (2002:54) estudo de caso consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento. Adota-se uma pesquisa exploratória do tipo quanti-qualitativa, pois realiza levantamentos bibliográficos e documentais inerentes a livros, artigos científicos, teses e ordenamentos jurídicos legais e de dados, com vistas a proporcionar maior familiaridade com o problema para torná-lo explícito ou a construir hipóteses (Gil, 2002). Coaduna-se com a concepção epistemológica de Romero Salazar (2011) ao entender que as diversas formas de abordagens, quando combinadas, promovem encontros e complementariedades, as quais potencializam a capacidade explicativa.

Fora realizada uma entrevista semiestruturada (Quadro 1.), junto ao Sr. C. A. B, migrante paranaense de 76 anos que possui empreendimentos na sub-região do Jamanxim, com o fito de destacar o processo de migração e a heterogeneidade da sociedade que se instalou na região. Segundo Rosa e Arnoldi (2006) a entrevista semiestruturada possibilita a inclusão de roteiros não previstos, por ser uma técnica flexível proporciona a obtenção de riqueza informativa intensiva, holística e contextualizada.

Quadro 1. Perguntas realizadas na entrevista semiestruturada.

PERGUNTAS

01

Qual o seu nome, idade e nacionalidade?

02

Quando e em quais circunstâncias o senhor chegou ao município de Novo Progresso-PA?

03

Pelas suas experiências quais as principais atividades econômicas desenvolvidas no município?

04

Qual atividade econômica o senhor exerce atualmente?

05

Onde o senhor reside atualmente?

Para produzir as informações cartográficas contidas no artigo recorreu-se à tecnologia de geoprocessamento, ao utilizar o software QGIS desktop 3.22.13, a partir de bases de dados espaciais (em formato shapefile) através dos bancos de dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Agência Nacional de Mineração (ANM) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), para cada ano de estudo (2010 a 2022). Com esse conjunto de informações elaborou-se um banco de dados espacial, por meio do Sistema de Informação geográfica, integrando informações da UC no Parque Nacional do Jamanxim, com informações referentes à identificação das principais atividades econômicas ilegais pelos embargos e autos de infração pelo ICMBio aplicados durante o período de estudo, requerimento de áreas de exploração minerária e aos dados relacionados aos desmatamentos, este último obtidos no banco de dados disponibilizados pelo Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélite (PRODES), vinculado ao INPE. Tais procedimentos subsidiam a identificação, organização e a análise dos dados em informações qualitativas e quantitativas (dados em formato CSV foram organizados em tabelas no Excel compondo os valores anuais, gerando tabelas e gráficos), com vistas às implicações sobre essa UC a construir uma interpretação da configuração de fronteira na Amazônia Paraense.

Área de estudo

A presente pesquisa tem como lócus de estudo a fronteira da sub-região Vale do Jamanxim, Zona Oeste do Estado do Pará, com enfoque no Parque Nacional do Jamanxim (Parna do Jamanxim), unidade de conservação do grupo de proteção integral, localizada entre os municípios de Trairão e Novo Progresso no estado do Pará, nas duas margens da rodovia BR-163. O Parna do Jamanxim foi criado pelo Decreto Federal de 13, de fevereiro de 2006, com o objetivo principal de preservar os ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica da região, possibilitando, também, a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

Com uma área de 851.754 hectares e aproximadamente 835,54 km de perímetro o Parna do Jamanxim é coberto predominantemente por floresta ombrófila, com predomínio de duas tipologias: floresta ombrófila densa submontana dossel emergente e floresta ombrófila aberta submontana com cipós. Entre os recursos florestais madeireiros encontrados, citam-se jatobá, cedro, maçaranduba, ipê etc. Já entre os recursos florestais não madeireiros se citam andiroba, castanheira, tucumã, açaí, entre outros.

O Parna é a única unidade de conservação que incide sobre a BR-163, fazendo a conexão entre os dois lados da rodovia e sofrendo grandes pressões antrópicas (ICMBio, 2021), conforme observado na Figura 1.

Figura 1. Mapa de localização do Parque Nacional do Jamanxim.

Fonte: MMA (2023), IBGE (2023), DNIT (2022) e ANA (2023). Elaborado pelos Autores (2023).

Essa UC abriga espécies importantes para a conservação, em razão de endemismo, raridade e vulnerabilidade que apresentam, com destaque aos primatas souim-branco (Mico leucippe) e cuamba (Ateles marginatus), ariranha (Pteronura brasiliensis) Jacupiranga (Penelope pileata), a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus), a ararajuba (Guaruba guarouba), a anta (Tapirus terrestres), o tatu-canastra (Priodontes maximus) e o sapo (Atelopus spumarius), as quais estão no quadro da IUCN (International Union for Conservation of Nature) como espécies ameaçadas de extinção, vulneráveis ou em perigo (ICMBio, 2021).

Concepções históricas sobre fronteiras e a abstração da fronteira de contenção ambiental

Etimologicamente o termo Fronteira remete a ideia de linhas que representam “limites” e “delimitação”, de territórios político-administrativos. A constituição Federal do Brasil de 1988, em seu Artigo 20, parágrafo 2º faz luz à fronteira ao defini-la como uma faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo dos limites terrestres, bem como atrela a ideia de fronteira como espaço fundamental para defesa do território nacional, cuja ocupação e uso devem ser mediante regulamentação legal. Todavia, a literatura acadêmica entende a fronteira enquanto conceito e, portanto, exprime abordagens mais complexas, a depender do objeto de análise, daí dizer-se que a fronteira assume características assimétricas.

Dito isto, um dos autores mais expoente para pensar a concepção de fronteira é o historiador estadunidense Frederick Jackson Turner, por meio de sua obra The Significance of History que em síntese trouxe à baila a fronteira econômica do Oeste dos Estados Unidos para compreender suas correlações e contribuições na formação de instituições e da identidade nacionalista norte americana no século XIX.

Para Turner (2004) a concepção de fronteira está relacionada com o avanço colonizador da sociedade civilizada sobre “terras livres” de wilderness do oeste estadunidense, e com o encontro e superação de modos de vidas primitivos e da natureza em seu estado selvagem. O autor considera a fronteira como algo móvel e à medida que avança na dominação, expropriação ou extermínio da “barbárie” (índios) representa a formação de uma nova concepção social pautada na estruturação da vida moderna, democrática e identitária.

O autor defende a ideia de que o contato com a sociedade primitiva que ocupava os “espaços vazios” era somente mais um obstáculo do processo de estabelecimento da sociedade civilizada. Ele destaca o papel da frente pioneira, no contato com a sociedade primitiva, da conquista, dominação e das formas de produção e uso do território, a partir do processo de adaptação a ambientes hostis da vida selvagem e da transformação da wilderness em produto americanizado, constituindo identidade própria e não mais europeias.

A existência de uma área de terra livre, sua retração contínua e o avanço da colonização em direção ao Oeste explicam o desenvolvimento americano [...]. Tira-lhe as roupas da civilização, guarnecendo-o com camisa de caça e mocassim [...]. Logo ele começa a plantar milho indígena e a arar a terra com um bastão afiado (TURNER, 2004:23-24).

Para Turner (2004:32) há uma “evolução social da fronteira” que consiste num sucessivo movimento, onde pioneiros partem em busca de novas “terras livres”, motivado pelo crescimento demográfico do vilarejo e/ou pelo esgotamento do uso da terra; Daí surge uma nova geração de migrantes que chegam e realizam benfeitorias modestas, como escolas, moinhos e estradas; e por fim, atores sociais que detém recursos econômicos e compram as propriedades e estabelecem relações de cunho político, econômico e cultural que transforma o espaço em cidades.

A compreensão da perspectiva de fronteira apresentada por Turner (2004) depreende uma concepção de expansão colonial, ou seja, de uma estratégia interna territorial única que constituiu e fortaleceu as bases de construção de uma autonomia liberal e da identidade nacional, direcionando a política interna de controle e poder estabelecida pelos EUA no início do século XX, numa clara objeção aos indígenas e outros aspectos naturais que se encontravam a sua frente.

Esse processo de avanço da fronteira da América do Norte, do ponto de vista de suas características de ocupação, concernentes à concentração fundiária, extermínio de indígenas, extração mineral, os próprios regimes escravocratas agroexportadores e a criação bovina em larga escala, como bem retratou Hennessy (1978) em sua obra The Frontier in Latin American History, não se diferenciaram das ações tomadas na América Latina, sobretudo se pensar a Amazônia brasileira que até os dias atuais convivem com relações de acumulação primitiva do capital.

Todavia, há de se destacar que a expansão da fronteira da América do Norte apresentou aspectos singulares, que os distinguiram da América Latina, e colaboraram para o seu crescimento econômico, sobretudo da perspectiva do fluxo intenso e da diversidade cultural, religiosa pautada no protestantismo calvinista, e do comprometimento produtivo da população migratória que ascendeu um desenvolvimento tecnológico diferenciado a esse continente. Enquanto, que na América Latina prevaleceram os interesses dos colonizadores portugueses e espanhóis numa estrutura aristocrata latifundiária de poder que praticaram relações sociais e econômicas extremamente atrasadas como o modelo de ocupação em forma de arquipélagos agroextrativistas que exploravam recursos de alto valor agregado até a sua exaustão ou até o fim do seu ciclo econômico, bem como com seus dogmas religiosos, aportados no catolicismo (Domingues, 2022).

No Brasil, o autoritarismo do Estado no desenvolvimento da lógica econômica capitalista se dá numa perspectiva de modernização social, uma vez que o território nacional já se encontrava num estágio de ocupação. Nesse sentido, Velho (2009) advoga que o Estado assumiu papel extremamente importante no processo de alocação de espaços, recursos, incentivos fiscais e mão de obra para o desenvolvimento do capitalismo. O autor destaca o nacionalismo no período de Vargas como ideologia do regime do Estado Novo (1937-1946) “Brasil um país do futuro”, e a “Marcha para o Oeste” como alusão à marcha estadunidense, e estratégia inicial de Estado para constituir uma frente pioneira capaz de ocupar o que ele chamou de “vácuos demográficos”.

Martins (1996) retrata a fronteira no Brasil a partir de uma concepção sociológica, do “conflito social” onde nesses espaços dinâmicos, ocorre de fato o encontro que por diferentes razões são diferentes entre si, seja em seus aspectos culturais, de modos de vidas, de relações com a natureza, e entre outros, que colocam de um lado o civilizado e do outro o índio; os grandes latifundiários e os pobres camponeses, numa espécie de dualidade ou resistência onde o diálogo quase sempre não existe, e que geram conflitos de diferentes concepções de vida e de visões de mundo. Há também o que o autor chama de desencontro por questões de temporalidades históricas, uma vez que cada grupo de atores assume espacialidades temporais diversas.

O autor faz uma crítica ao que ele chamou de “designações” ao se referir às frentes pioneiras e de expansão, pois de acordo com sua análise, o que há de distinto entre elas é a maneira de ver a fronteira e dos diferentes modos como os civilizados se expandem territorialmente. “Entendo que essas distintas e, de certo modo, desencontradas perspectivas, levam a ver diferentes coisas porque são expressões diferentes da mesma coisa” (Martins, 1996:29).

Martins (1996) chama atenção às análises abrangentes sobre fronteira, na medida em que considera uma perspectiva que contempla não somente o suposto lado civilizatório, mas, sobretudo que enxergue a existência do que há do outro lado dessas linhas imaginárias

A fronteira é a fronteira da humanidade. Além dela está o não-humano, o natural, o animal. Se entendermos que a fronteira tem dois lados e não um lado só, o suposto lado da civilização; se entendermos que ela tem o lado de cá e o lado de lá, fica mais fácil e mais abrangente estudar a fronteira como concepção de fronteira do humano (MARTINS, 1996:33).

Essa enfatização do prosseguimento da fronteira brasileira se estabelece nas décadas posteriores, sobretudo pelas políticas de Estado, do ponto de vista da integração e povoamento de regiões como a Amazônia à nova capital do país Brasília. À vista disso, Carvalho (2017) aponta a fronteira agrícola como propulsora e o elo institucional entre o desenvolvimento capitalista em curso e os espaços vazios, que tem como resultado a produção de espaços com baixo grau de ordenamento institucional e legal e domínio da acumulação do capital mercantil.

Para Carvalho (2017) a institucionalização da “Operação Amazônia” foi a principal política tomada pelos governos militares (1964-1985) para planejar e executar sua política de ocupação e desenvolvimento, ignorando os interesses dos atores locais. O autor ressalta a federação de regiões do Brasil e a criação de instituições para fins de desenvolvimento, cita-se como exemplo a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), criados na Amazônia para implementar o modelo misto de ocupação e desenvolvimento agrário.

Na Amazônia [...] de um lado, encontra-se a ocupação burguesa da terra, em que o capitalista transforma-se em proprietário da terra, como foi o caso das grandes empresas agropecuárias incentivadas pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM); de outro, aparece a colonização dirigida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), baseada em pequenos colonos produtores com o intuito de formar uma classe média rural. Pode-se dizer que, na verdade, esse último modelo tinha como função prioritária engendrar um processo de colonização e, por conseguinte, de expansão da fronteira (CARVALHO, 2017:130).

Para além da criação de instituições, coube ao Estado construir condições infraestruturais de produção do capital, o que Becker (2009) denomina de “vetores técnicos industriais”, como rodovias (Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém e Transamazônica), hidrelétricas (hidrelétrica de Tucuruí no Pará), portos e redes de telecomunicações que passou a integrar a dinâmica de um amplo plano de governo que engendrou a ocupação da região e privilegiou o capital em suas vertentes.

Becker (2005) ao analisar a produção do espaço que se constitui na Amazônia advoga uma perspectiva de fronteira metodológica de apropriação dos recursos naturais pelo capital global, a partir de um contexto contemporâneo de fronteira, cuja tecnologia assume papel importante para uma nova roupagem de acumulação do capital. A autora destaca uma mudança no processo de expansão da fronteira na região, sobretudo a partir da década de 1990, o qual está associado ao paradigma do modelo de desenvolvimento, pois ao mesmo tempo, que os vetores técnicos industriais avançam, os quais são representados por atividades econômicas que continuam provocando degradação ambiental, há uma contrapartida ainda incipiente do modelo de desenvolvimento sustentável, com o processo de ambientalização do território, nesse caso específico através das unidades de conservação, a quem nós estamos chamando de fronteira de contenção ambiental, que de alguma forma contém ou espraiam essa expansão na referida sub-região. Para a autora essa reconfiguração do território provocou uma estagnação da expansão da fronteira, com poucos casos migratórios (mesorregional e microrregional).

Nos anos de 1970, o que sustentou a fronteira foram os incentivos fiscais e a migração generalizada do país inteiro, esta induzida pelo governo federal. Atualmente, a migração dominante é intra-regional, de um estado para o outro e, sobretudo, rural-urbana [...]. Assim o que há de novo na expansão das frentes é que são comandadas por madeireiras, pecuaristas e sojeiros já instalados na região, que a promovem com recursos próprios [...]. Agora, as frentes estão mais localizadas em torno das estradas que já existiam, as que pretendem ser pavimentadas ou as abertas pelos próprios madeireiros e pecuaristas (BECKER, 2005:80-81).

Essa mudança, no entanto, se refere a estágios de fronteira, onde o próprio Estado também se reorganiza, do ponto de vista de sua atuação nesse processo, uma vez que o contexto político, econômico e ambiental em escala local-global passa a ser debatido considerando as interferências ambientais sentidas de maneira planetária, bem como pelo fortalecimento da própria organização social, com destaque aos movimentos ambientalistas.

Todavia a essência da ideia complexa de fronteira, do ponto de vista do conflito, da violência, da apropriação ilegal da terra e dos recursos naturais e da precariedade das ações do Estado, é preservada. E se tratando de Amazônia paraense, é possível identificar essa essência de fronteira por meio de ações primitivas de acumulação de capital.

Nesse sentido, discutir uma concepção de fronteira de contenção ambiental é reconhecer o seu significado como concepção de fronteira do humano enquanto elemento integrante e dependente de um meio ambiente, ou seja, da importância sociocultural e ambiental presentes no espaço, sobretudo nos novos territórios de ação pública –Unidades de conservação- instituídos para preservar modos de vidas, ecossistemas, biodiversidades e belezas cênicas, bem como enfrentar os desafios de conter o avanço de uma fronteira econômica perversa, no sentido de promover uma nova forma de produção econômica pautada na sustentabilidade.

A possibilidade de apresentar uma abordagem na perspectiva de Fronteira de contenção ambiental se dá ao analisar o processo de ambientalização do território da Amazônia paraense, sobretudo no que concerne a instituição de unidades de conservação em regiões estratégicas e em constante expansão pela fronteira econômica, a partir de um contexto histórico-geográfico de desenvolvimento. Essa abordagem só se torna possível porque esses novos territórios da ação pública representam as lutas dos movimentos ambientalistas e uma ideologia política de desenvolvimento contrário ao que estar posto no processo econômico de exploração dos recursos naturais e no, uso da terra, todavia, o próprio conceito de desenvolvimento é contraditório por essência, justamente por ser contraditório é que se presenciam características que tipificam a concepção de desenvolvimento que prevalece no mundo, sobretudo em sua periferia.

Essa perspectiva de fronteira de contenção ambiental é construída interdisciplinarmente a partir das abordagens já apresentadas, consubstanciada com as abordagens de fronteira socioambiental (Hecht, 2014; Sauer e Castro, 2020; Rodrigues, 2022) que defendem a formação dessa fronteira a partir da confluência das frentes ambientalistas, camponesas e indígenas num processo constante de enfrentamentos, conquistas e novos desafios, cujo objetivo é defender uma nova proposta de produção que valorize a floresta preservada. Essa perspectiva de fronteira enfatiza o movimento social ambientalista e camponês e as tipologias de áreas protegidas (territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação) como elementos para pensar essa uma fronteira socioambiental.

Dito isto, advoga-se que a perspectiva de fronteira de contenção ambiental recorre a um elemento específico da abordagem de fronteira socioambiental, pois analisa criticamente a função das UC, criadas em áreas de fronteira, para além das prerrogativas do SNUC, sobretudo do ponto de vista da contenção da expansão de atividades capitalistas. Defende-se que essas “barreiras” não exercem tão somente um limite de área territorial, como se fossem linhas imaginárias, mas, uma nova composição na dinâmica de produção do território, cuja ambientalização do território são inseridas nas políticas de desenvolvimento do Estado.

É fronteira de contenção ambiental porque esses espaços territoriais representam uma nova proposta de desenvolvimento e de relação sociedade-natureza que se opõem aos modos de produção das atividades econômicas exercida pela perspectiva do desenvolvimento industrial, assentada na exploração dos recursos naturais sem precedentes, bem como representam uma reconfiguração do território e de certa forma do próprio Estado, na busca de operacionalizar os ideais do modelo de desenvolvimento sustentável.

Deste modo, as unidades de conservação, vistas como fronteira de contenção ambiental, sofrem um paradoxo entre as ações organizadas por este mesmo Estado que as criam, a depender da ideologia política considerando o espaço-tempo, pois ao mesmo tempo, que sinaliza para uma nova proposta de desenvolvimento sustentável na Amazônia, por outro lado, estimulam os atores sociais detentores dos meios de produção e financeiro, a atuarem como agente indutor das economias destrutivas que nem mesmos esses espaços protegidos estão imunes.

Nesse sentido, a fronteira de contenção ambiental é uma ação pública de Estado, resultante inicialmente da internalização do modelo preservacionista estadunidense, sobretudo na categoria de parques (Parque Nacional de Yellowstone) e posteriormente com a inserção da vertente conservacionista, representadas por categorias cujo manejo dos recursos naturais se tornara possível, a exemplo das Reservas Extrativistas criadas no Brasil, promovidas pelos movimentos ambientalistas e populações tradicionais e camponesas que se contrapõe ao modelo de desenvolvimento econômico exploratório e devastador.

Nesse espaço, onde se tem de um lado a fronteira de expansão do capital e do outro a fronteira de contenção ambiental se constrói um cenário típico da concepção de zona de fronteira, marcado pelo embate de duas perspectivas de desenvolvimento, uma fortemente estabelecida e que dinamizam o território conforme suas ambições capitalistas e outra conceitualmente bem definida, mas que enfrenta enormes desafios para sua operacionalização. Esses interesses divergentes promovem um cenário contemporâneo de fronteira que ocorrem na Amazônia paraense, sobretudo em regiões com atividades econômicas em expansão e que concentram UC, cujos desdobramentos desse “choque” é que não são tão contemporâneos, assim permanecem os conflitos, ameaças, expropriações, mortes e exploração de recursos naturais e o uso da terra de maneira ilegal.

Portanto, pode-se dizer que a fronteira sofre metamorfose no espaço-tempo, não somente na perspectiva das suas frentes de expansão econômica, no sentido de se ajustar e penetrar nos mais distintos espaços para atender uma lógica de acumulação do capital, mas também do ponto de vista de emergir novas abordagens de enxergar a fronteira, enfatizando o que há no outro lado, como retrata Martins (1996), as quais representam um movimento de resistência ao modo econômico cruel e dominante, seja do ponto de vista socioambiental ou mesmo cultural.

Nessa reconfiguração do espaço, o Estado protagoniza papel importante, pois diferente da postura tomada no processo de integração e modernização da Amazônia legal, que privilegiou o capital, agora institui ações públicas que procuram intermediar diálogos entre os diversos atores sociais com vistas à compatibilização dos múltiplos interesses, sem contudo, cortar suas relações de interesses e favorecimentos com os atores sociais.

Nesse sentido, a fronteira de contenção ambiental que se postula neste artigo está direta e exclusivamente ligada às unidades de conservação instituídas na Amazônia paraense, a partir da segunda metade do século XX e que passou a ser um dos principais instrumentos da ação pública para fins de preservação ambiental em regiões de forte expansão do processo de antropização do espaço.

As Unidades de conservação foram internalizadas pelo Brasil, de maneira inicial, a partir de uma visão preservacionista estadunidense, na figura de Parques Nacionais, durante o processo de modernização do Estado Novo (1937 – 1945), com reconfigurações estruturais, no que concerne as novas categorias de uso e os ordenamentos jurídicos, instituições e políticas públicas inerentes a essa tipologia de áreas protegidas, ao longo do processo de ambientalização do território, sobretudo a partir de 2000 com a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC (SILVA JÚNIOR et al., 2023).

O SNUC foi aprovado pela Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e definiu as UC como:

Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000).

Esse Sistema ordenou as UC em doze categorias, organizadas em dois grupos: Proteção Integral (Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Refúgio da Vida Silvestre e Monumento Natural), sob uma perspectiva preservacionista, e o de Uso Sustentável (Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva do Desenvolvimento Sustentável, Reserva de Fauna e Reserva Particular do Patrimônio Natural), com a previsão do manejo dos recursos naturais, em uma lógica conservacionista, cada uma com suas finalidades e características de uso bem definidas.

Segundo a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, em seu Art. 11 a categoria Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico, cujas normas de uso e restrições são estabelecidas em seu plano de manejo e pelo órgão gestor. É de posse e domínio público, por isso não são permitidas propriedades particulares em seu interior.

As UC desempenham funções importantes na manutenção de ecossistemas, da biodiversidade, dos recursos naturais, de belezas cênicas, de modos de vidas, bem como representa uma conjuntura estratégica para conter a expansão de novas fronteiras.

As fronteiras da sub-região Vale do Jamanxim

O processo de migração para ocupar as margens da rodovia BR-163, no trecho que compreende os municípios de Novo Progresso e Trairão, no estado do Pará, é oriunda, sobretudo da região sul do Brasil, com destaque aos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, bem como de migrantes do Centro-Oeste do estado do Mato Grosso (IBGE, 2022), a qual foi amplamente apoiada pelo Estado brasileiro por meio do modelo político de desenvolvimento projetado para a região.

Como indutor principal desse processo migratório para a sub-região Vale do Jamanxim, destacam-se: a construção da rodovia BR-163, que interliga Cuiabá-MT a Santarém-PA, durante ações do Plano Nacional de Integração; O Decreto-Lei nº 1.164, de 1 de abril de 1971 que federalizou terras devolutas numa faixa de cem quilômetros de largura em cada lado das rodovias construídas, a serem construídas ou mesmo projetadas para fins de controle territorial, como foi o caso da BR-163, no trecho Cuiabá-Cachimbo-Santarém-Alenquer-Fronteira com Suriname e; Os projetos de assentamentos e desenvolvimento econômicos criados pelo INCRA e SUDAM com o apoio financeiro do BASA, além dos incentivos fiscais do Estado na fase da “Operação Amazônia”, os quais expandiram a fronteira nessa sub-região da Amazônia paraense (Carvalho, 2012; Rocha, 2014; Diniz, 2017; Margarit, 2017).

À vista desse processo migratório, fator típico de zona de fronteira, tem-se ao longo desse trecho da BR-163 uma composição social do espaço, fundamentalmente, caracterizada por uma heterogeneidade que não se restringe somente na perspectiva da nacionalidade, mas também compreende seu caráter político, econômico, cultural e ambiental, que são resultantes de diferentes arranjos socioespaciais do processo de ocupação conduzida pelas políticas de Estado e que dinamizam os modos de produção na região. A exemplo desse processo, tem a fala do migrante paranaense que se territorializou na sub-região do Jamanxim a partir da década de 1990, incentivado pela campanha política de ocupação do Estado brasileiro.

Eu sou paranaense e cheguei em Alvorada da Amazônia, comunidade do município de Novo Progresso no Pará em 1990, pois um conhecido meu que veio na frente, atraído pela propaganda do governo, me cedeu um pedaço de terra para trabalhar com pecuária [...]. Nessa região a economia gira em torno da pecuária, agricultura, garimpo e madeireiras, que antes já foram bem mais [...]. Em 1992 abri um restaurante no distrito de Castelo dos Sonhos, por conta do fluxo de carretas na BR-163 e hoje nesse espaço funciona o meu hotel, porque depois que asfaltaram a BR o fluxo de pessoas e negócios aumentaram na região [...]. Hoje eu moro aqui no hotel com a minha família, onde também funciona o escritório de advocacia da minha filha (C.A.B, 76 anos de idade. Entrevista concedida em 14 de abril de 2023).

À vista dessa migração para a referida sub-região, os dados dos quatro últimos Censos demográficos (Tabela 1.) demonstram o crescimento populacional do município de Novo Progresso-PA, criado através da Lei nº. 5.700, de 13 de dezembro de 1991 e a população do município de Trairão-PA, criado por meio da Lei nº 5.695, de 13 de dezembro de 1991.

Tabela 1. Censo demográfico da população dos municípios de Trairão-PA e Novo Progresso-PA.

CENSO DEMOGRÁFICO

TRAIRÃO-PA

NOVO PROGRESSO-PA

1992

9.397 habitantes

5.962 habitantes

2000

13.902 habitantes

24.948 habitantes

2010

16.875 habitantes

25.124 habitantes

2022

15.242 habitantes

33.638 habitantes

Fonte: Elaborado pelos Autores a partir de dados do IBGE (2023).

O processo de povoamento é um dos elementos importantes utilizados para caracterizar uma zona de fronteira. Nesse aspecto, observa-se que na década de 2000, a população do município de Trairão e Novo Progresso, apresentaram um acréscimo populacional de 48% e 318,5% respectivamente, se comparado ao censo anterior, não somente pela emancipação e criação do município, mas pela política de polarização do Estado. Nas demais décadas observa-se um crescimento estável da população, com uma ressalva ao último censo que revela um crescimento populacional de 33,8% de Novo Progresso que está associado, sobretudo à ideologia política do governo Bolsonaro (2019-2022) e uma redução populacional do município de Trairão de -9,68%, que segundo pesquisas realizadas para tentar explicar essa redução, não se obteve respostas congruentes comparando dados relacionados às taxas de morbidade, casos de óbitos ocasionados pela pandemia (COVID-19), ou outros fatores relacionados a emigração em massa no período supramencionado.

O fato é que o processo histórico-geográfico de ocupação dos espaços vazios ou de baixa densidade demográfica na sub-região Vale do Jamanxim promoveu para além das complexidades presentes em zona de fronteira, implicações de natureza ambiental, uma vez que essas ocupações e expansões desmataram de modo acelerado vastas áreas de florestas nativas para fins de promoverem atividades econômicas que conduzem a dinâmica da produção do território na região.

É a partir dessa compreensão que o Parna do Jamanxim, embora desempenhe um papel importante, do ponto de vista da contenção das frentes econômicas da fronteira, tem sofrido constantes alterações estruturais com implicações diretas sobre os recursos naturais, em especial na perda da cobertura vegetal. A Figura 2 retrata a pressão da fronteira entre os municípios de Novo Progresso e Trairão, exercida sobre o Parna do Jamanxim.

Figura 2. Pressão da fronteira sobre o Parque Nacional

do Jamanxim.

Fonte: MMA (2023), IBGE (2023), DNIT (2022), ANA (2023) e PRODES (2006 – 2022). Elaborado pelos Autores (2023).

Por se tratar de uma unidade de conservação estrategicamente criada e localizada numa zona de fronteira, o Parna do Jamanxim, cortado longitudinalmente pela BR-163, elemento considerado por Margarit (2017:129) como “o novo corredor de exportação da Amazônia”, integra um mosaico de unidades de conservação existente na região que concentra recursos naturais extremamente cobiçados pelos atores sociais ligados a economia da exploração e uso da terra.

Implicações e desafios na fronteira de contenção ambiental

O Parna do Jamanxim além de suas finalidades previstas em seu Plano de Manejo, aprovado em 2021, que deve alinhar-se com as diretrizes contidas no Art. 11 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que trata das características específicas da categoria Parque, exerce uma representatividade de resistência ao processo dinâmico da fronteira econômica no trecho da BR-163, entre os municípios de Novo Progresso-PA e Trairão-PA, localizados na sub-região Vale do Jamanxim no Estado do Pará, que estamos denominando de fronteira de contenção ambiental, a qual não foi simplesmente criada pelo Estado na figura das unidades de conservação, mas, como resultado histórico das lutas e pressões dos movimentos ambientalistas, bem como do contexto político-econômico global que exige uma nova reconfiguração nas políticas de Estado, cuja pauta ambiental seja inserida em seus planos de desenvolvimento.

Todavia, a sub-região vale do Jamanxim, onde se localiza o Parna do Jamanxim, por se tratar de um espaço marcada pela expansão da fronteira, sobretudo a agrícola e a mineral, aliadas aos circuitos produtivos de grãos, sofre forte pressão das atividades exploratórias dos recursos naturais presentes nesse espaço-territorial protegido.

Margarit (2017) ao analisar a fronteira agrícola na rodovia BR-163, destaca a ilegalidade na exploração madeireira, de minérios e no processo de grilagem de terras, bem como o envolvimento de instituições e representantes políticos como parte da normalidade no cotidiano desse novo corredor de escoamento da produção.

Silva Júnior et al. (2021) ao analisar os impactos sobre o Parna do Jamanxim aponta duas problemáticas essenciais para compreender a dinâmica da paisagem no interior dessa UC. A primeira está relacionada com a precariedade das ações do Estado, no sentido de não desenvolver operações de comando e controle de maneira contínua e permanente, cujas causas dessa não realização está relacionada com a ideologia política (redução dos recursos orçamentários destinados ao ICMBio, o baixo efetivo do órgão, além de infraestrutura insuficiente para atender as demandas do órgão gestor), fatores estes que promovem lacunas para atores sociais exercerem um padrão de economia de exploração e uso da terra, pautados na ilegalidade. A segunda é inerente as relações clientelistas entre os atores sociais e a elite política que constituem mecanismos de controle das ações do órgão gestor, ou seja, negociam as lacunas necessárias para o exercício da exploração dos recursos naturais sem os riscos de serem flagranteados pelos órgãos fiscalizadores.

Como forma de agregar novas colaborações, foi realizado um levantamento documental, a partir de bases de dados shapefile inerentes aos autos de infração lavrados pelo ICMBio que culminaram em embargos, bem como aqueles que cabiam somente o auto de infração, disponíveis em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/dados_geoespaciais/mapa-tematico-e-dadosgeoestatisticos-das-unidades-de-conservacao-federais, a partir de 2010 a 2022, para identificar as principais atividades ilegais que operam no Parna do Jamanxim, os quais estão contidos no Quadro 1.

Quadro 1. Embargos e autos de infração realizados no

Parna do Jamanxi pelo ICMBio.

ANO

ATIVIDADES

EMBARGO (QTD)

EMBARGO TOTAL (QTD)

AUTOS DE INFRAÇÃO POR ATIVIDADES

AUTOS APLICADOS (QTD)

AUTOS APLICADOS TOTAL (QTD)

2010

madeireira

3

3

madeireira

13

14

contra flora e outros

1

2011

-

-

-

madeireira

8

10

contra flora e outros

2

2012

Pecuária

5

7

pecuária

5

9

madeireira

1

contra flora e outros

2

contra flora e outros

3

2014

mineração

4

4

mineração

4

7

madeireira

1

contra flora e outros

2

2015

mineração

12

13

mineração

6

14

madeireira

1

pecuária

2

contra flora e outros

1

contra flora e outros

5

2016

mineração

5

13

mineração

5

16

madeireira

1

madeireira

2

pecuária

1

contra flora e outros

7

contra flora e outros

8

2017

mineração

3

6

mineração

4

8

madeireira

1

madeireira

1

contra flora e outros

2

contra flora e outros

3

2018

mineração

3

10

mineração

4

10

pecuária

2

contra flora e outros

5

contra flora e outros

6

2019

mineração

2

15

mineração

2

8

pecuária

1

pecuária

1

contra flora e outros

12

contra flora e outros

5

2020

mineração

1

11

mineração

2

13

madeireira

3

madeireira

3

pecuária

1

pecuária

2

contra flora e outros

6

contra flora e outros

6

2021

mineração

2

6

mineração

2

3

contra flora e outros

4

contra flora e outros

1

2022

mineração

42

250

mineração

5

34

pecuária

53

pecuária

25

contra flora e outros

152

contra flora e outros

4

Fonte: Elaborado pelos Autores a partir de dados do ICMBio (2023).

Dessa maneira, após analisar os dados contidos nesses documentos, bem como os dados de mineração, de imóveis rurais e o zoneamento do Parna do Jamanxim, foram identificadas três principais atividades ilegais que implicam sobre a referida UC. A primeira está relacionada com a atividade de exploração madeireira, a segunda com o uso da terra para fins de pecuária e a terceira com a exploração de minérios, exponencialmente, minério de ouro. A Figura 3 apresenta a configuração da paisagem do Parna mediante o exercício dessas atividades.

Figura 3. Identificação das principais atividades de uso e cobertura do solo no Parna do Jamanxim (2010 a 2022).

Fonte: MMA (2023), DNIT (2022), ANA (2022), IBGE (2023), ICMBio (2023) e SICAR/PA (2023). Elaborado pelos Autores (2023).

A exploração de madeira no Parna do Jamanxim alimenta uma indústria madeireira arcaica, pautada na extração ilegal da floresta, muito presente ao longo de todo o trecho da rodovia BR-163, cujos impactos são devastadores, pois se emprega o corte raso da vegetação nativa, especialmente as espécies que apresentam altos valores agregados, como Ipê, Maçaranduba, Cedro e Jatobá que são transportadas por estradas não oficiais abertas a mando de atores sociais. Essa exploração de madeira ocorre sob dois entendimentos práticos: o primeiro é aquele que emprega recursos maquinários e recrutam pessoas com o único objetivo de extrair ilegalmente madeira para fins de beneficiamento nas inúmeras “serrarias” ilegais presentes na BR-163 e posterior comercialização e o segundo ocorre para além da extração da madeira, a grilagem da terra. Margarit (2007) destaca essa última prática como uma forma do grileiro captar dinheiro para, em seguida, investir na terra que pretende se apossar, com a instalação de cercas e formação de pastagens. “A partir da pecuária o grileiro passa a alegar a posse produtiva, como instrumento de efetivação do controle sobre a terra” (Margarit, 2017:121).

É conveniente destacar que a política de federalização da terra, numa faixa de cem quilômetros em ambos os lados da BR-163 e a precariedade efetiva dos serviços básicos do Estado, motiva o processo histórico e violento de grilagem de terras públicas na região, cujos atos ilegais relacionados aos crimes ambientais que culminam com procedimento por parte do ICMBio, são utilizados como manobra para comprovar a posse da terra para fins de regularização fundiária.

Outra problemática é a presença de imóveis rurais que estão registrados no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR/PA) situados dentro de UC na Amazônia sujeitos à dominialidade pública, já que exige a desapropriação dos imóveis rurais de propriedade privada insertos nos limites do espaço territorial a ser especialmente protegido, conforme previsto na Lei nº 9.985/2000, sendo que o SICAR não restringe cadastramento de imóveis rurais nessas categorias de áreas protegidas, e o certificado do CAR não trata da condição jurídica ou fundiária do imóvel. Conforme o Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) em seu Capítulo VI, Art. 29, § 2o: “O cadastramento não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse, tampouco elimina a necessidade de cumprimento do disposto no art. 2o da Lei no 10.267, de 28 de agosto de 2001”.

Conforme observado pelos dados do sistema SICAR/PA dentro do Parna do Jamanxim possui, recentemente, cerca de 116 imóveis rurais cadastrados, contudo, pelo plano de manejo do Parna do Jamanxim, observa-se zonas passíveis de ocupações humanas e usos realizados (como na zona de uso divergente, conforme Figura 3), sendo que a maioria destes imóveis possuem embargos pelo ICMBio por atividades ilegais como exploração madeireira, minerária, pecuária, e outros, e estão localizados na zona de uso divergente, como demonstrado na Figura 3. O que representa uma ameaça e/ou pressão para essas áreas, pois funcionam como um vetor de desmatamento e especulação fundiária, e um exemplo dessa situação se faz quando a madeira que é explorada em área não autorizada precisa de documentação das áreas autorizadas para ser esquentada e movimentada, que acarreta prejuízos ambientais, sociais e ambientais, já que acaba desvalorizando a madeira produzida por manejo florestal sustentável e impede a garantia de origem legal da madeira exportada. Assim, evidência a baixa intervenção do Estado em suas funções de monitoramento, comando e controle, que pode levar à tentativa de legalização de ocupações ilegais dentro da UC, à redução de seus limites ou sua recategorização.

Em relação à mineração, o Parna do Jamanxim, criado em 2006, compreende uma área territorial de uma região onde essa atividade esteve legalmente autorizada pelo Estado brasileiro, por meio da Portaria nº 882, de 25 de julho de 1983 do Ministério das Minas e Energia. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre 1980 a 2022 foram solicitadas ao órgão público cinquenta e três (53) registros de atividades no Parna, porém, muitas dessas solicitações foram no período anterior a criação da UC, todavia constam no banco de dados da ANM, vinte e quatro (24) processos ativos, e ao analisar as solicitações feitas após o período de 2012 até 2022 constam no banco de dados da ANM cinco (5) processos de interesses minerários, como requerimento de pesquisa e requerimento de lavra no interior do Parna.

Neste ponto, pode-se observar que a fronteira mineral não foi retraída após a criação do Parque, o que tende a ocorrência de crimes ambientais como extração e destruição de sua flora e fauna, isso fica evidente quando observamos os dados de embargo e autos de infração por extração ilegal de minério (Quadro 1), no período de 2010 a 2022, dos 332 embargos, 78 estão ligados a extração ilegal de minério, representando 22% do embargo total, ao qual, alguns embargos recaem em áreas que possuem ANM com processos ativos no interior do Parna.

Diante dessa problemática, somente em 2019, a Procuradoria Federal Especializada (PFE) do ICMBio, com o fito de atender as previsões legais inerentes a categoria Parque contidas no SNUC, formalizou por meio do Parecer n° 00067/2019/COMAF/PFE-ICMBIO/PGF/AGU, o entendimento do Departamento de Consultoria da Procuradoria Geral Federal, contido no Parecer nº 21/2015/DEPCONSU/PGF/AGU, que tornou o ato infralegal da Portaria 882/1983-MME, que criou a Reserva Garimpeira do Tapajós, sem validade na porção sobreposta aos limites do Parna do Jamanxim, bem como suas autorizações de lavra e pesquisa minerais, em razão deste possuir objetivos incompatíveis com a atividade de exploração mineral, estabelecidos por norma hierarquicamente superior e elaborada posteriormente à Portaria 882/1983-MME (ICMBio, 2021).

Todavia, ao criar o zoneamento do Parna do Jamanxim em 2018, conforme orientações contidas no Roteiro Metodológico para Elaboração e Revisão de Planos de Manejo de Unidades de Conservação Federais, aprovado pela Portaria n° 1.163/2018 do ICMBio, consubstanciado com o inciso XVI, do artigo 2º da Lei nº 9.985/2000 (SNUC), que classificou a área territorial do Parna do Jamanxim em cinco zonas de manejo: preservação, conservação, uso moderado e usos divergentes (Figura 3), observa-se que mesmo realizando o zoneamento do Parna, com algumas incoerências do ponto de vista dos objetivos dessa categoria de UC do grupo de proteção integral, há a ocorrência de atividades exploratórias em zonas que não são permitidas, cujos impactos são extremamente negativos, sobretudo em relação ao desmatamento.

O Gráfico 1 apresenta uma série histórica do desmatamento no interior do Parna do Jamanxim, numa periodização de 2006 a 2022, a partir de dados do PRODES/INPE, com o propósito de evidenciar os impactos dessas atividades e traçar alguns caminhos de reflexão que justifiquem essas inconsistências legais.

Parte-se do entendimento que o Parna do Jamanxim está localizado numa zona de fronteira e como tal sofre as ações dos atores sociais que dinamizam a produção do espaço na região, seja do ponto de vista da ilegalidade no uso dos recursos naturais ou nas relações de interesses e favorecimentos constituídas com a elite política e agentes sociais, cujas incipientes ações do Estado, no sentido de fazer cumprir os ordenamentos jurídicos legais e efetivamente fortalecer a concepção de fronteira de contenção ambiental, são os principais fatores dessa complexidade existente na fronteira.

Gráfico 1. Índices de desmatamento no Parna do Jamanxim,

no período de 2006 a 2022.

Fonte: Elaborado pelos Autores a partir de dados do PRODES/INPE (2006 – 2022).

Na perspectiva de análise institucional dos índices elevados de desmatamento no Parna do Jamanxim, no período de 2006 a 2008, depreende que esses índices estão relacionados com a criação do ICMBio em 2007, cujo início de suas ações ocorreram efetivamente somente a partir de 2010. Esse fator explica, por exemplo, os dados inerentes às ações de comando e controle repassados pelo Serviço de Informação ao Cidadão (Protocolo nº 02303.014781/2023-35), que não foram registradas operações de fiscalização ambiental nesse período no Parna, ou seja, o Estado não se fez presente ao ponto de inibir ações ilícitas inerentes à fronteira.

Já em uma análise do contexto político, esses índices elevados e sua queda em 2009, também possuem relações com as discussões de reformulação do Novo Código Florestal Brasileiro, cujos diálogos e embates no congresso nacional, no contexto anterior à sua institucionalização, sinalizaram para uma transição de legislação que favorecia o produtor rural que consolidou sua área até 22 de julho de 2008, conforme prevê o Artigo 3º, Inciso IV da Lei nº 12.651/2012, dessa maneira, grileiros intensificaram o desmatamento no Parna do Jamanxim.

À vista dos dados analisados autos referentes à infração e embargos lavrados pelo ICMBio até 2016 /, observou-se que em 2010, foram realizados 14 autos de infração e 03 embargos, em 2011 foram registrados 10 autos de infração e em 2012 foram 09 autos de infração e 07 embargos. Sabe-se que somente as ações de comando e controle, de maneira isolada, não são suficientes para combater os crimes ambientais, faz-se necessário o alinhamento a um conjunto de ações em sua perspectiva política, econômica, cultural e educacional capazes de somar esforços para garantir condições viáveis de melhor gerir esses espaços. Entretanto, as ações de comando e controle em zona de fronteira se mostra um instrumento importante no combate aos crimes ambientais.

Em 2013 não há registros de autos de infração e embargos realizados pelo ICMBio o que explica a elevação no índice de desmatamento. Nesse ano, no campo político ocorreram fortes críticas da ala neoliberal sobre um conjunto de programas e políticas sociais que implicaram a construção de uma agenda centrada no controle fiscal que atingiu diversos setores da gestão pública, dentre eles o meio ambiente, cujos cortes nos orçamentos do ICMBio dificultaram a execução do planejamento de suas ações.

Em 2014 houve o registro de 07 autos de infração e 04 embargos o que explica a redução do índice de desmatamento. Embora em 2015 tenha ocorrido o registro de 14 autos de infração e 04 embargos, o índice de desmatamento voltou a crescer. As UC da Amazônia contam um recurso humanos insuficientes às suas necessidades de gestão efetiva, poucos analistas ambientais que auxiliam na fiscalização das UC, em comparação com o restante do Brasil. Além disso, a impunidade reforça o poder dos criminosos, que passam a intimidar e até matar agentes públicos, em 2015, no Brasil, foi o país com o maior número de mortes de ativistas ambientais e agrários no mundo, o que dificulta o combate à ilegalidade (Araújo et al., 2017).

A partir dos registros das operações de fiscalização ambiental nos anos de 2016 e 2017, sobretudo da “Operação sem fim” que ocorreu no mosaico das UC da BR-163, incluindo o Parna do Jamanxim, foram registradas 07 e 02 operações, respectivamente, com duração de 42 dias ininterruptos cada edição, atuando especialmente no período de estiagem da região (junho a novembro), cujas condições climáticas favorecem a extração e o escoamento dos recursos naturais, por parte dos infratores, sobretudo madeira. Nesse sentido, em 2016 foram registrados 16 autos de infrações e 06 embargos, já em 2017 foram registrados 08 autos de infrações e 06 embargos o que justifica a redução dos índices de desmatamento se comparado ao ano anterior.

Em 2018, com o enfraquecimento do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), foi inevitável os cortes orçamentários, impactando os órgãos de fiscalização, novamente houve aumento nos níveis de desmatamento. Mesmo assim, foi um período com 6 operações de fiscalização, com 10 embargos e 10 autos de infração.

No período de 2019 a 2022 a principal justificativa para a elevação dos índices de desmatamento no Parna do Jamanxim esteve atrelada diretamente a agenda econômica instituída pela política de Estado, marcada pelo retrocesso das políticas ambientais e controle dos órgãos ambientais, através de ações que reduziram os orçamentos do ICMBio para fins de gestão ambiental, suspenderam o Fundo Amazônia que financia projetos de combate ao desmatamento na região, sobretudo em UC e por enxergar as UC como empecilho ao desenvolvimento do país, inclusive com tentativas de redução, recategorização e extinção de muitos desses espaços protegidos. Para além disso, há claramente um favorecimento e um discurso encorajador do Estado a ala do agronegócio que implica numa onda de ações de exploração ilegal que justifica a elevação dos índices de desmatamento no Parna.

Essa interferência negativa do Estado implicou na gestão da UC, sobretudo nas ações de comando e controle “deixa a boiada passar”. Analisando os três primeiros anos de governo, tem-se em 2019 a realização de apenas 02 operações de fiscalização ambiental no Parna do Jamanxim, com 09 autos de infração lavrados e 08 embargos. Em 2020 foram realizadas 04 operações com 13 autos de infração e 09 embargos e em 2021 foram realizadas 02 operações, com 03 autos de infração e 06 embargos. Essa redução e controle nas operações de fiscalização ambiental somado ao apoio político favoreceram a elevação dos índices de desmatamento nesse período, com ápice em 2021, cujos reflexos da pandemia da COVID-19 também colaborou de modo significativo para a elevação desses índices.

Diante das fortes críticas e pressões múltiplas, o Estado realizou em 2022, 07 operações de fiscalização ambiental, com 34 autos de infração e 36 embargos o que explica a redução do índice de desmatamento naquele ano.

A correlação dessas atividades com o desmatamento, num contexto de fronteira, produz um padrão de territorialidade e de dominação impostas pelos atores sociais, pautado na exploração-grilagem-pasto que marca o processo de territorialização presentes na fronteira dessa sub-região. Corrobora com esse processo os modos operacionais dos atores sociais que cooptam a força de trabalho de consideráveis contingentes de pessoas desprovidos de qualquer recurso, as quais se sujeitam as mais perversas condições de trabalho impostas, muitas vezes exercendo atividades ilegais. Isso ocorre porque os atores sociais ligados as atividades das frentes econômicas que dinamizam a produção do espaço na região alimentam historicamente relações políticas-econômicas de favorecimento e interesses, as quais revelam o nível de atraso da região e implicam diretamente no desempenho satisfatório da gestão dessa categoria de área protegida. “No Brasil o atraso é um instrumento de poder” (Martins, 1996:13).

Na prática o que tem ocorrido de concreto são incipientes ações do Estado, quase sempre, restrita à repressão aos crimes ambientais, sem, contudo, empregar uma interlocução entre a complexidade que envolve os reais interesses da elite política arrendada pelo capital e a formulação de políticas públicas que de fato possibilitaria maiores esforços para o empenho de meios e objetivos das UC.

Considerações finais

A dinâmica territorial na fronteira da sub-região Vale do Jamanxim foi e ainda continua sendo condicionada pelo modelo de desenvolvimento projetado para a Amazônia legal, vista como provedora de recursos naturais, os quais são explorados por diversas atividades econômicas que refletem a polarização dessa ideologia política executada desde a década de 1960 até os dias atuais, passando por processos de reconfigurações na dinâmica de produção do território.

Ao apresentar uma perspectiva de fronteira de contenção ambiental, no contexto de reconfiguração do território da Amazônia, sobretudo a partir da década de 2000, à luz do conceito do desenvolvimento sustentável, por meio do processo de ambientalização, buscou-se mostrar que mesmo o Estado reconfigurando o território e de certa forma a si próprio, as ações degradantes do modelo de desenvolvimento vigente, prevalecem em larga escala, pois o desenvolvimento é em sua essência contraditório e a fronteira é o espaço da alteridade, sobretudo.

Deste modo, a fronteira de contenção ambiental, sofre um paradoxo entre as ações organizadas por este mesmo Estado que as criam, a depender da ideologia política, pois ao mesmo tempo, que sinaliza para uma nova proposta de desenvolvimento sustentável na Amazônia, por outro lado, estimulam os atores sociais a atuarem como agente indutor das economias destrutivas desses espaços protegidos, mostrando as contrariedades existentes nos modelos de desenvolvimento.

As UC se tornam “espaços vazios” à medida que as ações do Estado são insuficientes para garantir sua atribuição normativa. É preciso que independente da ideologia política se assuma o compromisso de consolidar o modelo de desenvolvimento sustentável, que não está necessariamente pautado somente no manejo racional dos recursos naturais, constituindo mecanismos de governança e de comando e controle que de fato garanta a proteção das UC, mas, sobretudo na própria condição existencial de todas as espécies de vida no planeta terra.

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