Volumen 32 Nº 1 (enero-marzo) 2023, pp.75-97

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.7775982

Relações economia e natureza: a perspectiva neoclássica e o novo Paradigma da Economia Ecológica

Valéria Feitosa Pinheiro*, Adriana Correia Lima Franca** y

Christiane Luci Bezerra Alves***

Resumo

A partir da Revolução Industrial, a intervenção antrópica sobre o meio ambiente cresceu de forma expressiva. Para além dos desequilíbrios ambientais, tal revolução abriu caminho para uma expansão que pressionou fortemente a base de recursos naturais do planeta. Até fins de 1960, a teoria econômica não reconhecia que os problemas ambientais pudessem causar falhas substanciais e persistentes em economias de mercado. A partir desta década se inicia a generalização da preocupação e conscientização concernentes aos danos ambientais provocados pelo vigoroso desenvolvimento econômico e tecnológico em marcha. O pano de fundo para novas reflexões está nas transformações impostas pela crise estrutural e sistêmica do sistema de produção dominante, especialmente nos anos 1970, sendo a crise ecológica motivadora de novas acomodações para análises convencionais ou de rupturas estruturais. Este ensaio se propõe a trazer ao debate teórico a construção de duas matrizes analíticas importantes na compreensão da relação economia- natureza: os estudos de orientação neoclássica, com desdobramentos pós crise dos anos 1970 e o paradigma da Economia Ecológica. São feitos, adicionalmente, apontamentos e reflexões que norteiam as proposições de enfrentamento da crise climática em curso sob luz dessas matrizes. Realizou-se pesquisa bibliográfica sobre o tema em questão, com o intuito de estabelecer um arcabouço teórico capaz de responder ao objetivo da pesquisa. Com base nesse arcabouço, apresentam-se os fundamentos da economia neoclássica e a posterior tentativa de incorporação da problemática ambiental por parte do mainstream econômico tradicional, bem como a perspectiva da ruptura epistemológica e análise sistêmica da Economia Ecológica.

Palavras-chave: Crise ambiental; Economia Ambiental; Economia Ecológica; Georgescu-Roegen; Crise climática

*Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil. E-mail: valeria.pinheiro@urca.br ORCID: 0000-0002-1539-2751

**Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil. E-mail: adriana.franca@urca.br ORCID: 0000-0002-5562-2515

***Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil. Email: christiane.alves@urca.br

ORCID: 0000-0001-5987-6814

Recibido: 14/06/2022 Aceptado: 21/11/2022

Economy and nature relations: the neoclassical perspective and the new Paradigm of the Ecological Economy

Abstract

Since the Industrial Revolution, anthropic intervention on the environment has grown significantly. In addition to the environmental imbalances, this revolution paved the way for an expansion that heavily pressured the planet’s natural resource base. Until the late 1960s, economic theory did not recognize that environmental problems could cause substantial and persistent failures in market economies. From this decade on, the generalization of concern and awareness regarding the environmental damage caused by the vigorous economic and technological development in progress began. The backdrop for new reflections lies in the transformations imposed by the structural and systemic crisis of the dominant production system, especially in the 1970s, with the ecological crisis motivating new accommodations for conventional analyzes or structural ruptures. This essay proposes to bring to the theoretical debate the construction of two important analytical matrices in understanding the economy-nature relationship: studies of neoclassical orientation, with developments after the crisis of the 1970s, and the paradigm of Ecological Economics. Additionally, notes and reflections are made that guide the propositions to face the ongoing climate crisis in the light of these matrices. Bibliographical research was carried out on the subject in question, with the aim of establishing a theoretical framework capable of responding to the objective of the research. Based on this framework, the foundations of neoclassical economics are presented and the subsequent attempt to incorporate environmental issues by the traditional economic mainstream, as well as the perspective of the epistemological rupture and systemic analysis of Ecological Economics.

Keywords: Environmental crisis; Environmental Economics; Ecological Economy; Georgescu-Roegen; Climate crisis

Introdução

A Revolução Industrial permitiu avanços tecnológicos relevantes, traduzidos na maior eficiência e crescimento da produção industrial, os quais se estendem para a agricultura, com a introdução de mais e diversificados máquinários e fertilizantes. O salto quantitativo e qualitativo contribuiu para a desconstrução da ideia vigente de um possível limite ao crescimento econômico.

O estudo da economia, pelos clássicos, preocupava-se com a chegada de um possível estado estacionário, definido sobretudo pelo limite imposto pela capacidade da natureza em suprir as necessidades de subsistência da população em crescimento. Isso ocorria tendo em vista a importância que a agricultura representava enquanto atividade econômica nos séculos XVIII e XIX. A Revolução Industrial, deste modo, retarda novos questionamentos sobre a relação economia e natureza, levando os economistas a acreditarem que a busca permanente por eficiência, através de avanços tecnológicos, garantiria o adiamento desse limite.

O crescimento da economia mundial, acompanhado pela crescente modernização tecnológica, desde a Revolução Industrial, trouxe melhorias nas condições de vida das populações em diversos aspectos, todavia, os efeitos não negligenciáveis sobre o ambiente aqueceria os debates, particularmente face às crises no sistema de acumulação, de forma mais intensa no século XX, pós era de ouro do capitalismo.

O final dos anos 1960 e início dos anos 1970 apontam para uma crise civilizatória pluridimensional, estreitamente vinculada à crise no sistema econômico dominante e nos modelos de desenvolvimento de orientação keynesiana. Os elementos dessa crise envolvem, portanto, os modos de acumulação e regulação vigentes.

No modo de acumulação, experimenta-se a desaceleração nas taxas de crescimento mundial, induzida pela desaceleração nos países centrais, especialmente na economia americana, que passa a apresentar déficits fiscais crônicos e um quadro de estagflação. Aos desequilíbrios macroeconômicos somam-se a perda de lucratividade, produtividade e competitividade dessas economias, principalmente frente à emergência de forte concorrência asiática que impulsionarão, de forma inexorável, a quebra da rigidez taylorista-fordista nos sistemas produtivos, bem como a emergência do regime de acumulação flexível. O 1º choque do petróleo, ocorrido em 1973, expõe a fragilidade do sistema econômico, sentida na vulnerabilidade dos balanços de pagamentos, forçando a adoção de políticas macroeconômicas de ajustamento que aprofundam a magnitude da crise recessiva, com destaque para a desvalorização da taxa de câmbio pelos EUA, o que vem a representar o colapso do sistema de câmbio fixo/Bretton Woods (Alves et al., 2018).

Os reflexos são sentidos no modo de regulação vigente, com a crise do Estado do bem-estar social e a disseminação de receituários de orientação neoliberais, particularmente após um segundo ciclo de crise do petróleo, em fins da década de 1970.

A crise econômica e, consequentemente, do padrão de desenvolvimnto vigente expõe dois elementos que dão o contorno pluridimensional e civilizatório de uma crise de caráter mais estrutural: as crises do trabalho e ambiental. No mundo do trabalho, a reestruturação produtiva, com a incorporação dos elementos da terceira revolução científico-tecnológica, força um ajuste que envolve desemprego estrutural, além da terceirização; aumento da subcontratação; diminuição do emprego por tempo completo; informalidade e ocupações precárias; redução da massa salarial e a perda da força das estruturas sindicais (Harvey, 2006; Antunes, 2015).

As fissuras causadas no sistema hegemônico fazem emergir o lado mais ameaçador à própria lógica exploratória do sistema, indo além da exploração do trabalho, apontada nas orientações marxianas: a crise ambiental e o movimento ecológico ambiental, já em destaque em fins dos anos 1960. Apesar das diferentes etapas de consolidação da sociedade urbano-industrial ao longo do século XX já apontarem os resultados da pressão das atividades antrópicas sobre os recursos naturais (refletida na maior demanda por recursos, poluição e resíduos), a capacidade de saturação do sistema e, consequentemente, do planeta, postos sob os limites físicos e naturais dos recursos ambientais frente ao estilo do desenvolvimento, é duramente atacada não apenas nos protocolos acadêmicos, mas ganha força no circuito político-institucional na década de 1970.

Na perspectiva ambientalista, desde a “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, em 1962, que expõe os efeitos desastrosos dos defensivos, pesticidas e da poluição, o sinal vermelho já é aceso, em menor grau, na academia, mas tem fortes efeitos simbólicos sobre a opinião pública americana, contribuindo para certo protagonismo no seio do movimento ambientalista e de direitos civis do período. Todavia, a repercussão global surge com a publicação dos relatórios do Clube de Roma “Os Limites do Crescimento”, coordenado por Dennis Meadows, 1972, que revela os pontos de estrangulamento no padrão de crescimento mundial: crescimento populacional; insuficiente produção de alimentos; esgotamento dos recursos naturais; controle dos padrões de acumulação e industrialização vigentes (Meadows et al., 1972).

Os ‘ecos’ são sentidos nos círculos políticos mundiais, onde se sucede, por exemplo, a primeira Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, 1972, e a partir da qual é criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Contudo, é no circuito acadêmico que a variável ambiental protagoniza embates e interesses antagônicos, por um lado, no campo onde o interesse econômico praticamente desconsidera o colapso eminente ambiental e por outro, onde se advoga o “crescimento zero” como possibilidade única de permanência no planeta (Camargo, 2003; Oliveira, 2012).

A possibilidade de acirramento das tensões societárias aponta para o fortalecimento de uma via que considere o equacionamento de interesses entre proteção ambiental e crescimento econômico, que ganhará agenda permanente com as discussões do “ecodesenvolvimento”, de Maurice Strong, sistematizada por Sachs, na mesma década e a proposição do desenvolvimento sustentável, nos anos 1980. É nesse sentido que Alves et al. (2018: 132) ressaltam que, dentro do próprio sistema, as respostas tornam-se “apropriações, garantindo-lhe a resiliência, como nos exemplos de desregulamentação do trabalho, empreendedorismo, economia solidária, desenvolvimento sustentável, economia verde, consumo consciente, responsabilidade social, entre outros”.

No campo teórico, aquele equacionamento de interesses é proposto ainda sob a guarda e hegemonia do arcabouço teórico sugerido pela economia neoclássica tradicional, expresso nas contribuições da Economia Ambiental. Deste modo, uma ruptura epistemológica nas relações entre economia e natureza só ganham corpo com o resgate e a construção teórica promovida pela chamada Economia Ecológica. É nesse campo que interpretações sistêmicas são promovidas, e como propõe Cavalcanti (2017: 65): “a sociedade humana não existe num vazio ecológico. Ela se origina a partir do metabolismo social da natureza, que é uma condição pré-social, natural e eterna, independente de qualquer forma histórica”.

Em meio a essa multiplicidade de interpretações, face aos elementos impostos pela crise ambiental, este ensaio se propõe a trazer ao debate teórico a construção de duas matrizes teóricas importantes na compreensão da relação economia e natureza: os estudos de neoclássica e seus desdobramentos pós crise dos anos 1970 e o paradigma da Economia Ecológica. Como a Economia Ecológica é uma vertente sistêmica e, na sua essência, em permanente construção, a sua abordagem, neste trabalho, privilegia o seu entendimento a partir de uma contribuição epistemológica, onde se consideram leituras de vertentes não estritamente econômicas, mas em diálogo profícuo, com as ciências sociais, ecologia e ciências ambientais, de modo geral. Seus objetos de estudo constituem, acima de tudo, investigações interdisciplinares, aqui compreendendo que as diferentes disciplinas estão comprometidas com a definição do problema e se esforçam para se familiarizar com os conceitos e ferramentas utilizadas nas outras disciplinas, incorporam resultados das outras disciplinas e todos estão envolvidos na apresentação dos resultados (Common; Stagl, 2008: 5, tradução das autoras).

Desta forma, o objeto de análise deste trabalho é a variável ambiental, numa perspectiva teórica. Além disso, a hipótese ambiental adotada define a principal diferença entre essas duas abordagens. Na Economia Ambiental neoclássica, o meio ambiente é neutro e passivo e o seu instrumental está voltado para a mensuração dos impactos negativos causados pelo sistema econômico. A Economia Ecológica, por sua vez, rejeita a visão da Economia Ambiental neoclássica, defendendo que a desconsideração dos aspectos biofísicos-ecológicos do sistema econômico leva a uma análise parcial e necessariamente reducionista das conexões entre economia e meio ambiente.

No campo da Ciência Econômica, apesar das contribuições da Economia Ecológica aproximarem as análises econômicas, por exemplo, do paradigma da complexidade, amplamente discutido como campo acadêmico, a incompatibilidade epistemológica da matriz teórica proposta com os paradigmas dominantes confere um lugar às escuras à nova teoria, especialmente na formação de economistas e cientistas sociais. Nesse sentido, um resgate de como as respostas às crise sistêmica dos anos 1970 ocorrem em meio a emergência de novos paradigmas econômicos torna-se fundamental para nortear e consolidar novas contribuições, a partir de como essas vertentes se diferenciam, afastam-se e mesmo se antagonizam.

Cabe ressaltar que um conjunto de crises subsequentes à crise pluridimensional da década de 1970, envolvendo contextos de crise e estagnação econômica e os eventos extremos de mudanças climáticas globais, suscitam um conjunto de novas estratégias de recuperação da economia baseadas em modelos mais sustentáveis de desenvolvimento. Nesse sentido, para além do debate teórico relativo às matrizes de orientação neoclássica e ecológica resultantes daquele contexto, proposto como objetivo central desse trabalho, são feitos, adicionalmente, apontamentos e reflexões que norteiam as proposições de enfrentamento da crise climática em curso sob luz dessas matrizes, através o foco da Economia Ambiental e da Economia Ecológica.

Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental sobre a literatura em questão, com o intuito de estabelecer um arcabouço teórico capaz de responder ao objetivo da pesquisa.

A estrutura deste ensaio assenta-se em quatro seções, além desta introdução, a saber: na seção 2, a variável ambiental é investigada através dos fundamentos encontrados na contribuição de importantes teóricos que constroem o arcabouço das abordagens clássica e neoclássica. Na terceira seção são apontadas as saídas pela Ciência Econômica pós anos 1970 como resposta à crise ecológica, através, inicialmente, da releitura neoclássica em suas duas ramificações principais, economia da poluição e economia dos recursos naturais. Segue-se, na seção 3, com a saída apontada pelo que viria a se constituir como Economia Ecológica. Breves apontamentos e implicações para questões climáticas são expostos na seção 4. As considerações finais são discutidas na última seção do trabalho.

As questões ambientais no arcabouço das abordagens clássica e neoclássica tradicionais

O surgimento do corpo teórico voltado para as questões ambientais, que passa a discutir a relação entre sistema econômico e meio ambiente a partir do final dos anos 1960, foi nutrido por diferentes contribuições da história e do pensamento econômico.

Nas ideias desenvolvidas pela chamada escola fisiocrata (1756-1763), que tinha como principal expoente François Quesnay, a agricultura estava no centro das atenções, no entanto, não decorrendo de um culto à natureza, mas de uma rigorosa exigência do sistema econômico (Coutinho, 1993). A crítica aos ideais fisiocratas e a mudança de enfoque econômico refletem o início do processo de industrialização estimulado pela primeira Revolução Industrial, onde os recursos naturais passam a ocupar um papel secundário proporcionalmente a outros fatores de produção nas atividades industriais e na teoria econômica.

Cabe destacar que, embora neutro e passivo, os economistas clássicos acreditavam que o meio ambiente poderia impor limites ao crescimento, com a ideia do estado estacionário, que estaria associado a estagnação da economia, pensamento presente em Smith (1996), Malthus (1996) e Ricardo (1996). Portanto, havia um alerta para o descompasso entre o rápido crescimento populacional e o crescimento da produção, inclusive em relação ao esgotamento das terras férteis. Já Mill (1996) tinha uma visão mais otimista, considerando o estado estacionário como algo mais distante e visto como a constituição do estado de bem-estar.

A escola neoclássica, que começou a se consolidar em meados do século XIX, concentrou suas atenções nas economias em que as indústrias já tinham assumido uma posição predominante, isto é, nos países e regiões industrializados. Nesse contexto, o grande crescimento industrial, desenvolvimento tecnológico sem precedentes e a aceleração do acúmulo de capital preparam as bases para uma mudança progressiva na direção de perda de espaço da natureza no tratamento analítico da economia.

A chamada Revolução Marginalista retomou a teoria do valor utilidade, com o emprego de conceitos matemáticos de cálculo diferencial. Com isso, a natureza se torna cada vez mais secundária, e gradualmente a economia passa a ser tratada como um sistema circular e isolado e a Ciência Econômica se constrói em bases mecanicistas.

Nessa perspectiva, o processo econômico é visto a partir de dois fluxos circulares contínuos entre família e firma. No “fluxo real”, as famílias são detentoras dos fatores de produção e como consumidoras dos bens de consumo finais. Portanto, no fluxo real há um fluxo da utilização de fatores de produção das famílias para as firmas e um fluxo de retorno de bens de consumo das firmas para a família. O segundo fluxo é o monetário. As famílias adquirem renda monetária com a venda do uso de seus fatores de produção. Esse dinheiro retorna às firmas como pagamento dos bens que são consumidos pelas famílias. Tanto as firmas como as famílias tomam decisões racionais, calculadas e maximizadoras (Samuelson; Nordhaus 2010).

Portanto, o econômico torna-se unidimensional e o seu procedimento totalmente reducionista, as regulações naturais perderam a sua autonomia e até mesmo a sua existência. Essa visão mecanicista se traduz na redução da natureza ao econômico.

Dentro dessa corrente, autores como William Stanley Jevons (1835-1882), Carl Menger (1840-1921) e Leon Walras (1834-1910) ganham notoriedade com as suas obras que levavam o problema econômico à discussão de alocação eficiente de recursos escassos, ou seja, um problema de escolhas eficientes. Deram prosseguimento à perspectiva individualista e utilitarista e formularam a versão da teoria do valor-utilidade que permanece até hoje no bojo da teoria neoclássica. Essa abordagem acreditava que as trocas entre indivíduos autointeressados levariam a economia ao equilíbrio, em que todos estariam maximizando sua utilidade (Jevons, 1996; Menger, 1996; Walras,1996).

Novos trabalhos influenciados pelos anteriores passam a aparecer, como nas obras de Alfred Marshall (1842-1924), Vilfredo Pareto (1848-1923) e Arthur Cecil Pigou (1877-1959). A partir de Alfred Marshall, a análise microeconômica do comportamento da firma na determinação da oferta, e do consumidor e na determinação da demanda ganhou força e passaria a ser chamada de economia neoclássica (Brue, 2005). Esse arcabouço estendeu as formas assumidas pelo comportamento humano na disposição de meios escassos para todas as áreas de investigação, resultando no argumento de que todo problema econômico está sujeito a uma função matemática para maximizar sob restrições, inclusive as questões ambientais.

No cerne da chamada economia do bem-estar, Pareto e Pigou constituem o quadro analítico no qual economistas neoclássicos do meio ambiente desenvolveram a noção de externalidade. A economia do bem-estar está enraizada nos princípios de Walras sobre o equilíbrio geral. Pareto aprimororou a análise walrasiana sobre o equilíbrio geral e demonstrou as condições para a chamada otimização de Pareto, ou bem-estar máximo, que ocorre quando já não há mudanças capazes de deixar uma pessoa em melhor situacão, sem deixar outras em situação pior.

As bases do pensamento econômico dominante, baseado na noção do equilíbrio, serão duramente atacadas na década de 1930, diante da Grande Depressão, ditada pela crise de 1929, e onde preocupação com a estagnação, ou com a taxa decrescente de crescimento econômico afasta ainda mais os objetivos econômicos da variável ambiental. Uma nova estrutura analítica para pensar a economia foi propiciada por John Maynard Keynes, através da obra Teoria Geral, do Emprego, do Juro e da Moeda (1936).

Durante décadas, o pensamento de orientação keynesiana guiará os modelos de desenvolvimento do período, onde a estabilidade garantida através do consenso de Bretton Woods, respaldada pelo bom comportamento das economias centrais e do crescimento satisfatório global reduzirão preocupações com as variáveis naturais, limitando-as a movimentos ambientalistas esparços e desconectados de qualquer análise mais sistêmica e a aportes acadêmicos menos expressivos, quase banidos do circuito econômico dominante1.

Em fins da década de 1950 e início da década de 1960, ocorreram novas formulações da teoria neoclássica, que lhes permitiram participar do debate sobre externalidades que entraram em voga em fins da década de 1960, quando nem os teóricos ortodoxos podiam mais ignorar a degradação do meio ambiente.

Saídas apontadas pela Ciência Econômica pós crise estrutural dos anos 1970

1 A resposta neoclássica à crise ambiental

Até meados dos anos 1960, a teoria econômica (não necessariamente apenas a economia neoclássica) não incluía, em seu arcabouço teórico, a variável ambiental. Os sistemas econômicos funcionariam como se existissem fontes inesgotáveis de recursos para alimentar o processo econômico. Ademais, consideravam que nos processos produtivos todos os insumos materiais eram inteiramente convertidos em produtos, ou seja, não ficando nenhum resíduo indesejado.

No entanto, a partir de meados dos anos 1960, o mainstream econômico tradicional se viu pressionado a incorporar em seu esquema analítico considerações acerca da problemática ambiental. Isso porque o sistema econômico é visto com a principal fonte de pressão sobre o meio ambiente, sendo necessário, pois, que a análise econômica dominante apresentasse respostas sobre suas fissuras no trato dos sistemas naturais. Desta forma, encontram-se os primeiros esforços da economia neoclássica para modificar, nesse aspecto, as bases de seu esquema analítico.

À despeito, realizaram-se apenas adaptações da teoria convencional, ou seja, evitaram-se mudanças bruscas no arcabouço existente. Como resultado, firmou-se uma nova corrente de pensamento expressa na Economia Ambiental, com dois escopos de compreensão, economia do meio ambiente (teoria da poluição) e economia dos recursos naturais, desenvolvidos como um campo de especialização no mainstream neoclássico.

As teorias clássicas da produção propiciaram os fundamentos essenciais da teoria dos recursos naturais, enquanto a análise do meio ambiente (economia da poluição), tem suas origens nas teorias neoclássicas da utilidade e do bem-estar. No âmbito da economia do bem-estar, Pigou (1920) introduziu os fundamentos da teoria padrão das externalidades. A partir daí, são propostas tentativas que buscam situar as externalidades ao ótimo paretiano.

Nesse sentido, a economia do meio ambiente se consubstancia, na maior parte das vezes, numa economia da poluição, que trata os problemas associados à poluição através da internalização das externalidades. O problema surge quando existem perdas de utilidade ou satisfação dos agentes econômicos que não são reguladas pelos mecanismos de mercado, isto é, a perda de bem-estar ocorre por não ser objeto de um pagamento monetário compensatório. Para essa corrente, a internalização ocorreria pela valoração econômica da degradação ambiental e posterior taxação, conhecida pelo nome de solução pigoviana da externalidade, ou diretamente, eliminando o caráter público desses bens e serviços pela definição de direitos de propriedade sobre eles, a chamada negociação coaseana (Faucheux; Noël, 1995).

Para além de suas diferenças, Pigou (1920) e Coase (1960) compartilham a base analítica microeconômica neoclássica tendo como resultado a determinação de um ótimo paretiano, que surge como um ótimo econômico da poluição, situado entre o nível alto de poluição, na ausência de internalização da externalidade, e o nível zero de poluição, defendido pela ecologia.

Pigou acreditava que a poluição causa danos a terceiros e como os sistemas econômicos orientados pelo mercado não conseguiam contabilizar as externalidades, e dessa forma requerer que o poluente pague por estes danos, a intervenção para internalizar uma externalidade seria justificada (Romeiro, 2011).

No pensamento coasiano, a solução passa pela criação de direitos de propriedades para o capital natural, isto é, não defende a atuação do Estado na internalização das externalidades. Assim, o que o autor defende seria uma negociação entre os agentes com o propósito de estabelecer um ótimo de poluição2. Assume, ainda, a ideia de que nem todas as externalidades negativas são indesejáveis, pois algumas gerariam ganho superior à perda ambiental (Faucheux; Noël, 1995).

No campo da Economia Ambiental voltada para os recursos naturais, destacam-se a teoria dos recursos renováveis e a teoria dos recursos esgotáveis, onde os trabalhos de Gray (1914) e Hotelling (1931) exprimem o pilar dessa proposição. Embora Gray e Hotelling tenham escrito durante o período de guerra e da depressão, isto é, no momento em que outros objetivos econômicos eram prioritários, somente nos anos 1970 esses trabalhos ganham respaldo e ressonância.

A economia dos recursos naturais considera o meio ambiente sob o enfoque de provedor de recursos ao sistema econômico. Nesse ramo da teoria ambiental neoclássica, busca-se responder a questões referentes ao padrão ótimo de uso desses recursos, qual o manejo adequado dos recursos renováveis e qual a taxa ótima de redução dos recursos não renováveis. A questão central, pressuposta na abordagem da economia dos recursos naturais, é se o seu caráter finito pode se tornar um obstáculo à expansão do sistema econômico (Andrade, 2008).

Nessa abordagem, o uso dos recursos naturais deve ser resolvido através de um problema de alocação intertemporal de sua extração, que marca a interação sistema-ambiente, usando-se os conceitos de custo de oportunidade e desconto para se determinar a taxa ótima de extração. A diretriz essencial para se determinar a taxa ótima de extração de um recurso está sintetizada na chamada Regra de Hotelling, a qual aponta que, em equilíbrio, o valor de uma reserva de determinado recurso deve crescer a uma taxa igual à taxa de juros (Faucheux; Noël, 1995).

Com relação aos recursos renováveis, estes passam por uma teorização a partir da crise ambiental nos anos 1970, incorporando modelos dinâmicos de otimização, oriundos dos trabalhos de Hotelling, que tinham sido desenvolvidos pela teoria dos recursos esgotáveis, como discutido anteriormente. Para estes recursos, a ideia é que se tem não só a possibilidade de explorar recursos renováveis indefinidamente, mas também investir, dentro de certos limites, nestes recursos, explorando-os abaixo do seu limiar de sustentabilidade (Faucheux; Noël, 1995).

Portanto, como observado, a maioria dos economistas que abordam o meio ambiente e os recursos naturais na tradição neoclássica não cessam de manter a confiança nos mecanismos de mercado a fim de garantir o melhor uso desses recursos.

No entanto, considerando a análise dos recursos não-renováveis, seria possível um crescimento equilibrado a longo prazo? Diante dessa questão, a análise neoclássica assume que sim, a sustentabilidade será alcançada. Para isso basta que haja substitutibilidade e que ocorra progresso tecnológico.

Os trabalhos de Solow (1974) e Stiglitz (1974) são representativos desse tipo de abordagem. Os recursos naturais (como fonte de insumos e como fonte de serviços ecossistêmicos) não representam um limite à expansão da economia no longo prazo.

A perfeita substitubilidade entre capital, trabalho e recursos naturais permitirá que os limites da disponibilidade de recursos naturais podem ser superados pelo avanço e progresso científico e tecnológico. Logo, o sistema econômico seria capaz de se mover de uma base de recursos para outra, à medida que cada uma é esgotada, sendo o progresso tecnológico o fator que permitiria o crescimento econômico no longo prazo. Nesse entendimento, a emissão de resíduos tenderia a zero com o crescimento indefinido da eficiência no uso de recursos naturais. Nesse caso, o processo de crescimento econômico se separa progressivamente da sua base material/energética, a economia funciona num mundo onde não existe a Lei da Entropia, essa abordagem ficou conhecida na literatura como sustentabilidade fraca (Romeiro, 2003).

Em suma, essa combinação de substitubilidade e progresso tecnológico, em conjunto eliminaram as incertezas da Economia Ambiental neoclássica quanto à possíveis limitações ao crescimento da disponibilidade de recursos naturais e da capacidade de absorção de rejeitos do ecossistema, e assim, essa perspectiva volta a considerar que as barreiras ecológicas à economia nunca são absolutas.

2 A mudança de paradigma à partir da Economia Ecológica

A definição do escopo da economia coloca como centro das atenções a busca por melhor alocação dos recursos escassos, a partir de escolhas eficientes, objetos de estudo da teoria neoclássica. A Economia Ecológica surge trazendo uma ruptura a esse pensamento e propondo a quebra de paradigmas da ciência econômica no que se refere à forma em que a variável ambiental é inserida em suas análises, considerando que os macrossistemas econômicos e sociais não devem e não podem ser interpretados sob bases epistemológicas mecanicistas.

Mesmo com a introdução da variável ambiental nos modelos econômicos, através de adaptações da teoria neoclássica, não há rupturas mais estruturais, pois se buscam: a internalização da externalidade, considerando a possibilidade de se estabelecer o ótimo econômico da poluição, além da proposta da valoração econômica do impacto ambiental dos processos produtivos, a solução pigoviana da externalidade (economia da poluição); o manejo adequado dos recursos renováveis e os não-renováveis, levando em consideração a alocação intertemporal da sua extração, a partir do conceito de custo oportunidade (economia dos recursos naturais).

É em meio aos estudos de orientação neoclássica que Georgescu-Roegen, matemático e estatístico, por influência de Schumpeter, estende suas preocupações ao estudo da economia. Sua formação permitiu que se aprofundasse nos estudos de Pareto, tendo se dedicado também às leituras do pesamento econômico hegemômico (Cechin, ٢٠١٠).

Tais questionamentos serão a base para novas proposições que se tornariam um ponto de inflexão nas interpretações das relações entre crescimento econômico e meio ambiente, onde se propõe um novo pensar para a economia, abandonando a metáfora da mecânica clássica, com o sistema fechado e circular, tão presente no arcabouço teórico dos economistas da época.

Para Georgescu-Roegen (1971), não havia como conceber a economia a partir de um sistema que não considerasse aspectos externos ao modelo e que interferiam na sua própria eficiência, considerando-o com total conservação de energia, passando a observar que outra área da física (não mais a mecânica), a termodinâmica explicava mais e melhor a dinâmica do sistema econômico.

A epistemologia mecanicista, à qual a economia analítica se apega desde o seu nascimento, é a única responsável pela concepção do processo econômico como sistema fechado ou fluxo circular. [...] nenhuma outra concepção poderia estar mais distante de uma interpretação correta dos fatos. Mesmo que se leve em consideração apenas a faceta física do processo econômico, esse processo não é circular, mas unidirecional. [...] o processo econômico consiste em uma transformação contínua de baixa entropia em alta entropia, isto é, em irrevogável, desperdício ou, com um termo tópico, em poluição. A identidade dessa fórmula com a proposta por Schrödinger para o processo biológico de uma célula ou organismo vivo justifica aqueles economistas que, como Marshall, gostam de analogias biológicas e até sustentam que a economia “é um ramo da biologia amplamente interpretado”. (Georgescu-Roegen, 1971: 281, tradução das autoras).

No sistema pensado pelo autor, portanto, há que se transportar a essência da primeira lei da termodinâmica, para observar os fenômenos econômicos, onde não se pode criar nem destruir matéria ou energia. Nesse processo, os fluxos de matéria e energia oriundos da natureza ou de sistemas produtivos que lhes antecederam (inputs), por conseguinte recursos de maior qualidade (baixa entropia), são transformados em produtos finais e também em resíduos de baixa qualidade, não aproveitados pelo sistema (outputs), com menor disposição para reutilização, por essa razão, de alta entropia (Georgescu-Roegen, 1971).

Deste modo , “a degradação da energia tende a um máximo em sistema isolado, e que tal processo é irreversível.” (Cechin; Veiga, 2010: 441). Assim, verifica-se que o lado material do sistema econômico é aberto e unidirecional. A contribuição de Georgescu-Roegen (1971) apresenta, portanto, o processo econômico do ponto de vista entrópico; a entropia é crescente e irreversível, posto isso, o tempo3 também pode ser medido por essa lei.

Não seria possível considerar que a economia fosse capaz de operar como um moto-perpétuo, ou seja, que a energia da máquina do trabalho fosse retroalimentada indefinidamente utilizando a mesma energia, pois isso contrariaria a termodinâmica. A forma que os neoclássicos analisam as questões de sustentabilidade viola especialmente a lei da entropia que, assim como a lei da inércia de Isaac Newton, é irredutível na natureza (Georgescu-Roegen, ١٩٧١).

Essa nova forma de ver a realidade, portanto, foi fundamental para a desconstrução feita por Georgescu-Roegen da análise mecanicista neoclássica, de que o sistema econômico não tem limites, é autossuficiente e pode tudo. Não há custo oportunidade para a sua expansão. Tratam-se os impactos ambientais como fenômenos externos ao sistema econômico, vistos como falhas de mercado. São consideradas, ainda, externalidades que podem, através de métodos adequados, serem internalizadas a partir da sua quantificação monetária, compondo o sistema de preços, como forma de corrigir tais falhas (Cavalcanti, 2010).

A analogia do sistema econômico com o funcionamento do corpo humano, originado ainda nos fisiocratas, portanto, vai além do sistema circulatório. Desse modo, deve-se considerar nessa analogia, também, o processo produtivo a partir do sistema digestivo, em que ocorre o metabolismo.

Mesmo em um cenário de constatação da necessidade de se pensarem modelos de desenvolvimento que não mais ignorem os limites naturais ao processo de acumulação, a ortodoxia de influência neoclássica ainda projeta a economia como o centro dos sistemas e, por conseguinte, confere-lhe a primazia dos estudos acadêmicos.

Georgescu-Roegen (1975), de forma audaciosa, tendo em vista o predomínio dessa visão ortodoxa, fechada e centralizadora dos estudos econômicos, afirma:

[…] o domínio fenomenal coberto pela ecologia é mais amplo do que aquele coberto pela economia – a economia terá que se fundir com a ecologia, se a fusão algum dia ocorrer. [...] a atividade econômica de qualquer geração tem alguma influência sobre a das gerações futuras - os recursos terrestres de energia e materiais são irrevogavelmente esgotados e os efeitos nocivos da poluição sobre o meio ambiente se acumulam. Um dos problemas ecológicos mais importantes para a humanidade, portanto, é a relação da qualidade de vida de uma geração com a outra - mais especificamente, a distribuição do dote da humanidade entre todas as gerações. A economia não pode nem sonhar em lidar com esse problema. O objeto da economia, como muitas vezes foi explicado, é a administração de recursos escassos (Georgescu-Roegen, 1975: 374, tradução das autoras).

O modo de ver as questões ambientais, em que considera a ecologia como estudo mais amplo, inclusive propondo que a economia teria que ser fundida à ecologia, traz consigo uma importante constatação que renderia a Georgescu-Rogen, segundo Cechin (2010), o seu banimento da economia, como expresso na publicação da 10ª edição, de 1976, do livro Economics de Samuelson, onde estudantes e professores de economia foram advertivos que Georgescu-Roegen não poderia ser mais aceito no campo econômico, por ter se embrenhado na “obscura ecologia”.

Além disso, Georgescu-Roegen (1975) ressalta como problema mais importante para humanidade a preocupação com às gerações futuras, enfatizando que não adianta pensar em eficiência na alocação dos recursos escassos, sem considerar as próximas gerações e a manutenção da qualidade de vida no longo prazo. Observar que essa ideia é, pois, apropriada, nos anos 1980, pela necessidade da própria engrenagem do sistema de produção dominante de incorporar preceitos do ecodesenvolvimento e da sustentabilidade, o que viria à caracterizar o desenvolvimento sustentável como “aquele capaz de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem às suas próprias” (CMMDA, 1988: 46).

“Na cosmovisão da economia tradicional [sic], cartesiana, iluminista, nenhum papel é atribuído ao sistema ecológico. A natureza é vista aí como um almoxarifado gigante, sendo tratada como serva dos humanos” (Cavalcanti, 2017: 61). O novo modo de ver a economia traz em si a ampliação da visão do problema ambiental, causado pelo crescimento econômico e fortalecido pela avidez do consumo de novos e, cada vez mais, descartáveis produtos. Nessa vertente, dá-se relativo destaque à ecologia, diferentemente da busca por respostas nas próprias teorias econômicas da alocação eficiente de recursos. Cavalcanti (2017) classifica a economia convencional como “visão econômica da economia” e as novas proposições como “visão ecológica do sistema econômico”.

Em Georgescu-Roegen (1971), o objetivo principal da atividade econômica é a autopreservação da espécie humana, exigindo a satisfação de algumas necessidades básicas e elementares, puramente biológicas e indispensáveis para a sobrevivência, não sujeitas à evolução. No entanto, segundo o autor, a sociedade de consumo esqueceu desse fato elementar da vida econômica, enveredando pela busca de luxo extravagante, alcançado por muitas sociedades passadas e presentes.

A contribuição de Georgescu-Roegen às discussões acerca do crescimento econômico e dos impactos sobre o meio ambiente serviu de base para o arcabouço teórico da Economia Ecológica, corrente de pensamento que se construiria a partir dos anos de 1970, com o agravamento da crise ambiental. Segundo Cechin (2010), apesar de Georgescu-Roegen nunca ter adotado a expressão Economia Ecológica, seus estudos são considerados como linha demarcatória entre o que atualmente se considera como Economia Ecológica e os estudos ambientais da economia neoclássica.

Cabe ressaltar que apesar da perspectiva de uma sustentabilidade ser apontada pelas novas contribuições de orientação neoclássica da década de 1970, através da Economia Ambiental (sustentabilidade fraca), é no seio dos contributos da Economia Ecológica que uma nova perspectiva da sustentabilidade é percebida. Sob tal interpretação,

[…] o problema da sustentabilidade se insere na problemática geral da entropia material e energética crescente de um lado, frente à capacidade dos organismos vivos em manterem o seu nível de entropia baixo do outro. (...) A insustentabilidade surge quando a degradação entrópica suplanta a capacidade dos seres vivos em assegurar uma baixa entropia, ou seja: a base material e energética da visa vai se reduzindo (Stahel, 2009: 116-117).

Daly (1991) defende que seria desejável que, de alguma forma, atingíssemos um estado estacionário da economia. Na sua visão, esse estado, diferentemente dos economistas clássicos, seria definido no ponto em que o estoque de riqueza física (capital) e de pessoas (população) fosse mantido constante, e a taxa de throughput4 fosse mantida abaixo da capacidade de absorção e de regeneração do ecossistema, podendo ser esse o limite que não deveria ser ultrapassado. O autor ainda complementa que a preocupação primeira deveria ser com a escala máxima do sistema econômico e com a distribuição justa dos recursos. Só após esses dois problemas estarem equacionados é que a eficiência alocativa deveria ser pensada. Esse pensamento forma uma base importante para o desenvolvimento da Economia Ecológica.

Segundo Shwarz (2009), os três axiomas da Economia Ecológica são: o ambiente ou capital natural, fator originário da produção dos bens e serviços e o sumidouro dos resíduos do funcionamento da economia; as relações entre o capital natural e o capital produzido são basicamente de complementaridade e só marginalmente são de substituição ou de rivalidade; os recursos naturais são escassos, o que significa que atuam como fatores restritivos da acumulação do capital e do crescimento do produto.

Desse modo, Hauwermeiren (1998), ao considerar as limitações e importância do capital natural na produção de bens e serviços, bem como a capacidade da natureza em absorver os resíduos, apresenta relevantes recomendações da Economia Ecológica, também extensivas aos demais axiomas:

Utilizar recursos renováveis (como pesca, lenha[sic] etc.), a uma taxa que não deve ultrapassar a sua taxa de regeneração; usar recursos esgotáveis (como petróleo, carvão), a uma taxa não superior à sua substituição por recursos renováveis; gerar resíduos apenas na quantidade que o ecossistema é capaz de assimilar ou reciclar; Conservar a diversidade biológica (Hauwermeiren, 1999: 76, tradução das autoras).

É difícil conceber que avanços tecnológicos sejam capazes de promover a substituição do capital natural pelo capital produzido em montante suficiente para garantir a preservação do meio ambiente e o bem-estar de todos que habitam o planeta. As recomendações de Hauwermeiren (1999) apontam um outro tipo de substituição, recursos não-renováveis (petróleo) pelos renováveis. Portanto, é pouco provável, por exemplo, que surja uma fonte energética que não seja basicamente originária da natureza. As fontes renováveis também possuem passivos ambientais relevantes, que não podem ser negligenciados. Mesmo ocorrendo tal substituição, não se pode desconsiderar a escassez dos recursos naturais; ainda que se argumente a possibilidade de utilização, por exemplo, da energia solar e eólica, há de se considerar os recursos de produção de equipamentos para a sua geração e distribuição, igualmente escassos e geradores de impactos ambientais, nos aspectos naturais e sociais.

Outra discussão presente nos estudos da Economia Ecológica, refere-se ao decrescimento sustentável, podendo ser definido como uma redução equilibrada entre produção e consumo, que ao mesmo tempo proporcione um bem-estar aos seres humanos, aliado a melhorias ecológicas, promovendo equidade no planeta, no médio e o longo prazo. Vale destacar que isso não significa apenas uma redução quantitativa no PIB per capita. Além disso, o termo “sustentável” significa o equilíbrio também com os aspectos sociais e ambientais, não se configurando que este processo de decrescimento deva seguir de forma indefinida (Schneider; Kallis; Martínez-Alier, 2010).

Esta proposta se apresenta como mais ousada no sentido de contrapor a dinâmica do próprio sistema capitalista, advogando a favor de que a redução das emissões de CO2 (p. ex.) ocorrerá com a retração no nível das atividades econômicas, sobretudo aquelas que são mais prejudiciais ao meio ambiente. Portanto, a discussão é complexa e denota a necessidade de se ir além da restrita abordagem economicista do problema, não sendo apenas estudar a ecologia sob a perspectiva econômica.

Para Daly e Farley (2004), a tentativa de se unir a economia com a ecologia basicamente baseia-se em revisitar três estratégias: imperialismo econômico, reducionismo ecológico e subsistema estável. A primeira refere-se à abordagem neoclássica, que propõe a internalização de todos os custos externos e benefícios nos preços de mercado dos produtos. A segunda estratégia tenta explicar tudo que acontece dentro do subsistema econômico, a partir dos mesmos princípios naturalistas que se aplicam ao resto do ecossistema, reduzindo o subsistema econômico a nada, apagando os seus limites. A terceira não tenta eliminar os limites dos subsistemas, seja por meio da sua expansão, para coincidir com o sistema todo (primeira estratégia), seja para reduzir a nada (segunda estratégia). Propõe, portanto, que se estabeleça o limite ótimo em que a “produção através da qual o ecossistema mantém e renova o subsistema econômico tem de ser ecologiamente sustentável” (Daly; Farley, 2004: 88).

A Economia Ecológica, portanto, vai muito além da fusão entre economia e ecologia. A complexidade em que os problemas se apresentam na atualidade exigem síntese e ferramentas das ciências sociais, naturais e humanísticas, portanto, propõe visão orgânica, holística e socioambiental da realidade, deixando de lado o sistema econômico como mecanismo, considerando-o como um sistema complexo, onde os circuitos naturais interagem com os circuitos sociais e econômicos, e vice-versa. Portanto, admitindo que a sociedade humana está inserida num sistema maior, aberto, interativo, e não num vazio ecológico, questionando sempre a capacidade de carga da natureza. A economia, nessa nova visão, é um instrumento que transforma meios intermediários em fins que proporcionam o bem-estar das populações (Cechin, 2010; Cavalcanti, 2017; Daly; Farley, 2004).

Em Daly e Farley (2004), a complexidade das discussões que perpassam a crise ambiental revela que não se podem buscar alternativas simplistas e/ou paleativas, como as soluções encontradas pela economia tradicional, mantendo as ciências isoladas e hierarquizadas. O problema exige um pensar diferente, a partir da desconstrução de saberes ultrapassados e fora da realidade, dando espaço para o surgimento de novos olhares, novas interpretações, enfim, da quebra de paradigmas com novos métodos científicos. Essa mudança, no entanto, revela-se como desafiadora para os pesquisadores que se aventuaram nessa seara, sobretudo aqueles da ciência econômica.

O caminho a ser percorrido na tentativa de se elaborar um arcabouço teórico que de fato permita reconstruir, desde a forma em que se vê e se analisa essa realidade, enquanto problema, até a proposição de soluções capazes de minimizar ou solucioná-lo, é complexo e exige uma visão holística. Portanto, deve-se, antes de tudo, corrigir a visão, sendo necessário para isso um novo ato cognitivo pré-analítico (Daly; Farley, 2004).

O paradigma simplista do equilíbrio é constantemente reconhecido, bem como a visão mecanicista do mundo, pois não considera a irreversibilidade das trasnformações do mundo real provocadas pelo homem. Desse modo, é fundamental considerar dois tipos de complexidade: a do ecossistema e a humana. Além disso, reconhecer a sua interação, abandonando a ideia de estudar a “ecologia sem homem” e o “homem sem ecologia”. Ao considerar essa interação, os estudos dos ecossistemas se tornam muito mais complexos, pois não há como desconsiderar as mutações provocadas pela ação antrópica. “O pensamento ecológico é um pensamento complexo-multidimensional e radical, porque se baseia num princípio radical de auto-eco-organização e/ou auto-eco-produção” (Pena-Veiga, 2003: 77).

No entendimento da necessidade de considerar a complexidade nos estudos relacionados à Economia Ecológica, sua rejeição à possibilidade de exteriodicidade ou totalidade única, considerando-se o sistema econômico como materialmente aberto, cabe recorrer a Morin, a partir da sua concepção do paradigma da complexidade5.

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando os elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade (Morin, 2000: 38).

A complexidade sistêmica manifesta-se, sobretudo, no fato de que o todo possui qualidades e propriedades que não se encontram no nível das partes consideradas isoladas e, inversamente, no fato de que as partes possuem qualidades e propriedades que desaparecem sob o efeito das coações organizacionais do sistema (Morin, 2005: 291).

A noção de complexidade para o estudo dos problemas amplia a perspectiva de busca de soluções a partir da interação das diversas ciências, sendo aqui a noção do conhecimento científico dominante duramente atacada, já que considera basicamente a racionalidade científica e seu processo de simplificação unidimensional, sem o reconhecimento e apreensão da complexidade do real (Morin, 2001). O pluralismo metodológico6 também se apresenta como possível caminho epistemológico na condução de pesquisas e propostas de intervenção necessárias para o desenvolvimento dos estudos da Economia Ecológica.

É nesse percurso que Saes e Romeiro (٢٠١٨) apontam dois posicionamentos distintos acerca do pluralismo metodológico proposto para a Economia Ecológica. De um lado, há aqueles que discordam dessa metodologia por considerá-la uma forma de tornar esse campo menos crítico, reforçando indefinições em suas discussões. Para que se alcance sucesso, segundo esse pensamento, os estudos devem atentar para as suas contradições e incoerências teóricas, inclusive do crescente uso de procedimentos da economia neoclássica. Tornando-se difícil a sua consolidação enquanto campo de paradigma econômico alternativo. Em outra via, aqueles favoráveis ao pluralismo metodológico consideram que houve uma má interpretação e que este método deveria ser crítico ou estruturado. “O pluralismo seria uma posição favorável para lidar com os objetos econômico-ecológicos, porém, somente se fosse coerente com a visão ontológica epistemológica da área” (Saes; Romeiro, 2018: 134).

Seguindo esse entendimento, na tentativa de se construir um saber ambiental, Capra (2006) ressalta a necessidade de se conduzir uma abordagem sistêmica, em que o entendimento das partes somente poderá ocorrer a partir da organização do todo. Esse pensamento sistêmico deve ser contextual, ou seja, considerando um todo mais amplo, sendo oposto ao pensamento analítico, que busca isolar algo a fim de entendê-lo.

Leff (2007) indica como grande desafio socioambiental o rompimento de um pensamento único e unidirecional, em que se busca um progresso sem limites, às custas da exploração da natureza. Para o autor, não é suficiente que se firmem acordos e convenções, pois acabarão em seguir as mesmas conduções racionais e econômicas. Deve-se, portanto, buscar outras formas de compreender a vida e a complexidade do mundo, além de se definir uma nova ética que seja capaz de efetivamente transformar o forma de se viver.

Há, portanto, no bojo das discussões acerca da problemática ambiental, um grande risco de mercantilização da natureza, caminho esse que deve ser evitado. O grande desafio que se apresenta no campo da ciência econômica, mesmo reconhecendo que as contribuições da Economia Ecológica se aproximam das análises econômicas do paradigma da complexidade, é a incompatibilidade epistemológica da matriz teórica proposta com os paradigmas dominantes. No entanto, esse modo de pensar as ciências é fundamental ao propor percursos reais e atualizados, a partir da busca por soluções em condições de harmonia, cooperação e solidariedade entre sociedade e natureza (Caro-Ramirez, 2016; Alves, 2013).

Breves apontamentos e implicações para questões climáticas

A realidade da mudança climática global, com eventos extremos cada vez mais frequentes e espraiados pelo mundo, associada ao potencial colapso de processos ecológicos que sustentam nossas sociedades, demonstram situações de incerteza e vulnerabilidade, que colocam em risco a própria humanidade.

Nesse sentido, as respostas institucionais buscam a construção de cenários que permitam atenção para a rápida e intensa mudança nos padrões de consumo e crescimento, de modo a evitar o colapso. Os relatórios do Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC da ONU atestam que o quadro não é apenas dramático, mas os sintomas de desequilíbrio estão em aceleração, com projeções cada vez mais alarmantes sobre a gravidade da situação climática (IPCC, 2018; 2022).

Considerando as alternativas de enfrentamento à luz dos pressupostos das economias ambiental e ecológica, analisados neste ensaio, é possível identificar, nos cenários construídos, a oposição existente no debate acadêmico entre as duas correntes. Na perspectiva da Economia Ecológica, o cenário ideal seria um crescimento da atividade econômica de modo equilibrado ou decrescimento; foco no desenvolvimento tecnológico direcionado para geração de energia “limpa”; além da busca pela equidade social. Por outro lado, os pressupostos da Economia Ambiental defendem a otimização da alocação dos recursos e maximização dos lucros, pautados nas soluções de mercado e confiança que os avanços tecnológicos possam trazer respostas para o problema ambiental. Essa última corrente possui maior aceitação no debate político, e em instituições cientificamente influentes.

Para Langer (2017), há que se considerar a enorme capacidade que o capitalismo tem de criar riquezas e mercadorias, e para isso mobilizar meios técnicos, intelectuais, materiais e financeiros em grande montante. No entanto, ele também é capaz de ignorar os efeitos catastróficos, exaustivamente prenunciadas a partir de pesquisas realizadas por diversas áreas do conhecimento. Robbins (2020) acrescenta que tal realidade, e outros impactos ambientais potencialmente catastróficos e totalmente determinados pela ação humana, impulsionaram visões divergentes de futuros possíveis .

Historicamente, nos eventos internacionais, o capital tem vencido, posto que as alternativas discutidas, formuladas e regulamentadas, não superam a esfera do mercado7. O capital conseguiu lucrar em cima da necessidade concreta de enfrentamento das causas da crise climática, pela apropriação mercadológica das medidas de enfrentamento voltadas ao desenvolvimento sustentável, como é o caso, por exemplo, da mercantilização do crédito de carbono.

Os debates em torno da valoração econômica dos recursos ambientais são encontrados tanto na Economia Ambiental quanto na Economia Ecológica, no entanto, esta última considera outros aspectos, além do valor monetário, mas há em ambas as correntes a preocupação em se utilizar metodologias que possam fazer estimativas desses valores cada vez mais aproximado.

Diante disso, Tinch (2018) argumenta se tais técnicas, mesmo considerando a complexidade de cada área e de partirem de suposições válidas para a avaliação do meio ambiente, são suficientes para capturar todos os aspectos envolvidos no problema da valoração econômica do meio ambiente. Diferentes aplicações em diferentes contextos sociais e políticos também podem evocar diferentes objeções éticas e práticas. Ademais, conceitos como irreversibilidade, incertezas quanto ao futuro, custo de oportunidade de degradar (ou preservar), assim como a importância de empreender a ação são de fato captados por tais técnicas de valoração?

A Economia Ecológica, por sua vez, assume o apelo por um padrão de consumo sustentável e a proposta de uma economia sem crescimento, dentre outros. No que se refere à narrativa do decrescimento, esta tornou-se um termo deslumbrante nas críticas ao capitalismo. O conceito desafia a suposição de que o crescimento econômico deixa as pessoas em melhor situação, e adota como discurso a ideia de que uma redução equitativa do rendimento levaria, concomitantemente, à garantia de bem-estar.

Tal narrativa, ao colocar o crescimento como maior problema, torna-se limitada, pois não considera a estrutura do sistema. Conforme Mastini, Kallis e Hickel (2021), uma das hipóteses do decrescimento é que o PIB pode cair e, no entanto, a qualidade de vida pode melhorar, por causa de uma redução nas atividades produtivas e de consumo em grande escala e intensivas em recursos.

As discussões que buscam soluções para o grave problema ambiental vão, portanto, desde propostas que apontam para caminhos dentro da própria dinâmica imposta pelo sistema capitalista, alinhada à Economia Ambiental, até outras que propõem ruptura na estrutura desse sistema ao indicar como saída o decrescimento, mais voltada para a Economia Ecológica. O primeiro argumento está embasado no entendimento que a manutenção do crescimento econômico e, por conseguinte, a acumulação do capital, apresenta-se como necessária para o financiamento de inovações tecnológicas voltadas para uma rápida descarbonização.

Mastini, Kallis e Hickel (2021) destacam, dentro dessa discussão, as proposições do Green New Deal (GND)8 e o que preconiza o decrescimento. O GND consiste numa proposta surgida nos Estados Unidos, com discussões iniciadas nos meios acadêmico e político desde a década de 1990, mas que em 2007 foi introduzida no mainstream, durante os debates das eleições presidenciais dos EUA de 2008, incorporado ao projeto de Barack Obama e implementada em 2009. Seria, portanto, uma proposta de estimular as descobertas e utilização de inovações tecnológicas direcionadas, sobretudo, para a energia limpa, a partir de um grande projeto industrial, mantendo-se o crescimento econômico, portanto, na perspectiva da Economia Ambiental. A oposição a esse pensamento indica que os objetivos ambientais somente poderiam ser alcançados com o decrescimento.

A primeira fase dessa proposta é considerada no GND ١.٠, caracterizando-se por um exercício tecnocrático na elaboração de propostas de política de cima para baixo para reiniciar a economia após a crise financeira de ٢٠٠٩, a partir da adoção da abordagem da modernização ecológica, com investimentos em tecnologia verde, tendo por base, principalmente, o investimento capitalista por meio de financiamento de P&D, subsídios moderados e precificação do carbono (Mastini; Kallis; Hickel, 2021).

A segunda fase do GND (GND 2.0) se inicia com a resolução do Green New Deal, co-assinada por 111 legisladores federais dos EUA, sendo endossada pela maioria dos líderes presidenciais do Partido Democrata em 2020, e fora apresentada pela congressista Ocasio-Cortez e pelo senador Markey; constitui-se como o primeiro programa que, ao mesmo tempo, propõe a mitigação das mudanças climáticas e a eliminação da desigualdade econômica, podendo ser adotada como política em uma grande economia (Galvin; Healy, 2020). 

Muitos questionamentos surgem também quando se abordam tais proposições, especialmente no que se refere: à eficiência e viabilidade dessas propostas; se é possível reduzir os níveis de impacto ambiental dentro da lógica do sistema capitalista; e o papel do Estado e do setor privado no desenvolvimento e implementação das propostas. Além disso, a reflexão que se apresenta e perpassa essas discussões é se há possibilidade de obter avanços na redução dos problemas ambientais sem igualmente atacar de frente às desigualdades sociais.

Mastini, Kallis e Hickel (2021), ao apresentar o GND e o decrescimento como duas visões distintas, mas com pontos de convergência, para que se tenha uma descarbonização mais rápida, apontam também como possibilidade a união dessas propostas, a partir da incorporação das ideias do decrescimento ao Green New Deal, portanto, um GND sem crescimento.

No entanto, o decrescimento é um ideal altamente especulativo sem ancoragem prática, pelo menos a partir do nosso mundo atual. Ademais, segue sendo culturalmente pouco desejável dentro do sistema capitalista, já que o crescimento econômico faz parte da lógica estrutural do processo de acumulação de capital.

Considerações Finais

A Ciência Econômica, na busca por respostas que indiquem como evitar o agravamento da crise ambiental, apresenta-se num embate epistemiológico importante, que merece uma atenção mais acurada, com proposições que de fato conduzam a ações efetivas que permitam uma caminho em prol da sustentabilidade ambiental e equidade social, para além da escala estritamente econômica. Desse modo, indaga-se: há realmente risco de um iminente colapso ambiental ou isso depende de avanços tecnológicos que promovam maior eficiência dos processos? O fato é que não há como prever com exatidão que tais progressos da ciência aconteçam a tempo e a que custo socioambiental. É necessário definir o limite, a escala ótima, em que a economia esteja compatível com a disponibilidade de recursos naturais.

A modernização ecológica coloca no próprio sistema capitalista a possibilidade de encontrar saídas para as questões ambientais. Além disso, é apontada também como solução até para a problemática social, a partir da geração de emprego. A inclusão da relevância que deve ser dada a participação de vários atores sociais, sejam das esferas públicas ou privadas, talvez seja um passo importante nessa discussão. No entanto, cabe a reflexão sobre o grau de autonomia e competência desses atores e como será possível uma modernização ecológica eficiente e eficaz.

O grave problema do aquecimento global e as dificuldades encontradas pelos países no cumprimento de suas metas ambientais, sobretudo em relação à redução da emissão de carbono, estabelecidas em vários acordos internacionais, tem ampliado o alerta sobre a importância de ações cada vez mais globais e conjuntas, a partir da inserção de atores sociais relevantes nessa discussão.

O cumprimento de metas ambientais estabelecidas para os países devem garantir que estas sejam atingidas sem transferir o passivo ambiental para outros países mais pobres. Esse movimento tem embasamento na teoria do intercâmbio ecologicamente desigual e nos estudos empíricos que a corroboram. É imprescindível compreender e ponderar que o planeta é finito e que não é possível se isolar numa “bolha” ambientalmente equilibrada em detrimento de outras áreas mais degradadas.

A crise ambiental dos anos 1970 surge como apenas uma das faces de uma crise mais geral da sociedade industrial, englobando as crises social, econômica e político-ideológica, mas sem dúvidas, impulsiona a mais relevante ruptura de paradigma no que tange ao tratamento do capital natural pela economia, através da Economia Ecológica, que se apresenta como promissora área de estudo. No entanto, é míster que tais estudos indiquem desde caminhos de como romper os paradigmas presentes na sociedade, no que se refere ao modo de conceber o significado real da expressão “bem-estar” – tão presente na história do pensamento econômico e com conotações diferentes dependendo da corrente teórica – até mudanças de atitudes capazes de reverter o preocupante quadro climático da Terra.

A ciência econômica convencional, isolada e ensimesmada, na busca de pseudo soluções capazes de evitar o colapso ambiental, sequer tem conseguido amenizar o avanço do grave problema ambiental. A Economia Ecológica apresenta-se como área de estudo importante ao ampliar a visão e buscar soluções a partir de construção coletiva de várias ciências. Caberia, como sugestão, para futuras pesquisas, veriricar o papel da Educação Ambiental como possível elo entre a teoria e a práxis, na construção de um novo paradigma que supere as dificuldades e limitações da ciência fundamentada no racionalismo, no mecanicismo e no antropocentrismo.

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1 Apesar de parte destes serem resgatados na calidez das discussões dos anos 1970, que lhes garante um novo espaço na literatura econômica, seja em matrizes ainda dominantes ou inspirando reflexões mais seminais e sistêmicas.

2 Muitos dos enunciados do Teorema de Coase explicitam que seus pressupostos somente são válidos em um ambiente em que os custos de transação sejam iguais a zero, isto é, quando a racionalidade é máxima e a informação é ilimitada para ambas as partes. Boa parte das críticas direcionadas ao Teorema de Coase se concentram no fato de que é absolutamente irreal encontrar na concretude esse cenário de custos de transação igual a zero.

3 A categoria tempo, na obra de Georgescu-Roegen, tem apreensões mais complexas, que não se limitam apenas ao aspecto aqui abordado, como por exemplo, no prisma ressaltado por Cechin (2010), sobre a introdução do fator tempo na análise da função produção, onde o produto dependeria de uma série de outras funções relacionadas com o tempo, nos quais participam os fatores de produção (CECHIN, 2010).

4 A tradução de throughput para o português poderia ser “transumo”, o mesmo que fluxo metabólico de um organismo vivo, onde o mesmo assimila recursos externos provindos do meio ambiente, devolvendo a esse a sujeira resultante do metabolismo, depois que a parte útil dos recursos é utilizada (Cavalcanti, 2010).

5 Termo originado a partir das reflexões do filósofo Edgar Morin em contraponto ao paradigma newtoniano-cartesiano (Morin, 2001).

6 “Pluralismo metodológico” é traduzido também por “anarquismo epistemológico”, através de Feyerabend (1975), em contraposição ao “racionalismo”. Essa metodologia se propõe a examinar qualquer concepção, admitindo que exista uma realidade mais profunda por trás do mundo tal como descrito pela ciência, e que as percepções possam ser dispostas de diferentes maneiras; a escolha de uma particular disposição correspondente à realidade não é mais racional ou objetiva que outra (Regner, 1996).

7 A exemplo do modelo econômico que integra mudança climática na análise macroeconômica de longo prazo, desenvolvido por William Nordhaus, da Universidade de Yale, vencedor do prêmio Nobel de economia de 2018.

8 A utilização desse termo, Green New Deal, decorreu em referência ao conjunto de reformas sociais e econômicas (New Deal, entre 1933 e 1937) propostas pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, objetivando reformar e recuperar este país da Grande Depressão. No caso do GND, refere-se a propostas para redução dos impactos ambientais (Mastini; Kallis; Hickel, 2021).