Quando um Bem Privado se Torna um Bem Comum? Considerações a Partir do Caso Ilustrativo da Casa Museu Graciliano Ramos
José Edemir da Silva Anjo, João Arthur Alves de Souza,
Valéria da Glória Pereira Brito y Mozar José de Brito
Resumo
Este estudo se propõe a desdobrar as relações entre os aspectos conceituais de patrimônio cultural como bem comum. A discussão parte das considerações, a partir da análise interpretativista do processo de tombamento em nível federal da Casa Museu Graciliano Ramos, localizada na cidade de Palmeiras dos Índios-AL, patrimônio cultural do estado de Alagoas (AL). Para tanto, o estudo discute, no referencial teórico, os conceitos de Bem Comum e Esfera Pública, a partir do aporte teórico da Teoria do Agir Comunicativo (TAC). E segue discussão, em torno do processo de tombamento de patrimônio cultural, no cenário jurídico brasileiro. Com isso, o caminho metodológico de cunho qualitativo enveredou pelo método histórico para análise documental do processo de tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos. Após apresentação e discussão dos resultados que apontam a formação da esfera pública e constituição desse bem comum, considerações finais do trabalho são apresentadas
Palavras-chave: Bem Comum; Patrimônio Cultural; Casa Museu; Gestão Social; Esfera Pública
Universidade Federal de Lavras. Minas Gerais, Brasil. E-mail: jose.anjo@estudante.ufla.br. ORCID: 0000-0002-5989-1173
Universidade Federal de Alagoas. Barro Duro, Maceió, Brasil. E-mail: j.arthur.ads@hotmail.com
Universidade Federal de Lavras. Minas Gerais, Brasil. E-mail: vgpbrito@gmail.com. ORCID: 0000-0002-4757-0129
Universidade Federal de Lavras. Minas Gerais, Brasil. E-mail: mozarbrito@gmail.com. ORCID: 0000-0001-9891-9688
Recibido: 17/05/2021 Aceptado: 04/11/2021
When does a Private Good Become a Common Good? Considerations from the Illustrative Case of the Casa Museu Graciliano Ramos
Abstract
This study aims to unfold the relationships between the conceptual aspects of cultural heritage as a common good. The discussion starts from the considerations, from the interpretative analysis of the process of tipping at the federal level the Casa Museu Graciliano Ramos, located in the city of Palmeiras dos Índios-AL, cultural heritage of the state of Alagoas (AL). To this end, the study discusses, in the theoretical framework, the concepts of the Common Good and the Public Sphere, based on the theoretical contribution of the Theory of Communicative Action (TAC). And there is a discussion about the process of registering cultural heritage in the Brazilian legal scenario. As a result, the qualitative methodological path has taken the historical method for documentary analysis of the process of listing the Casa Museu Graciliano Ramos. After presenting and discussing the results that point to the formation of the public sphere and the constitution of this common good, final considerations of the work are presented.
Keywords: Very common; Cultural heritage; Museum House; Social Management; Public Sphere
Introdução
Teatros, museus, cinemas, bibliotecas, galerias de artes, dentre outros espaços de expressões artísticas são vistos como espaços que apresentam valores sociais, culturais e também econômicos (Santos & Davel, 2018a; 2018b), e configuram-se como um conjunto de equipamentos culturais (Coelho, 1997). Os equipamentos culturais se configuram como bens culturais, como bens comuns.
Dessa forma, eles passaram a ser reconhecidos como bens patrimoniais pela sua representatividade material e imaterial de uma sociedade. A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 216, conceitua patrimônio cultural bens “de natureza material e imaterial, tomados, individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (Brasil, 2020a).
No Brasil, é recente a consolidação da Política de Patrimônio Cultural Material (PPCM) com ação normativa da portaria nº. 375, de 19 de setembro de 2018, por intermédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), autarquia federal que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. A Constituição estabelece ainda a parceria entre o poder público, o setor privado e a sociedade para a promoção e proteção desse patrimônio.
Tendo em vista essas notas iniciais, busca-se responder o seguinte questionamento: quando um bem privado se torna um bem comum? Para tanto, este estudo se propõe a desdobrar as relações entre os aspectos conceituais de patrimônio cultural como bem comum. A discussão parte das considerações, a partir da análise interpretativista do processo de tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos, localizado na cidade de Palmeiras dos Índios-AL, patrimônio cultural do estado de Alagoas (AL).
Para tanto, o estudo discute no referencial teórico os conceitos de Bem Comum e Esfera Pública, a partir do aporte teórico da Teoria do Agir Comunicativo (TAC) de Jürgen Habermas. E segue discussão em torno do processo de tombamento de patrimônio cultural, no cenário jurídico brasileiro. Com isso, o caminho metodológico de cunho qualitativo enveredou pelo método histórico para análise documental do processo de tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos. Após a apresentação e discussão dos resultados que apontam a formação da esfera pública e constituição desse bem comum, considerações finais do trabalho são apresentadas.
Bem Comum e Esfera Pública a partir da Teoria do Agir Comunicativo
A TAC de Habermas (2012), ao considerar a sociologia como ciência social, leva a explorar a temática da racionalidade. No processo de construção da TAC, o autor apresenta como pressuposto que o saber é proposicional, de forma que para ele a racionalidade está associada à capacidade do sujeito falar e agir. Dessa forma, considera-se que a racionalidade de uma determinada ação passa a ser considerada, a partir da mesma vir a ser fundamentada ao tempo em que possa ser criticada. Cabe ressaltar aqui, diferenciações no agir racional, ao considerar o fato de que a linguagem como meio para essas diferenciações.
Diferente da racionalidade comunicativa, haveria a racionalidade instrumental que recorreria a uma linguagem para alcançar um determinado fim utilitarista, um agir que busca uma finalidade, que difere da pretensão de verdade da racionalidade comunicativa com o bem comum. Habermas (2012), considera ainda um terceiro agir, em que o sujeito fundamenta seu agir racional com base em normas e fundamentos sociais legitimados, o agir regulado por normas.
O quarto e último agir racional está relacionado com o fato de o sujeito vir a expressar e a exteriorizar um estado de espírito, de uma experiência, uma autorrepresentação, o agir dramatúrgico. Ambas as racionalidades podem vir a ser fundamentadas e criticadas. Com isso, para que a proposição acima seja considerada racional, ela requer que haja compreensão e reconhecimento, por parte dos sujeitos envolvidos nesse mundo da vida, dos valores culturais, desse modo, a necessidade de utilização da prática argumentativa para o alcance de um consenso.
Cabe ressaltar que, dos quatro modelos sociológicos de ações, a ação teleológica (busca um fim), ação regulada por normas (busca o atendimento às normas), como o caso do processo de tombamento dos bens privados em equipamentos culturais públicos. Já ação dramatúrgica (busca o controle da imagem de si) estão relacionados com um mundo objetivo, e que, a partir dessas ações, há o agir comunicativo, em meio a necessidade de, no mínimo, dois sujeitos para interação, o que se constitui no que Habermas (2012) chama de mundo social e, por conseguinte, a ocorrência da intersubjetividade.
Há de se ressaltar a validade de um patrimônio cultural em questão passa a ser legitimada ao passo que é desenvolvida a intersubjetividade, de modo que os sujeitos envolvidos buscam pelo consenso, em meio aos conflitos com a prática argumentativa. A verdade do enunciado estaria condicionada à capacidade de fundamentação das exteriorizações racionais dos sujeitos no embate de suas argumentações, em meio às críticas, suas estruturas sociais e aspectos culturais e de mundo. Nesse sentido, há o discurso teórico, que Habermas (2012) considera como a busca por uma verdade e um discurso prático que busca concordância entre os sujeitos.
Já a eficácia da regra de ação, estaria associada com a possibilidade de replicação e verificação de um patrimônio cultural como uma verdade. A partir da busca pelo consenso, que pode ser visto como um objetivo esperado pela TAC, tendo em vista que a partir da intersubjetividade do agir comunicativa, a proposição seria validade e legitimada pelos sujeitos envolvidos nas ações que estariam fundamentados nos discursos exteriorizados na busca do bem comum, da verdade.
Nesse sentido, toda esfera pública – e cumpre notar que Habermas propõe o resgate da ideia de esfera pública como um espaço livre de debates (Losekan, 2009), o que seria para Habermas (2003) compreende esfera pública, assim como a esfera de legitimação da esfera pública seria a esfera de legitimação do poder público, cujo conceito foi definido por Habermas como:
[...] um fenômeno social elementar, do mesmo modo que a ação, o ator, o grupo ou a coletividade; porém, ele não é arrolado entre os conceitos tradicionais elaborados para descrever a ordem social. A esfera pública não pode ser entendida como uma instituição, nem como uma organização, pois, ela não constitui uma estrutura normativa capaz de diferenciar entre competências e papéis, nem regula o modo de pertença a uma organização, etc. Tampouco ela constitui um sistema, pois mesmo que seja possível delinear seus limites internos, exteriormente ela se caracteriza através de horizontes abertos, permeáveis e deslocáveis. A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de se condensar em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. (2003: 92)
Bosco (2017) segue a trajetória do conceito de esfera pública, em torno de cinco contribuições da obra de Jürgen Habermas: (1) Mudança estrutural da esfera pública; (2) Problemas de legitimação no capitalismo tardio; (3) Teoria do agir comunicativo; (4) Facticidade e validade e (5) A inclusão do outro. A partir dessa articulação, o autor indica a presença de um fio condutor entre os livros em que há uma trajetória (re)construída pelas reflexões de Habermas em meio à:
[…] tese histórico-sociológica da mudança estrutural da esfera pública, o diagnóstico da crise de legitimação elaborado no início dos anos 1970, a tese da colonização sistêmica do mundo da vida, a tensão entre facticidade e validade no direito democrático e os desafios colocados para a democracia pela globalização. Tal coerência se caracteriza por uma mudança de orientação no diagnóstico da associação histórica entre capitalismo e democracia: em 1962 e 1973, Habermas enfatiza os problemas de integração social e de legitimação decorrentes da evolução do capitalismo, enquanto a partir dos anos 1980, volta-se para a superação dos limites que tal evolução impõe para a realização da democracia (Bosco 2017:183).
Garcia et al., (2019) realizaram um estudo bibliométrico para analisar como se configura o campo de pesquisas sobre esfera pública. Os resultados demonstram que o campo é interdisciplinar, além de ressaltar que as discussões vão além do conceito de esfera pública de Habermas. Há estudos com propostas e críticas contrárias a de Habermas (Calhoun, 1992), como os de Fraser (1992) e de Howhendahl (1992).
Sennett (2013) vai ao encontro de Habermas (2012), ao apresentar a cooperação dialógica. O processo de tombamento dos equipamentos culturais para patrimônio cultural é marcado pela cooperação dialógica, em que a “[...] A cooperação dialógica pressupõe um tipo específico de abertura, mobilizando a seu serviço antes a empatia que a simpatia” (Sennett, 2013: 157). Depreende-se que a luta e preservação do patrimônio cultural é fundada pela cooperação dialógica, com base na escuta do outro, que advém do povo, e da sua participação na formulação de políticas públicas.
Ao partir de um olhar crítico da constituição da modernidade que tomou por base a razão nos preceitos do iluminismo, Leff (2006) constata a noção de hierarquização dos saberes nas relações de poder no mundo ocidental, que marcado por um modo de produção capitalista que leva não só a uma crise ambiental como a ação de usurpação dos bens naturais, mas também a falta de consciência e empatia do sujeito com o outro, com o social.
Esse contexto foi construído pela racionalidade econômica utilitarista e, como forma de desconstruir esse paradigma, como o caso do processo escravocrata, Leff (2006) ao considerar ir ao encontro da racionalidade de Max Webber e da racionalidade comunicativa de Habermas (2012), observa que o sujeito com sua capacidade linguística, promova o diálogo de saberes, em que, nesse diálogo, não há uma cultura de saberes, mas uma aproximação e troca de reconhecimentos de culturas, de forma que a racionalidade deva ser construída socialmente.
Compreendendo o bem comum a partir da Teoria do Estado de Solidariedade (TES) apresentada por Di Lorenzo (2010), onde a noção de bem comum coloca-se como um dos princípios da TES. O bem comum seria um meio para alcance e realização da dignidade humana, ao encontro da felicidade. Nesse ponto, o bem seria um meio, sendo necessária também uma democracia personalista. Nota-se que Di Lorenzo (2010), possui um olhar filosófico do homem; o bem comum requer que o homem realize ações coletivas acima dos interesses individuais. Dessa forma, o bem comum seria o meio para realização e plenitude da dignidade da pessoa humana e, com isso, a base do bem comum seria a consciência da dignidade. Nesse sentido, pode-se depreender a relevância das ações de Graciliano Ramos para a realização do tombamento de sua casa em museo.
O Processo de Tombamento de Patrimônio Cultural Brasileiro
Do ponto de vista legal, o ordenamento jurídico brasileiro possui alguns mecanismos de proteção do patrimônio histórico-cultural. Dentre eles, o tombamento, se destaca como um dos meios de proteção e promoção do patrimônio histórico-cultural. O tombamento é forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. De acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, esse patrimônio é considerado como:
O conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (Brasil, 2020b).
De acordo com Di Pietro, o tombamento pode ser definido como:
O procedimento administrativo pelo qual o Poder Público sujeita a restrições parciais os bens de qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valorarqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico. (2018: 217)
Dessa forma, a autora esclarece que, por meio do tombamento, o Poder Público protege determinados bens, que são considerados de valor histórico e/ou artístico, determinando a sua inscrição nos chamados Livros do Tombo, para fins de sua sujeição a restrições parciais. Deve-se mencionar que, em decorrência dessa medida, o bem, ainda que pertencente a particular passa a ser considerado bem de interesse público e por isso, passa a sofrer restrições a que se sujeita o seu titular (Di Pietro, 2018: 2016).
Entre as restrições legais que o proprietário do bem deve suportar está, entre outras, fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente; em caso de alienação onerosa, garantir o direito de preferência do Poder Público; destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN; entre outras (Brasil, 2020b).
O instituto do tombamento encontra-se positivado na Constituição Federal no art. 216, § 1º. No capítulo discute-se a cultura como direito fundamental, o texto explica que:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
§ ١º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (Brasil, 2020a).
Dessa forma, o dispositivo constitucional coloca o tombamento como uma das diversas formas de garantir a preservação do patrimônio histórico-cultural de um grupo social. É uma das variadas formas, pela qual o Poder Público irá interferir no patrimônio particular para alcançar os escopos buscados pela supremacia do interesse público sobre o privado.
O tombamento pode ser definido então, como o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público sujeita a restrições parciais os bens de qualquer natureza, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico (Di Pietro, 2018).
Tal mecanismo está disciplinado no Decreto Lei 25/37 que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Para a normativa em questão, o tombamento será utilizado para preservação do patrimônio histórico e artístico, definido como sendo o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (Brasil, 2020b).
Assim, pelo tombamento, o Poder Público protege determinados bens, que são considerados de valor histórico ou artístico, determinando a sua inscrição nos chamados Livros do Tombo (Di Pietro, 2018). Aliás, essa necessidade de registro no Livro de Tombo está no § 1º do art. 1º do Decreto Lei já citado. Com o tombamento o bem não deixa de ser propriedade do proprietário particular, como acontece na desapropriação, ela permanecesse no domínio privado do administrado. Dessa forma, o bem continua sendo privado, mas passa a ser de interesse público (Di Pietro, 2018).
Nesse sentido, Carvalho (2015) explica que o tombamento, ao tornar o bem, objeto de interesse público, irá atingir o caráter absoluto da propriedade, definindo limitações ao exercício do direito à propriedade, definindo regras de forma a evitar que a destruição do bem resulte na perda do patrimônio histórico do país ou cause prejuízos a obras artísticas de valor cultural inestimável para a identidade de um povo.
A competência para tombar um bem é concorrente entre os entes políticos da Administração Pública, dessa forma, tanto Município como Estados e União podem tombar um bem que acreditem ser protegidos. A regra é de que se o bem for de interesse local será tombado pelo Município, se de interesse regional, deve sofrer tombamento efetivado pelo estado e, se de interesse nacional, o tombamento será competência da União (Carvalho, 2015).
O processo do tombamento se inicia, em regra, com a notificação do proprietário do bem a ser tombado, para que se manifeste sobre o procedimento. Meirelles (2020) explica que, por acarretar restrições ao exercício do direito de propriedade, o tombamento precisa obedecer a um processo administrativo devidamente constituído na forma da lei. Se assim não o for, tal intervenção deve ser declarada nula.
Baseado nas alegações da Administração Pública e da parte proprietária do bem, o órgão ou entidade administrativa estabelecida por cada unidade federativa irá tomar a decisão sobre a necessidade do tombamento ou não. Observa-se que há dois tipos de tombamento, o voluntário, quando o processo se dá com a anuência do proprietário e compulsório, quando se dá contrário a sua vontade (Carvalho, 2015).
O tombamento tanto pode acarretar uma restrição individual quanto uma limitação geral. É restrição individual quando atinge determinado bem - uma casa, p. ex. -, reduzindo os direitos do proprietário ou impondo-lhe encargos; é limitação geral quando abrange uma coletividade, obrigando-a a respeitar padrões urbanísticos ou arquitetônicos, como ocorre com o tombamento de locais históricos ou paisagísticos (Meirelles, 2020).
Por fim, desde o início do processo do tombamento o bem passa a ter diversas restrições, que, entre outras, podem ser assim classificadas (Carvalho, 2015):
Diante disso, temos o processo de tombamento de casas em museus e ao considerar, inicialmente, que elas são de origem privada e passam, ao longo do contexto sociocultural como bens culturais, diante da relação de seus valores e representação para cultural material, estética, arquitetônica (Scarpeline, 2012; Siqueira Neto, 2014). Outro fator a ser considerado seria a da representação e memória da trajetória de pessoas que cooperaram para o bem comum é que museus construídos em torno de figuras de pessoas com grande prestígio social, político e cultural (Chagas, 2009; 2010).
[…] Cada pessoa deve à sociedade o conjunto das condições necessárias para a sua realização individual, não só no aspecto moral como também no material propriamente dito, porquanto depende do patrimônio cultural e tecnológico que não construiu, mas que simplesmente herdou (Di Lorenzo, 2010:132, grifo nosso).
O processo de tombamentos desses bens comuns são marcados, muitas vezes, como um lugar de luta social e formação de uma esfera pública (Magalhães & Soares, 2017; Souza, 2017) para preservação da figura que deve ser preservada desses heróis populares como aponta Chagas::
[…] O passado habita a casa do presente que, por sua vez, habita a casa do futuro e reinventa a casa do passado com o companheirismo da memória, do espaço, das coisas, das imagens e das palavras. E afinal, de que são feitas as casas se não desses ingredientes regados num caldo cultural próprio e específico? (2010: 5)
Caminho Metodológico
Ao buscar compreender e interpretar como ocorreu o processo de passagem de um bem privado para um bem comum, a pesquisa em desenvolvimento se caracteriza de natureza qualitativa (Denzin & Lincoln, 2005; Flick, 2009). Cabe ressaltar que, ao seguir pelo paradigma interpretativista, o estudo foi orientado por uma epistemologia construtivista diante da atenção para interpretação dos fatos presentes no contexto social (Saccol, 2009).
Dentre as estratégias metodológicas qualitativas, optou-se pelo método histórico como caminho de investigação, haja vista o caráter histórico do fenômeno investigado (Costa, Barros & Martins, 2010; Costa & Silva, 2019). Quanto à coleta de dados, a técnica de documentos foi empregada, dado o fato de análise do estudo ser processo de tombamento da casa de Graciliano Ramos em Museu O corpus documental foi o processo completo de tombamento fornecido na íntegra pelo IPHAN, Superintendência Regional de Alagoas. O processo é composto por um conjunto de documentos oficiais como memorandos, ofícios, decretos, assim como fotografias e reportagens da época. O acesso aos documentos registrados de forma oficial possibilitaram fornecer as informações de modo seguro e garantia da confiabilidade e rigor ao estudo (Cellard, 2008; Garcia et al., 2019; Helder, 2006).
Para a realização do tratamento e a interpretação dos dados coletados, foi recorrida a técnica Análise Documental (Bowen, 2009). Silva, Emmendoefer e Cunha (2020) indicam a Análise Documental Ilustrada como proposta para pesquisas no campo da Administração Pública. Na Figura 1, ilustram-se as três fases operacionais para a condução da análise dos dados.
Figura 1 – Fases da Pesquisa Documental
Fonte: Silva, Emmendoefer e Cunha (2020: 27).
A Fase 1, Preparação do Material Ilustrada (PMI), foi conduzida por meio de nove etapas: (1) reconhecimento das fontes potenciais de informação, (2) estabelecimento de critérios de busca, (3) classificação de documentos, (4) refinamento da consulta de forma densa, (5) flexibilização, (6) localização dos textos, (7) avaliação da credibilidade das fontes, (8) avaliação da representatividade e (9) compreensão e entendimento do sentido das mensagens. Ao seguir para Fase 2, Análise Preliminar Ilustrada (API), foi considerado, inicialmente, o (1) contexto, (2) autores, (3) autenticidade e confiabilidade das mensagens, (4) natureza da fonte e (5) conceitos-chave e lógica interna. Na Fase 3, a última, Análise Documental Ilustrada (ADI), tivemos a análise de cunho interpretativo na interlocução entre o corpus da pesquisa, o aporte teórico e objeto de investigação para (1) menção dos fatos, (2) intepretação das mensagens, (3) sintetização das informações, (4) tendência da síntese das mensagens, (5) inferências dos resultados, (6) articulação teórica para compreensão do fenômeno investigado.
Ao detalhar essas fases da análise da pesquisa documental proposta por Silva, Emmendoefer e Cunha (2020), temos a confiabilidade e o rigor necessários para a realização do estudo que segue no tópico a seguir com a apresentação e discussão dos resultados.
Apresentação e Discussão dos Resultados
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer (RAMOS, 2015).
A citação descrita acima se encontra no livro de Linhas Tortas do romancista alagoano Graciliano Ramos (1892-1953). Nela, são grifados trechos que representam a figura do escritor e sua relação intrínseca com as palavras, com a descrição densa e suas raízes culturais.
Conhecidos por seus romances, como Vidas Secas, São Bernardo, Angústia, Caetés, Graciliano Ramos atuou também na política, onde até chegou a ser preso por sua postura política. Ele, inclusive, foi prefeito de Palmeiras dos Índios-AL, sua cidade natal. Grande parte de suas obras, descrevem locais e histórias vivenciadas na cidade e, hoje, sua casa se tornou museu e é abrigo de um acervo pessoal do autor, composto por artefatos pessoais, como fotos, originais de algumas obras, roupas, máquina de escrever etc.
Em decorrência de sua vida política e cultural, sua casa passou pelo processo de tombamento como patrimônio histórico para preservação de sua memória. Diante dos conflitos para demolição da casa, a prefeitura municipal passou em 1963 a proteger o imóvel.
Figura 2 – Fachada da Casa Museu Graciliano Ramos
Fonte: TV Brasil.
Com base no processo de tombamento de bem privado para um o patrimônio cultural, como um bem comum, a formação de uma esfera pública em meio à disputa de grupos sociais, econômicos e políticos com uso da racionalidade comunicativa, em torno desse bem comum. Leff (2006) ressalta pela necessidade do sujeito (aqui na figura de Graciliano Ramos), tenha alteridade, empatia pelo outro, o que leva ao princípio de Outridade de Emanuel Levinas. Com isso, a constituição dos saberes ocorre de forma dialógica, ao passo que o sujeito se reconhece como tal, a partir da necessidade de se encontrar com o outro, com a cultura de seu povo, daí o fato de preservar a memória do bem comum.
Contudo, na casa onde viveu em Palmeiras dos Índios, temos que “[…] acossado pelas necessidades de dinheiro, o escritor achou-se na contingência de vendê-la. E o novo proprietário, há três anos, resolveu fazer uma reforma, isto é, substituir a construção por outra que lhe dê melhor rendimento comercial (Processo de Tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos: 09). Cabe destacar que o processo de tombamento foi iniciado quase uma década após o falecimento do romancista.
Com isso, deu-se início a um embate em torno do conflito entre demolição ou tombamento ganhou manchetes de jornais e forte articulação no cenário político e cultural que passou das fronteiras locais da cidade de Palmeira dos Índios, ao cenário estadual, regional (com destaque para Pernambuco) e nacional, pois o processo de tombamento da casa e sua destinação como museu foram marcados por diversos conflitos de interesses entre o proprietário, políticos locais e grupos culturais, amigos e admiradores, muitos, por sua vez, jornalistas e políticos de outras localidades do Brasil.
O trecho da reportagem veiculada pelo jornal “Correio da Manhã” em 07/12/1961 destaca o caso:
[…] Sem embargo, a partir de 1959, concebeu alguém a lamentável idéia de demolir a casa, a fim de possibilitar o prolongamento de uma avenida que só faz atentar contra a estética da cidade. […] Fui à Maceió, articulei-me com o jornalista Arnoldo Jambo, esclarecido diretor do “associado” local, e com os acadêmicos Carlos Moliterno e Mendonça Junior, promovendo com esses ilustres alagoanos uma campanha destinada a desapropriar a casa, instalando-se nela um pequeno museu. […] Tomando conhecimento dessa iniciativa, o grande poeta Mauro Mota, membro da Academia Pernambucana de Letras e redator-chefe do DIÁRIO DE PERNAMBUCO, bateu-se, dentro e fora do seu Estado, para que a nossa justa pretensão fosse atendida. Mas nada adiantou. Embora desapropriada por uma lei votada pela Assembléia Legislativa de Alagoas, o governo quebrou um pau no ouvido, alegando carência de meios financeiros. […] É possível que o governo do meu Estado esteja com a razão, ainda que para tanto tivesse que gastar uma ninharia. […] “Foi patético – escreve o correspondente do “Diário de Pernambuco, do Recife –“ a cena provida, na rua general Gabino, pelo jornalista Valdemar Lima. Já com os operários e o material defronte da casa, só faltou ajoelhar-se aos pés do proprietário para que não fizesse aquilo. Que ao menos esperasse um pouco mais. Obteve o adiamento. E aproveitou para dirigir sucessivos apelos aos governantes do município e do Estado, a favor da aquisição do imóvel, sem nada conseguir. Agora veio o ultimato: a compra até 15 janeiro próximo ou a demolição”. O decano da imprensa latino-americana, em sua edição de 20 de novembro último, escreveu editorial, fazendo insistente apelo ao governador de Alagoas, senhor Luiz Cavalcanti, que acaba de criar um Departamento Estadual de Cultura, para melhor assistência aos problemas culturais de seu Estado, a fim de que não permita que venha a se consumar a ameaça fatal contida no ultimato sobre a demolição da casa em que viveu e escreve tantos livros o hoje consagrado romancista de “Angústia”, “Vidas Secas” e não menos clássico escritor das “Memórias do Cárcere” (Processo de Tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos:10, grifo nosso).
A partir desses trechos, depreende-se a formação de uma esfera pública para defesa e luta de um bem comum, que mediante articulações sociais e políticas dos atores sociais envolvidos no embate entre a demolição da casa ou o processo de tombamento para casa passar a ser um lugar de memória da figura ilustre que ali viveu (Chagas, 2010; Magalhães & Soares, 2017; Scarpeline, 2012; Souza, 2017).
Nesse período, estava na iminência da criação do Departamento Estadual de Cultura, Governador Luiz Cavalcanti, O poeta Mauro Mota faz publica carta aberta em coluna de jornais, na qual é destacado o trecho abaixo:
[…] Uma administração pública, consciente dos valores regionais e brasileiros, não vai cruzar os braços em face desse dilema. Graciliano Ramos – seria ainda necessário repeti-lo? – foi um grande romancista alagoano e brasileiro que fêz de Alagoas a ambiência de seus livros. Defender o local onde os escreveu e viveu, seria uma prova de respeito à sua memória, de reconhecimento a uma personalidade literária que marcou uma época e uma das culminâncias de ficção nacional. […] Estamos certos da concordância do governador Luiz Cavalcanti com esta sugestão: a de amanhã mesmo, no começo do expediente, chamar o Secretário da Justiça e mandar lavrar o decreto de desapropriação do prédio. Em seguida, determinar ao Secretário da Educação e Cultura, fotografia, livros, originais, tudo quanto pertenceu ao autor de “Angústia” e se for possível ainda reunir para lembra-lo às atuais e futuras gerações (Processo de Tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos: 10, grifo nosso).
A casa é reconhecida como um bem comum, como lugar de memória da pessoa que foi Graciliano Ramos (Di Lorenzo, 2010; Siqueira Neto, 2014). Pois, ainda, segundo pedido do poeta Mauro Mota “[…] Seria monstruoso despejar Graciliano Ramos, depois de morto, de sua casa e de sua cidade. Ele terá de permanecer em Palmeira dos Índios, onde foi inclusive prefeito, e onde escreveu o famoso relatório que significou o início de sua admirável carreira. A mediação foi ferrenha a notícia “ Tombamento para casa de Graciliano Ramos em Palmeiras dos Índios da Revista “Leitura” de 1961:
[…] A revista Leitura, que sempre teve, enquanto viveu, no mestre “Graça” um dos seus mais assíduos colaboradores, associa-se à imprensa alagoana, e particularmente ao “Jornal de Alagoas” e ao decano da imprensa brasileira, o “Diário de Pernambuco”, pedindo insistentemente ao governo da União não permita que seja destruída a casa do grande romancista, mas, ao contrário, como pretendem seus conterrâneos, discípulos, amigos e leitores, seja conserva e nela instalado o “Museu Graciliano Ramos”, reunindo o precioso acervo literário, epistolar e iconográfico. […] o sr. Ministro da Educação e Cultura, professor Oliveira Brito, não deve permitir que se consuma tal atentado às nossas tradições culturais de nação civilizada, menosprezando, tão irresponsavelmente, os sentimentos de gratidão de nosso povo pelas grandes figuras do nosso passado cultural, literário, científico e artístico. […] LEITURA contratula-se com o jornalista Valdemar de Souza Lima, aplaudindo e estimulando a sua decidida atitude na defesa do patrimônio histórico e cultural de nosso país em que implica, em última análise, o seu nobre gesto. E prontifica-se está revista a liderar em todo o Brasil o movimento de repulsa ao impensado de um proprietário ambicioso e desinteressado da preservação do nosso patrimônio cultural, associando-se a todos aqueles que lutam pela instalação na cidade natal do grande escritor, do “Museu Graciliano Ramos”, e ajudando o movimento em prol da reunião de um valioso acervo literário que o enriquecerá: correspondência, documentação iconográfica, escritos não reunidos ainda em volumes etc. (Processo de Tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos:12, grifo nosso).
Nota-se que os pedidos de apoio são postos de forma evocativa e direta aos responsáveis políticos, além do uso de imperativo para ações contrárias à demolição da casa. Diante disso, depreende-se que a constituição de um patrimônio cultural é fundamentada, por meio da racionalidade comunicativa, por estar direcionada ao diálogo e pela busca a um consenso (Habermas, 2003; 2012). O relatório e voto de Manuel Bandeira, em 30 de outubro de 1964 é destacado a seguir:
[…] Sou, em princípio, contrário ao tombamento de casas vinculadas a personalidades, porque a preservação desses lugares quase sempre resulta meio falsa e melancólica. E ainda porque as personalidades são tantas que se teria de criar uma secção especial no DPHAN para tal fim. […] Verifica-se porém que no caso em apreço, a casa está ameaçada apenas pelo “urbanismo” municipal. Na minha qualidade de urbanista honorário, e tendo na lembrança a figura singular do homem, concordo com a inscrição solicitada (Processo de Tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos: 15, grifo nosso).
A compreensão da formação e manutenção do patrimônio cultural no agir comunicativo (Habermas, 2003; 2012) permite uma reflexão sobre as sensações da interação entre de como as práticas sociais implicam na produção e reprodução desses processos sociais que passam a ter significados e identidade cultural organizacional nos espaços urbanos como no caso investigado (Carvalho, 2015; Meirelles, 2020).
A casa da Rua Gabine Besouro, nº 12 em Palmeiras dos Índios, Estado de Alagoas, pertenceu ao grande romancista Graciliano Ramos, que nela viveu durante muitos anos, tendo nela escrito o famoso relatório mandado ao Governador do Estado e o romance Caetés. Essa casa foi vendida pelo escritor antes de êle se mudar para o Rio de Janeiro. […] A partir de 1959 alguém, segundo informou ao Diretor do DPHAN e jornalista palmeirense Valdemar de Souza Lima, concebeu a idéia de se demolir a casa para prolongamento de uma avenida da cidade. Logo se formou em Palmeiras dos Índios, com repercussão dentro e fora do Estado, uma corrente de opinião contra a idéia de se demolir a casa, que, embora sem interesse arquitetônico, apresenta alto interesse histórico, dado o prestígio do nome de Graciliano Ramos no quadro da literatura brasileira. […] Pediu-se ao DPHAN o tombamento da casa. Pela medida opinaram os técnicos desta repartição. Muito significativo é o parecer do arquiteto Lúcio Costa, Diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos, pois sendo, em princípio, contrário ao tombamento de casas vinculadas a personalidades, todavia concordou com o tombamento no caso em apreço, tendo em lembrança a figura singular do homem e escritor que foi Graciliano Ramos. Realmente singular da figura do romancista de Caetés, São Bernardo, Angústia, e Vidas Sêcas, do memoriata de Memórias de Cárcere, e justifica-se plenamente a medida preservadora da casa em que êle viveu na sua cidade natal. De acordo opinou igualmente o Diretor do DPHAN no despacho conclusivo do processo. Assim quê, voto pelo tombamento. (Processo de Tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos: 17, grifo nosso).
Partindo disso, compreende-se o patrimônio cultural como um bem comum, como um espaço de interação social, bem como esfera pública diante da forma complexa de interação e fragmentação de símbolos produzidos e reproduzidos na pluralidade de quem usufrui desse espaço cultural.
A organização de um equipamento cultural para gestão algo complexo, um espaço organizado em constante processo de atividade dinâmica. Podemos, ainda, passar a ver um patrimônio cultural como um espaço de grande contribuição para análise da sociabilidade e cooperação, pois desencadeia em um constante processo de interação social.
Considerações Finais
Com o objetivo de compreender o desdobramento do processo de como um bem privado se torna um bem como a partir do entendimento de patrimônio cultural como bem comum, a pesquisa fez uma análise interpretativista do processo de tombamento da Casa Museu Graciliano Ramos, localizado na cidade de Palmeiras dos Índios-AL.
Com base nos pressupostos teóricos da TAC da articulação com os aspectos jurídicos do processo tombamento de patrimônio cultural no Brasil, os resultados do trabalho indicaram a formação de uma esfera pública para defesa e reconhecimento de um bem comum. A casa se tornou museu que pode ser considerada como um lugar de luta social (Magalhães & Soares, 2017; Souza, 2017); como lugar de memória (Chagas, 2010; Scarpeline, 2012; Siqueira Neto, 2014).
O caso ilustrado revela a participação da sociedade na construção da gestão de políticas públicas culturais. Considera-se como relevante o caminho metodológico seguido pelo método histórico e análise documental ilustrada como aspectos relevantes para a condução do estudo. Para tanto, como agenda futura de estudo, se faz necessário que novos caminhos a percorrer em estudos que problematizem as ressignificações de espaço e tempo nas interações sociais cotidianas presentes nesses lugares.
Estudos em torno da gestão de equipamentos culturais ainda são incipientes, constatada a relevância social e cultural dos equipamentos culturais (Santos & Davel, 2018a). Um caminho possível para rever essa lacuna, que os estudos futuros seguissem pela perspectiva da Gestão Social de bens culturais, haja vista que há o incentivo e estímulo da participação dos cidadãos na preservação e legitimação dos bens culturais da sociedade, na participação da sociedade na construção das políticas públicas culturais.
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