Dep. legal ppi 201502ZU4636

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Depósito Legal: pp 199202ZU44 ISSN:1315-0006

Universidad del Zulia


Cuaderno Venezolano de Sociología


En foco: Variaciones sobre el tema de la Juventud y la Violencia



Auspiciada por la International Sociological Association (ISA),

Vol.26 4

la Asociación Latinoamericana de Sociología (ALAS)

y la Asociación Venezolana de Sociología (AVS)

Octubre – Diciembre

2017


Espacio Abierto Cuaderno Venezolano de Sociología Vol.26 No.4 (octubre - diciembre, 2017): 97-108


Metodologia de pesquisa qualitativa sobre violência: memória e informação na perspectiva de relatos autorais

de homicídio

Alex Medeiros Kornalewski y Francisco Ramos de Farias*


Resumo

Atualmente, temos uma proliferação de estudos sobre a questão da violência. O objetivo deste trabalho é refletir sobre métodos de pesquisa qualitativa em violência, especificamente a ferramenta de análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin. O procedimento metodológico utilizado é a revisão da literatura sobre o método de análise de conteúdo e o método qualitativo em linhas gerais, a fim de refletir sobre as qualidades e desvantagens desta metodologia por intermédio de uma fonte de informação singular: os relatos de pessoas que cometeram homicídio. Analisar o tipo de metodologia qualitativa que será aplicada é essencial para saber como proceder no desenvolvimento de pesquisas que abordem a questão da violência social, que justificativa e defesa devem ser utilizadas, se as ferramentas escolhidas são adequadas para responder às questões do pesquisador ou entender as limitações e possibilidades relativas à ferramenta escolhida. Algumas considerações são necessárias: no caso da análise de conteúdo, temos uma ferramenta que se relaciona com os aspectos da memória e da informação. No caso dos relatos autorais de sujeitos que se encontram em conflito com a lei, temos, por um lado, uma miríade de experiências, estrutura e violência reativa


Recibido: 06-07-2017 / Aceptado: 13-08-2017


* Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Brasil

E-mail: alexmedeiros87@hotmail.com / frfarias@uol.com.br

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perpetuada pela memória em diversos meios de comunicação, como entrevistas gravadas, transcrições e afins. Além disso, o viés informativo dos relatos autorais pode ser verificado quando usamos essa tipologia documental para tomada de decisão, proposta e / ou manutenção de políticas públicas em diversas áreas, como segurança pública, saúde pública, assistência social.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa; Análise de conteúdo; Violência.


Methodology of qualitative research on violence: memory and information from the perspective of the authorial narratives of homicide


Abstract

We currently have a proliferation of studies on the issue of violence. The objective of this work is to reflect on methods of qualitative research in violence, specifically the content analysis toolproposedby Laurence Bardin. Themethodologicalprocedure used is to review the literature on the method of content analysis and the qualitative method in general terms, in order to reflect on the qualities and disadvantages of this methodology through a unique source of information: the reports of people who have committed the homicide. Analyzing the type of qualitative methodology that will be applied is essential to know how to proceed in the development of research that addresses the issue of social violence, what justification and defense should be used if the tools chosen are appropriate to answer the questions of the researcher or understand the limitations and possibilities related to the chosen tool. Some considerations are necessary: in the case of content analysis, we have a tool that relates to aspects of memory and information. In the case of the authorial narratives of people who are in conflict with the law, we have, on the one hand, a myriad of experiences, structure and reactive violence perpetuated by the memory in various media, such as recorded interviews, transcriptions and others ways. In addition, the informative bias of the author's reports can be verified when we use this documentary typology for decision making, proposal

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and / or maintenance of public policies in several areas, such as public safety, public health, social assistance.

Keywords: Qualitative research; Content Analysis; Violence.


Introdução

Não é de hoje que as discussões sobre a temática da violência adquirem um espaço na academia. Pesquisas sobre inúmeras especificidades, ou tipologias de violência, são temas recorrentes também nas mídias sociais, televisivas, jornalísticas e afins, o que nos faz pensar sobre duas questões. A primeira, concerne da presença da violência na sociedade, sob várias nuances, haja vista que o ser humano em sua essência é violento (Dodoun, 1998).

A segunda questão, diz respeito ao nosso entendimento sobre esse “homo violens”, e principalmente, qual metodologia aplicar, ao refletirmos sobre um tema tão delicado e complexo como a violência. Ou seja, os métodos empregados para refletir sobre algo que nos cerca constantemente deve ser pensado com inúmeros critérios que serão discutidos no presente trabalho, com vistas à construção de um corpo crítico e, por conseguinte, científico, anulando os equívocos, voluntários e involuntários, de uma pesquisa.

Apesar da pretensão em discutir a violência a partir dos métodos qualitativos, cabe- nos uma breve distinção entre os termos quantitativo, quantificação e qualitativo, para então elaborarmos alguns apontamentos acerca do emprego de métodos qualitativos para analisar a violência.

Em linhas gerais, os métodos quantitativos de pesquisa se fundamentam a partir de uma “explicação”, ou tradução, “de um ato baseado na lógica da diferença entre grupos com características diferentes” (Becker, 2014: 187). As questões são respondidas, ou refutadas, a partir de variáveis como raça, idade, gênero, lugar, condição financeira, instrução acadêmica e afins. Devemos ter cuidado para não cair em um reducionismo quanto à sistemática inerente as metodologias quantitativas, pois além das inúmeras ferramentas existentes para a obtenção desses dados, também há uma complexidade em como estabelecer estratégias de busca e organização dos dados quantitativos. Contudo, sob a ótica da natureza dos dados, as pesquisas quantitativas são realizadas a partir de categorias estabelecidas para o estudo, podendo ser modificado de acordo com o ambiente e o grau de controle das variáveis estudadas (Gil, 2010).

A quantificação é o próprio cálculo ou construção de valores que surgem a partir dos métodos quantitativos. Os métodos quantitativos corroboram para a quantificação, o que não necessariamente ocorre de forma inversa, pois a quantificação pode não ser oriunda de uma metodologia quantitativa e sim qualitativa, por exemplo, a contagem de ocorrências inerentes às categorias construídas por intermédio de uma análise de conteúdo, argumentativa, discursiva, semiótica e afins (Bauer; Gaskell, 2013).

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Todavia, os métodos qualitativos se fundamentam na busca e construção de dados, de forma a permitir uma interdependência das variáveis, que podem ser comprovadas ou refutadas (Becker, 2014). Neste modelo, temos ferramentas que nos permitem avaliar pontos que não estipulamos como categorias, ao mesmo tempo em que pode permitir o surgimento das mesmas no decorrer das pesquisas.

No que diz respeito ao campo das Ciências Sociais, Minayo (2016: 20) afirma que os métodos qualitativos se ocupam “com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. Assim sendo, as possibilidades de se trabalhar, construir ou mesmo de aparecer novas variáveis é alta, haja vista à singularidade inerente ao sujeito.

Logo, um mundo de ferramentas se apresenta quando pensamos em metodologia qualitativa, especificamente quando implica em uma construção científica sobre a violência, tais como: pesquisa experimental, pesquisa etnográfica, pesquisa fenomenológica, pesquisa-ação, pesquisa participante, estudo de caso, análise de conteúdo, análise de discurso, análise argumentativa, análise imagética. Contudo, é mister algumas explicações: primeiro, não há uma metodologia melhor do que a outra, seja entre o modelo quantitativo e o modelo qualitativo. O que ocorre, é a escolha de uma metodologia que seja mais apropriada para o que se pretende pesquisar, em síntese, a ferramenta mais adequada para a solução do problema.

Segundo, o uso de uma ferramenta proveniente do modelo qualitativo não significa que não possa se conciliar com outras ferramentas, inclusive de cunho quantitativo. A ausência de literatura sobre a junção da metodologia quantitativa e qualitativa, os poucos artigos sobre triangulação, corroboram para uma separação nos métodos de pesquisa, no qual se promove a ideia de que a pesquisa qualitativa gera hipóteses, enquanto a pesquisa quantitativa as testa (Becker, 2014).

Assim sendo, situamo-nos em um exemplo de metodologia, com o intuito de mostrar suas possíveis convergências, divergências e singularidades ao aplicarmos no estudo sobre a violência. Para tal, elegemos as ferramentas inerentes à análise de conteúdo, aplicada em uma tipologia documental singular: os relatos autorais de pessoas que praticaram o crime de homicídio. Esses relatos são provenientes do projeto de pesquisa intitulado O ato criminoso como modalidade de gozo: subjetividade perversa e ato perverso, coordenado por Francisco Ramos de Farias e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1995 e finalizado em 1999. Este projeto dispõe de um arquivo com entrevistas feitas com mais de 56 presos, sendo que em alguns casos foram realizadas mais de uma entrevista com cada um. O arquivo foi construído a partir da pesquisa de campo empreendida no presídio Hélio Gomes e na Penitenciária Milton Dias Moreira do Complexo Prisional da Rua Frei Caneca do Estado do Rio de Janeiro. Todavia, priorizamos uma análise pelo viés da metodologia qualitativa necessária para se trabalhar com esta tipologia documental, ao invés de aplicarmos um estudo de caso das narrativas, haja vista que a presente discussão se aprofunda no uso das ferramentas metodológicas e suas implicações éticas, pontos cruciais antes mesmo de se desenvolver uma pesquisa de campo.

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Destarte, o presente trabalho será subdividido da seguinte maneira: na primeira seção, iremos dissertar sobre a metodologia qualitativa e sua relação com a esfera da memória e da informação, haja vista que essa combinação, por vezes entrelaçada, segue a todo tempo desde a escolha da metodologia, até o processo de desenvolvimento e divulgação científica.

Na seção seguinte, discorre-se sobre a metodologia qualitativa de análise de conteúdo, em consonância com as implicações decorrentes de se aplicar esta ferramenta metodológica à temática da violência. Após, algumas considerações serão apresentadas, com base no que foi discutido, além de apresentar algumas possibilidades de estudos oriundas desta reflexão.


A relação da metodologia qualitativa com a memória e informação

Discutir sobre qual metodologia qualitativa deve ser aplicada é uma decisão política, que resulta daquilo que se espera responder, ou surpreender. Porém quando falamos de violência e como estes atos estão registrados em fontes de diversas tipologias, é mister dedicar algumas palavras sobre uma relação híbrida que acompanha qualquer relato, seja daqueles que praticaram ou foram vítimas da violência. É a relação e o uso da memória e da informação.

A memória é um processo que se dá no presente, bebendo da fonte do passado, ao mesmo tempo em que se destina ao porvir (Gondar, 2005). Logo, qualquer metodologia aplicada à discussão da violência sempre surgirá de algo que nos afeta no momento, de forma a nos motivar para o desenvolvimento de uma pesquisa que busca fontes, registros, entrevistas – ou seja, é uma motivação que se apoia no passado, nos acontecimentos finalizados ou em tramitação – em prol de mudanças ou da manutenção de políticas públicas e demais questões pertinentes à violência na sociedade atual ou vindoura.

Segundo Bergson a memória viabiliza um estado de consciência no qual “toda ação é uma invasão ao futuro. Reter o que já não é, antecipar o que ainda não é: eis aí portanto a primeira função da consciência” (Bergson, 2009: 5). Assim sendo, é possível afirmar que toda pesquisa, seja qualitativa ou não, envolve um trabalho de memória, no qual se emprega uma energia para perpetuar e, por conseguinte, atuar em um determinado grupo, pessoa, sociedade, o que demonstra que a função prímeva da memória é a ação.

Em exemplo, trabalhar com relatos de presos, sobreviventes de guerra, vítimas de violências do Estado e afins, é uma ação que denota a existência de uma memória que está sendo produzida no agora. Memória esta que gera uma força para agir, ao mesmo tempo em que permite o seu próprio registro por intermédio de documentos eletrônicos, livros, dossiês e demais formatos, seja impresso, eletrônico ou virtual. Entretanto, a memória não é algo que detém uma objetividade – tal como a informação tem por pretensão –, pois ao mesmo tempo em que falamos da memória, também se pratica o esquecimento, que pode ocorrer de forma voluntária ou involuntária, a partir do impacto de um sujeito, grupo, sociedade e afins, dito de outra forma, a memória é dinâmica, flui, sem se preocupar em comunicar algo objetivado, apesar da mesma se tornar uma ferramenta útil para tal, por

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exemplo, quando refletimos sobre a construção da memória política de um país, de um povo e afins.

Assmann (2011: 167), emprega a metáfora da escrita à memória, ao dizer que “camada por camada, deposita-se uma escrita sobre a outra, em um misterioso palimpsesto do espírito humano que faz do novo a sepultura do velho”. Assim, a autora afirma que a memória, vista como uma construção que envolve a dinâmica da lembrança e do esquecimento, é um processo que sempre se atualiza, sempre evoca algo em detrimento de uma substância que torna-se soterrada, esquecida.

Em aditamento, Pollak (1989: 5) afirma que “o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais”. É a partir desse pensamento que o autor discorre sobre o conceito de memória subterrânea, no qual mesmo aquilo que, a priori se encontra esquecido, na verdade se encontra apenas soterrado, ou impedido pela ação do recalque, porém a espera de um gatilho, de um momento no qual pode despertar, ser evocado, em contraposição à memória que se encontra em vigor. Em síntese, tanto a temática que se pretende pesquisar quanto a ferramenta metodológica podem contribuir para o soterramento, intencional ou não por parte do pesquisador, como pode evocar alguma instância de valor à pesquisa, afinal de contas, a violência é plural e a metodologia apenas, em termos didáticos, “busca conter, transmitir e determinar o que é visto” (Butler, 2015: 25), sendo, portanto, uma operação de enquadramento.

Para tornar essa relação da metodologia qualitativa com as questões pertinentes a memória um pouco mais clara, basta pensarmos um pouco sobre o conceito de enquadramento proposta por Butler (2015: 23), que afirma: “se alguém é incriminado, enquadrado, em torno da sua ação é construído um ‘enquadramento’, de modo que o seu estatuto de culpado torna-se a conclusão inevitável do espectador”. A questão do enquadramento mostra-se como um vetor político, no qual se delineia o que será registrado, em detrimento do que será omitido, esquecido, deixado para trás em inúmeros vestígios de tal operação. Aqui cabe-nos aplicar as palavras de Gondar, em consonância com a proposta bergsoniana de duração, pois no caso da pessoa presa, a mesma pode ser analisada sob várias possibilidades, mas que em sua maioria representam apenas um enquadramento possível da pesquisa, não sendo, portanto, a totalidade do que se pode pesquisar sobre o sujeito, pois as questões pertinentes a violência podem ser observadas sob vários ângulos, sendo que cada ângulo pode demandar uma ou mais ferramentas metodológicas para empreender uma pesquisa sobre o mesmo sujeito. Em suma, a memória dialoga com a subjetividade, de forma a permitir múltiplas aplicações metodológicas para o mesmo sujeito, ancorado sob a mesma temática.

Contudo, devemos tomar cuidado para que esses pesquisas não se transformem em mera “reprodução indefinida de ideias, de fantasmas, de imagens, de sonhos, que doravante ficaram para trás e que, no entanto, devemos reproduzir numa espécie de indiferença fatal” (Baudrillard, 1992: 10).

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O autor citado faz uma análise crítica dos usos da informação, no qual podemos interrogar também os usos das metodologias e, por conseguinte, das pesquisas empreendidas de uma forma que, ao invés de se preocupar com a própria informação como acontecimento, discorrem unicamente sobre o acontecimento (Baudrillard, 1992). Logo, as metodologias não devem ser pensadas como meros suportes que auxiliam na construção de uma pesquisa que apenas pretende dar uma visibilidade, ou poderíamos dizer informar, aquilo que julgamos necessário para uma determinada sociedade, pois esta lógica apenas contribui para uma reprodução, voluntária ou involuntária, da indiferença no qual a informação, ou o seu produto o conhecimento “dispersa-se indiferentemente na superfície em todas as direções” (Baudrillard, 1992: 18). Em suma, podemos dizer que esse viés pelo qual Baudrillard reflete sobre a informação quebra com a lógica da simples reprodução de conteúdos além de propor a não manutenção, ou desconstrução, dos paradigmas científicos, o que traz ao pesquisador um olhar mais apurado para a escolha da metodologia que se pretende aplicar em seu estudo, ou mesmo verifique a necessidade de se construir novas metodologias qualitativas para dar conta do objeto de estudo.

A memória e a informação devem ser vistas como duas esferas que se relacionam no momento da escolha e aplicação das ferramentas metodológicas e, por conseguinte, na construção das pesquisas qualitativas. No caso da temática da violência, esse cuidado deve ser ampliado, pois da mesma forma que a memória é uma construção processual (Gondar, 2005), a informação também o é, pois esta surge pelo ato de entender, interpretar e comunicar a imagem que fazemos do meio em que vivemos (Varela, 2007). Da mesma forma que a memória é uma construção oriunda do conflito entre lembranças e esquecimentos, com vistas a formação de um determinado enquadramento, a informação também age como um fator enquadrante, pois o modo como entendemos, por exemplo, a temática da violência, pode corroborar em equívocos, ausências, que por sua vez implica na construção de uma interpretação – e aqui as metodologias afetam nas interpretações possíveis da pesquisa qualitativa – além de propiciar uma comunicação singular.

Outrossim, as pesquisas qualitativas aplicadas ao campo da violência, devem considerar o objeto que se deseja responder, mas principalmente, refletir sobre os aspectos da memória e da informação que exercem uma ação, intencional ou não, que justifique a energia aplicada do pesquisador, pois os diversos temas inerentes a questão da violência podem ser tratados de variadas formas, por múltiplas metodologias, seja quantitativa ou qualitativa. Além disso, também deve ser considerado no momento de se enveredar pelos campos complexos, e por vezes, obscuros da violência é qual a importância e o valor que este projeto adquire para os usuários (seja os beneficiados diretos com a pesquisa, ou demais pesquisadores). Em suma, a metodologia justifica os caminhos escolhidos para o projeto, tornando-o pertinente às necessidades daqueles que dela necessitam (Varela, 2007).


Análise de conteúdo: implicações teóricas e empíricas sobre os relatos de homicídio

Quanto aos tipos de documentos disponíveis para a construção, e possível, perpetuação dos registros sobre a violência, podemos elencar alguns dos caminhos metodológicos

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comumente utilizados, dentre as quais situamos a análise de conteúdo, que segundo Bardin (2016, p. 48) é: “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores”. Esse trecho apresenta o viés oriundo das preocupações metodológicas quantitativas, no qual “a busca da cientificidade e da objetividade [...] atribuía um alcance meramente descritivo” (Silva; Gobby; Simão, 2004: 74). Em síntese, este método de análise que surge em meados de 1915 com o intuito de promover pesquisas que dessem conta das minúcias inerentes, em sua maioria nos formatos textuais e orais, ainda não se mostrava com a flexibilidade necessária. Em meados dos anos 50 e início dos anos 60, a análise do discurso demonstra novas provocações, de forma a revisar a aplicabilidade da metodologia que passa a estudar os indicadores, em termos quantitativos ou não, em prol da “inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens” (Bardin, 2016: 48).

Entretanto um primeiro cuidado se faz necessário. Ao admitirmos o uso de variáveis inferidas, o risco de analisarmos o conteúdo de uma fala, texto, entrevista e demais tipologias documentais por intermédio de uma subjetividade pré-concebida é possível, tendo em vista a proximidade do pesquisador com o campo, as afinidades com o estudo sobre determinada tipologia de violência ou mesmo a experiência in loco. Por exemplo, uma análise de conteúdo de relatórios sobre as violências infligidas dentro das instituições prisionais pode mostrar, de forma enviesada, justamente o que o pesquisador almeja, quer descobrir, quando na verdade ele deve estar preparado para o inesperado, para a subjetividade, dando ênfase na aprendizagem e compreensão inerente a pesquisa qualitativa (Becker, 2014; Cavalcante; Calixto; Pinheiro, 2014).

Em ressalva, o foco do presente trabalho é a discussão metodológica e não uma análise ou estudo de caso construido a partir das narrativas que compõem o arquivo, haja vista que antes desta análise, alguns cuidados com a ferramenta a ser aplicada são necessários. No caso dos relatos autorais de sujeitos que se encontram em conflito com a lei, temos, por um lado, uma miríade de experiências, estrutura e tipologias de violência perpetuadas pela memória em diversos meios de comunicação, como entrevistas gravadas, transcrições e afins. Porém, quando nos detemos a olhar esta tipologia documental pelo viés metodológico, algumas observações são importantes: deve-se iniciar com uma avaliação de si mesmo – estado emocional, atitudes, saúde física e mental – suas áreas de competência e incompetência; sua capacidade de por de lado ideias preconcebidas sobre pessoas, comportamentos ou situações sociais e políticas (Angrosino, 2009).

O autor citado também reforça quanto a importância de ajustar fatores pessoais – o corte de cabelo, jóias ou adereços corporais, as roupas e suas respectivas cores, o tom de voz, tatuagens – sempre que possível, pois nem todos os fatores são adaptáveis, tais como: “nosso gênero, nossa idade relativa, nossa categoria racial ou étnica percebida.” (Angrosino, 2009: 46). A simples solicitação de pesquisa em ambientes prisionais demanda uma série de fatores, nos quais a morosidade da aprovação do projeto, da entrada na unidade prisional, o modo de falar com os diretores e demais responsáveis, implicam em um posicionamento político por parte do pesquisador, pois o mesmo deve se lembrar que,

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em sua maioria, não faz parte nem do quadro de funcionários, nem do conjunto de presos, o que pode propiciar um olhar ao pesquisador como se o mesmo fosse um “intruso” que almeja adentrar em um determinado campo para fins de estudos e motivações pessoais.

A problemática da subjetividade pré-concebida e a ausência de cuidados quanto a questão da auto avaliação e ajuste dos fatores pessoais, são problemas que podem afetar na escolha da metodologia, na implementação das ferramentas metodológicas e, por conseguinte, no desenvolvimento da pesquisa qualitativa. Esses problemas são discutidos de forma aprofundada na literatura de processo decisório, no qual se reflete sobre os conceitos e técnicas necessárias para que possamos exercer uma tomada de decisão com uma margem de erro mínima.

Bazerman (2004) aponta para dois vieses mais gerais, porém de grande ocorrência: a armadilha da confirmação e a maldição do conhecimento. Vale dedicarmos algumas palavras sobre estes dois conceitos. No primeiro caso, tendemos a buscar evidências que confirmem nossas decisões, aquilo que colocamos como hipótese, objetivo da pesquisa, o que acarreta em uma tomada de decisão enviesada, nos cega tanto na aplicação metodológica quanto na discussão conceitual sobre o campo de estudos. Para evitar essa armadilha da confirmação, o ideal é nos determos em uma estratégia de busca aprofundada, antes de enveredar pelas pesquisas em bases de dados e entrar com uma visão moldada do que se espera do campo. Logo, é recomendado se deter em uma busca em arquivos, entrevistas e demais suportes mesmo que já detenha um conhecimento – quiçá apareça informações desconfirmatórias – sobre determinadas nuances do campo a ser observado (Bazerman, 2004).

No segundo caso, podemos verificar a implicação do conceito chamado maldição do conhecimento quando o pesquisador ignora sobre a existência de informações em detrimento dos outros pesquisadores, da pesquisa e prejudicando o próprio campo a ser analisado (Bazerman, 2004). Este viés costuma ocorrer em consonância com o viés anterior, pois são aspectos que afetam não por um desconhecimento do campo a ser estudado, mas justamente pelo contrário, quando se fundamenta, engessa um determinado conhecimento, em detrimento das possibilidades de aprendizagem ou mesmo bloqueio de se adquirir ou compartilhar conhecimentos com os demais. Estes vieses afetam no desenvolvimento salutar da pesquisa, pois pode corroborar para a implementação de ferramentas metodológicas unicamente para se confirmar o que já se sabe, ou mesmo, que acredita saber sobre o campo, de forma a esquecer que os campos, de uma forma geral, são dinâmicos e sofrem alterações constantes.

Assim sendo, não podemos considerar que o processo de construção do conhecimento está atrelado simplesmente a fundamentação teórica e aplicação de uma ferramenta metodológica. É mister que ao realizarmos pesquisas qualitativas, neste caso em comunhão com a análise de conteúdo, não caiamos na construção de categorias já fundamentadas, análises que já pressupõem determinados resultados ou uma aplicação exaustiva, por exemplo, de análise sequencial das falas feitas por intermédio de entrevistas ou transcrição, sem vislumbrar a possibilidade de adentrar em zonas mais cinzentas, por vezes elucidativas ou refutativas, do campo que estudamos. Cabe-nos “ser afetado” pelo

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campo permitindo tal como Favret-Saada (2009: 157, tradução nossa) “uma comunicação sempre involuntária e desprovida de intencionalidade, e que pode ser verbal ou não”, ou seja, é necessário realizar uma pesquisa de campo no qual o conhecimento e as demais preocupações com o modelo de pesquisa qualitativa, e sua ferramenta escolhida, não sejam como “prisões” à enviesar e controlar aquilo que se almeja pesquisar.

Logo, a ferramenta de análise de conteúdo se mostra complexa, pois desde antes de sua implementação é necessário avaliar se a escolha da ferramenta metodológica é adequada e quais serão suas aplicações, pois a mesma ferramenta também pode ser aplicada de diversas formas. Em exemplo, é possível aplicar uma análise temática do arquivo, no qual divide-se o texto em temas e subtemas (ex: violência interpessoal, subdividindo-se em homicídio, agressão física, violência domiciliar etc.). Também pode-se aplicar uma análise sequencial, no qual “critérios semânticos (organização da sequência em torno de um tema dominante), mas também estilísticos (ruptura de ritmos, operadores gramaticais)” (Bardin, 2016: 101). A hibridização de aplicações da mesma ferramenta também é viável, pois o modelo de análise temática e sequencial podem ser feitas em combinação. A flexibilidade no modo de trabalho com a ferramenta de análise de conteúdo ao mesmo tempo em que pode ser útil tornando-a muita das vezes a ferramenta principal da pesquisa qualitativa sobre a violência, ao invés de apenas ser um modelo complementar de análise, também pode deixar lacunas que tornem necessária a aplicação de outras metodologias, quiçá em conjunto como é o caso das pesquisas feitas por triangulação, ou seja, a partir da cooperação de métodos com vistas a resolução de um objetivo principal (Minayo; Assis; Souza, 2005).

Em suma, a pesquisa qualitativa em geral, e no caso apresentado o método de análise de conteúdo, reforça os benéficos e os cuidados que devemos tomar ao escolher uma determinada ferramenta para utilizar em nossa pesquisa, pois a mesma temática pode promover trabalhos que se orientem de forma adequada pelo viés quantitativo e ou qualitativo. O trabalho demonstra que essa divisão não necessariamente inviabiliza o trabalho em conjunto dessas metodologias, ao mesmo tempo em que determinados métodos qualitativos surgem justamente dos métodos quantitativos, tal como é o caso da análise de conteúdo, que apesar de se constituir sob os moldes rígidos do modelo quantitativo, atualmente “oscila entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade” (BARDIN, 2016: 15).


Considerações

O presente trabalho não se preocupou em destrinchar um determinado projeto, nem mesmo fazer a ambiciosa, e provavelmente audaciosa, reflexão sobre todas as metodologias, especificamente as de cunho qualitativo, disponíveis para se trabalhar e fundamentar uma pesquisa. Entretanto, alguns pontos foram considerados fundamentais para discutir, sem finalizar, a provocação apresentada.

Primeiro, demonstrar que independente da pesquisa, as opções de ferramentas quantitativas e qualitativas não são divergentes, pois o principal fator de escolha é o que

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se pretende responder com a pesquisa, ou seja, cada caso é um caso, no qual uma ou mais ferramentas podem ser utilizadas, inclusive de forma entrelaçadas, como é o caso da análise de conteúdo e demais ferramentas que apesar do emprego da quantificação ou de métodos quantitativos, ainda assim dependem de uma tradução, transcrição e análise daqueles dados, o que demonstra que a separação entre metodologias quantitativas e qualitativas, deve ser vista prioritariamente como uma separação didática.

Segundo, apontar que toda pesquisa inerente à temática da violência, envolve uma questão ética, o que provavelmente vai diferenciar, ou mesmo inviabilizar, a escolha de uma determinada metodologia. Por exemplo, a inclusão de nomes, fotos e dados concretos das pessoas, podem não ser facilitadas, por recomendação do próprio entrevistado, por questões legais – caso esse sujeito analisado seja um preso, por exemplo –, segurança da pessoa, grupo ou sociedade ou mesmo do pesquisador. Logo, a discussão sobre que método pode dar conta do projeto se mostra mais importante e adequada do que a discussão sobre a eficiência dos métodos qualitativos ou quantitativos, haja vista que é uma reflexão ineficaz para as necessidades reais de resolução de uma pesquisa ou demanda do corpo social.

Terceiro, há um aspecto a ser considerado: as pesquisas que lidam com o teor da violência e do crime causam um efeito direto no pesquisador, ou seja, ele deve estar ciente da possibilidade de ocorrência ou não de um crime. Instiga-nos pensar sobre como o pesquisador se posiciona ante a incidência desses efeitos na medida em que é obrigatoriamente afetado pela rede de ações do campo: instituição prisional, equipes gestoras, pessoas presas, condições de vida dos mesmos e outros. Apesar do primeiro e segundo ponto já apresentar resoluções no presente trabalho, verificamos que o terceiro ponto citado a pouco incita-nos a seguir um árduo caminho de pesquisas pela frente.


Referências

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Vol 26, N°4


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en diciembre de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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