Espacio Abierto Cuaderno Venezolano de Sociología Vol.26 No.2 (abril - junio, 2017): 61-81


Urbanização desigual: rios, mídia e modernização ecológica

Luciana Travassos*, Claudio Luis de Camargo Penteado** e Ivan Fortunato***


Resumo

O artigo trata da cobertura da mídia sobre os rios e córregos paulistanos, entre 2006 e 2016, analisando os discursos pela permanência ou ruptura do paradigma de canalização dos cursos d’água, estabelecido ao longo do século XX. A hipótese é que a cobertura da mídia dá maior destaque para reportagens relacionadas à manutenção do paradigma, mas, nas áreas em que vive a população de classes de renda média e alta, especialmente no centro expandido, enfatiza a recuperação de rios urbanos, paradigma vinculado à modernização ecológica. Os resultados sugerem que a mudança de paradigma de fato tem sido considerada de forma mais expressiva nessas áreas, por força principalmente de organizações não-governamentais e movimentos ambientalistas, enquanto confirmam a manutenção do paradigma de canalização de córregos nas periferias e, principalmente, quando se trata de assentamentos precários.

Palavras-chave:Canalização; Centro expandido de São Paulo; Jornal o Estado de São Paulo


Aceptado: 15-01-2017 / Recibido: 21-02-2017


* Universidade Federal do ABC. Itapetininga, São Paulo, Brasil.

E-mail: luciana.travassos.ufabc@gmail.com

** Universidade Federal do ABC. Itapetininga, São Paulo, Brasil/ E-mail: claudiocpenteado@gmail.com

*** Universidade Federal do ABC. Itapetininga, São Paulo, Brasil/Universidade Federal de São Carlos. Sorocaba, São Paulo, Brasil.

E-mail: ivanfrt@yahoo.com.br


Unequal urbanization: rivers, media and ecological modernization


Abstract

The paper deals with the media coverage (between 2006 and 2016) of the rivers and streams of São Paulo, analyzing the discourse that supports the maintenance or the rupture of the waterways channeling paradigm, which was established throughout the 20th century. The hypothesis is that the media coverage gives more prominence to reports related to the maintenance of the paradigm, but in the areas where the population of middle and upper income classes lives, especially in the expanded center, it is emphasized the restoration of urban rivers, which is linked to the ecological modernization paradigm. The results suggest that the paradigm shift has in fact been considered more expressively in these areas, mainly due to non- governmental organizations and environmental movements, while the results confirmed the maintenance of the channeling paradigm of streams in the suburbs, especially, when it comes to precarious settlements.

Keywords:Urban policies; rivers; urban inequalities; São Paulo; O Estado de São Paulo newspaper.

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http://alexisromerosalazar1949.blogspot.com/2017/06/ travassos-camargo-y-fortunato_20.html


Urbanización desigual: ríos, medios y modernización ecológica

Resumen

El artículo trata sobre la cobertura mediática (entre 2006 y 2016) de los ríos y arroyos de São Paulo, analizando el discurso que sustenta el mantenimiento o la ruptura del paradigma



de canalización de las vías fluviales, establecido a lo largo del siglo XX. La hipótesis es que la cobertura mediática da más importancia a los informes relacionados con el mantenimiento del paradigma, pero en las áreas donde vive la población de clases medias y altas, especialmente en el centro ampliado, se destaca la recuperación de ríos urbanos, que está vinculada al paradigma de la modernización ecológica. Los resultados sugieren que el cambio de paradigma ha sido considerado de manera más expresiva en estas áreas, principalmente debido a organizaciones no gubernamentales y movimientos ambientales, mientras que los resultados confirmaron el mantenimiento del paradigma de canalización de arroyos en los suburbios, especialmente cuando se trata de asentamientos precarios.

Palabras clave: Canalización; Centro ampliado de São Paulo; Periódico O Estado de São Paulo.


Introdução

O presente artigo trata da cobertura da mídia sobre os rios do Município de São Paulo, capital do estado de mesmo nome e principal cidade da maior metrópole da América do Sul, com aproximadamente 11 milhões de habitantes (sendo 20 milhões na região). O artigo procura analisar a cobertura da mídia entre 2006 e 2016, com o intuito de verificar se há uma mudança de discurso sobre o tratamento de rios e córregos entre a sua canalização e recuperação, bem como se esses discursos se distribuem desigualmente pelo território, entre as áreas centrais e a periferia.

Nas sociedades contemporâneas, a cobertura da mídia produz efeitos sobre a formação da agenda política (McCombs & Shaw, 1972), assim como na orientação e avaliação de políticas públicas (Penteado & Fortunato, 2015) e, ainda, como dispositivo autônomo da reprodução das estruturas de poder social (Van Dijk, 2008). Nesse sentido, a cobertura jornalística sobre as formas de intervenção pública na canalização de rios e córregos, ilustra os discursos políticos e tecnopolíticos que visam legitimar junto à opinião pública os paradigmas de atuação de políticas públicas diferenciadas entre regiões nobres e periféricas.

Assim, ao lado do posicionamento técnico, destaca-se na condução das decisões sobre rios e várzeas urbanas o papel da opinião pública, que pode ser observado pelo tom das notícias de jornal em cada época e pelos pedidos dos munícipes, destacados nessas notícias. Já no final do século XIX, O Estado de São Paulo noticiava o aformoseamento da várzea do Carmo e a necessidade de canalizar e cobrir o Anhangabaú. No primeiro quartil do século, uma série de artigos do arquiteto Milcíades Porchat (1920), publicados no Jornal do Commercio, requeria a canalização do Rio Tietê e a construção de pistas laterais ao rio, ligando a Lapa a Penha). Já após o Plano de Avenidas de Prestes Maia, nos anos



1930, o então prefeito Fábio Prado (1936) deu longa entrevista ao jornal, destacando que construção da avenida sobre o córrego Itororó vai “contribuir para que S. Paulo dentro de tres annos, talvez, tenha prompto um dos melhores passeios que uma cidade civilizada pode possuir”. Desde então, são numerosos artigos e reportagens expondo a questão dos fundos de vale, pedindo e noticiando sua canalização e a construção de sistema viário, porém, os córregos citados são quase sempre os mesmos, Traição, Sapateiro, Uberaba, Água Preta, Rio Verde, todos corpos d’água localizados nas áreas onde vive a população de maior renda. A partir da década de 1980, outros rios começam a aparecer nos noticiários, como o Pirajussara e o Aricanduva, conforme a política de canalização de córregos ia chegando às suas bacias e, principalmente, em razão dos muitos episódios de inundação que os moradores das margens desses corpos d’água sofriam e sofrem.

Os rios paulistanos, em especial aqueles do Centro Expandido, no entanto, passaram a ser notícia, nos últimos anos, agora com uma nova questão, a sua redescoberta, viabilizada pela mudança de paradigma representada pelos parques lineares e iniciativas em outros países, que ganharam destaque na mídia. Agora, o discurso versa pela recuperação dos rios, mesmo esses que estão sob avenidas em áreas valorizadas da cidade. O clamor para descobrir, ou tirar das galerias, os rios do centro expandido poderá ter como consequência novos investimentos públicos nas áreas com boa infraestrutura da cidade e manutenção da invisibilidade dos rios ocupados por assentamentos precários na periferia, onde vive a grande maioria da população.

Atualmente, existem dois principais paradigmas de intervenção sobre os rios e córregos urbanos em São Paulo: um que representa a continuidade do modelo de canalização de córregos e construção de avenidas de fundo de vale e, outro, a sua recuperação para a paisagem, que pode ser entendido como um paradigma da modernização ecológica. Ambos buscam legitimar suas intervenções por meio de discursos técnicos. Enquanto o primeiro advoga por uma forma de atuação padronizada que trouxe inúmeros problemas para a cidade, o segundo constrói um discurso ecológico para justificar sua atuação, mas privilegia as áreas nobres e mais valorizadas da cidade, silenciando o problema em regiões periféricas e carentes de serviços urbanos. Entretanto, esses dois paradigmas são pautados por intervenções que não discutem o modelo de ocupação da cidade, replicando uma lógica de exclusão da população mais carente, que sofre com a falta de tratamento adequado dos corpos d’água e suas margens.

A visibilidade da disputa entre esses dois paradigmas, que visam legitimar suas ações perante a opinião pública, pode ser presenciado por meio da cobertura jornalística sobre a temática e os discursos das fontes. Nesse sentido, cria-se a necessidade do desenvolvimento de pesquisas voltadas para o estudo do tipo de cobertura em relação às políticas socioambientais de intervenção pública, nesse caso em relação aos rios e córregos urbanos de São Paulo. Afinal, como os canais de comunicação da cidade estão cobrindo as notícias relacionadas aos rios e córregos urbanos? Que tipos de paradigmas que estão sendo defendidos ou criticados? Quais atores e enfoques estão ganhando maior visibilidade?

Com o objetivo de tentar responder essas questões, este estudo agrupou uma equipe interdisciplinar de pesquisadores, das áreas de planejamento urbano e estudos de mídia,



para a realização de um estudo sobre a cobertura no jornal de maior circulação na grande São Paulo, O Estado de São Paulo (OESP), sobre as notícias relacionadas ao tema dos rios e córregos urbanos.

Dessa forma, busca-se investigar: Como é a cobertura dos meios de comunicação, mais especificamente do jornal OESP, da situação dos rios e córregos em São Paulo e a intervenção do poder público? A cobertura da mídia abrange os principais problemas socioambientais relacionados aos rios e córregos de São Paulo ou somente reforça os paradigmas tecnológicos existentes? Quem são as principais fontes que ganham espaço dentro da cobertura jornalística sobre a temática?

A hipótese que visa responder a essas perguntas está relacionada a um tipo de intervenção (política) pública que privilegia um paradigma tecnológico, que utiliza os meios de comunicação para legitimar suas práticas e influenciar a ação do Estado em relação a gestão dos rios urbanos em São Paulo. Por isso, pensamos que a cobertura da mídia dá maior destaque para reportagens relacionadas a manutenção do paradigma de forma geral e enfatiza o paradigma de recuperação de rios urbanos, vinculado à modernização ecológica, nos corpos d’água localizados nas áreas nobres, ou áreas em que vive a população de classes de renda média e alta, especialmente o centro expandido.

Para desenvolver o trabalho, partimos de um amplo panorama histórico sobre a relação de São Paulo com seus rios, destacando os dois principais paradigmas de intervenção. Na segunda seção do texto, apresenta-se uma discussão teórica sobre a emergência do paradigma da modernização ecológica e sua forma de intervenção nos rios urbanos. Na sequência, apresentamos uma discussão teórica sobre o poder da mídia e sua influência nas políticas públicas, com ênfase na questão ambiental. A metodologia utilizada para o estudo está descrita na quarta parte, enquanto que os resultados da pesquisa são apresentados na sequência. Ao final, a partir dos dados, buscamos demonstrar como a mídia pode legitimar ações ambientais, mesmo que estas não sejam.


São Paulo: paradigmas de intervenção sobre seus rios

Historicamente, a cidade de São Paulo deve muito aos seus rios, pois o primeiro local de estabelecimento cultural foi no alto de uma colina (hoje o local é referido como triângulo histórico) ladeada pelas áreas de várzea Tamanduateí e Anhangabaú: rios piscosos e navegáveis, que ofereciam terreno fértil para agricultura (Fortunato, 2015). Rios e cidade conviveram em harmonia até o início do século XX, momento em que a conjuntura nacional e internacional permitiram o desenvolvimento urbano-industrial do país, tendo a geografia paulistana colaborado com o intenso crescimento de São Paulo (Fortunato, 2016). Assim, os rios de São Paulo foram sendo objeto de intervenção para urbanização na medida em que a cidade se aproximava deles, não toda a ocupação urbana, mas a cidade legal, aquela que atendia – ainda que parcialmente (Maricato, 2000) – as regras estipuladas para loteamento e edificação. As primeiras ações, voltadas para o triângulo histórico, ou seja, para os rios Tamanduateí e Anhangabaú, tinham como foco as ações de saneamento, em especial o aumento de vazão para a diluição de esgotos. Nos rios



Tietê e Pinheiros, as discussões de então estavam voltadas principalmente para a geração de energia elétrica.

Conforme a cidade edificada foi se aproximando e ultrapassando as várzeas, o debate em torno da regularização das margens e dos leitos dos rios tornou-se mais presente, uma vez que alguns episódios de inundação passaram a atingir residências e a infraestrutura urbana construída. Assim, de forma crescente, a questão dos esgotos e seu mau cheiro, e as inundações passaram a figurar como principais justificativas para a canalização de rios e córregos (Travassos, 2004).

Ao lado das decisões sobre os rios e suas águas, estava a discussão sobre a forma de ocupar as várzeas. As três primeiras décadas do século XX testemunharam debates intensos sobre a concepção da urbanização de rios e várzeas, com projetos que visavam desde a criação de paisagens bucólicas até seu afastamento total da paisagem, com construção de galerias subterrâneas e sistema viário. O modelo que pautou a relação dos rios com a cidade estabeleceu-se em 1930, com o Plano de Avenidas de Prestes Maia. A partir de então, a única e melhor forma de intervenção em cursos d’água e várzeas era a canalização em galeria e a construção de sistema viário sobre o canal. Este foi chamado de estabelecimento de um paradigma tecnológico, ou seja um modelo que foi sendo implantado sem questionamento (Travassos, 2004). Até a década de 1970, tais intervenções estavam de acordo com planos de estruturação viária da cidade. Nessa década, em razão da existência de vultosas verbas federais, a canalização de córregos e a construção de avenidas de fundo de vale passaram a integrar programas de melhoramento, ou seja, onde houvesse um córrego a ser tratado, essa seria a intervenção (Travassos, 2004).

A partir da primeira década do século XXI, o paradigma começa a se alterar, em especial pela introdução dos parques lineares, no Plano Diretor Estratégico de 2002, e o começo de sua implantação nas várzeas. Dessa forma, no final dessa década, ao lado de um entendimento cada vez maior de que as obras construídas até então não haviam sido eficazes em minorar os episódios de inundação, gerou uma mudança significativa na abordagem da drenagem urbana da cidade, saindo da ideia de expulsar rapidamente as águas precipitadas para a ideia de reservação, que aconteceu principalmente pela implantação de reservatórios (Travassos, 2010). A despeito do que foi indicado por Balazina (2005), a respeito de um primeiro movimento de renaturalização dos rios Itororó (sob a Av. 23 de Maio) e Ipiranga (na av. Ricardo Jafet), os parques lineares começaram a ser construídos em margens de córregos na periferia (áreas mais carentes da cidade) que apresentavam pouco conflito de ocupação, mas seus leitos seguiram sendo canalizados (Travassos, 2010). Entretanto, na década de 2010, essa política não avançou, a implantação de parques lineares na periferia se arrefeceu, e as avenidas de fundo de vale, embora em menor quantidade, permaneceram no debate, junto à manutenção da canalização e à construção de piscinões.

Assim, a desigualdade do desenvolvimento urbano de São Paulo também se expressa nessa relação. O atendimento histórico das políticas urbanas não ultrapassou muito os limites da cidade legal, dessa forma, os rios canalizados em galerias sob o sistema viário estão localizados majoritariamente na área conhecida como Centro Expandido,



conformada pelos bairros de maior renda e melhor estrutura urbana da cidade, avançando por suas bordas.

Nas periferias, grande parte dos rios, córregos e várzeas nunca recebeu nenhum tipo de tratamento urbano e serve de local de moradia para a parcela mais pobre da população. Em levantamento realizado por meio de dados espaciais disponibilizados pela prefeitura municipal, a partir da base de dados de 2017 da Secretaria Municipal de Habitação, é possível observar que do universo de 1.698 favelas no município de São Paulo, 848 se encontram total ou parcialmente sobre áreas de várzea ou sobre o leito de rios, somando aproximadamente 274 mil domicílios, de um total de 386 mil. Ou seja, a principal questão ambiental dos rios de São Paulo hoje está onde a cidade é mais precária, configurando-se também como uma questão de justiça ambiental (cf. Acselrad, 2004). Verifica-se, ainda, uma distribuição desigual dos impactos ambientais, que acompanha a desigualdade social, assim, a população mais pobre soma à vulnerabilidade social, a ambiental, com menor capacidade de organizar sua pauta e requerer a ação pública (figuras 01 e 02, respectivamente).


Figura 01: Córrego Itororó, sob a Av. 23 de Maio (central), e córrego do Caburé (periferia).



Créditos: Travassos (2014; 2017).



Figura 02: Mapa dos rios de São Paulo


Créditos: Mapa elaborado pelos autores (fonte dos dados: favelas - São Paulo (Cidade), Secretaria de Habitação, 2017; centro expandido - São Paulo (Cidade), Companhia de Engenharia de Tráfego, 2017; hidrografia - São Paulo (Cidade), Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano; demais dados - Laboratório de Urbanismo da Metrópole, s.d.).


Modernização ecológica e rios urbanos

De acordo com Janicke (2008), o termo modernização ecológica foi cunhado no começo dos anos 1980 como uma tentativa de integrar a ecologia e a economia, respondendo à demanda por uma forma de desenvolvimento mais apropriada do ponto de vista ambiental, considerando o longo prazo (more environmentally friendly). Para tanto, estabelece a tecnologia e a inovação como pilares da sustentabilidade.



Um de seus primeiros proponentes, Hubner (1986), estabelece como um dos problemas das sociedades industriais contemporâneas a colonização das esferas sociais e ecológicas pela esfera da tecnologia, falhas do sistema industrial que podem ser corrigidas por uma reestruturação social, das instituições científicas e tecnológicas e da economia de mercado. Propõe, porém, como solução para essa questão um processo de hiperindustrialização, que demandaria novas tecnologias de base ecológica, criadas por empreendedores esclarecidos, seus principais atores, mas com políticas e regulação estatal que deem suporte a essas ações.

A modernização ecológica busca, então, situações de ganha-ganha, cuja chave principal é a adoção da tecnologia e política socioeconômica “certas”, pleiteando por um tipo de desenvolvimento que aconteça com a natureza e não contra ela (Pow & Neo, 2013). Uma vez que a modernização ecológica possui viabilidade econômica, os agentes e dinâmicas da economia possuem um papel de liderança para atingir as mudanças desejadas. Com a ampliação do entendimento sobre a questão ambiental, a partir dos anos 1990, que vai associar à tradicional questão do estoque de recursos naturais e depósito de dejetos, a ideia de espaços de vida, os atores também se ampliam e complexificam, com o crescimento dos movimentos ambientalistas (Olivieri, 2009).

Uma das características dessa percepção ampliada está intimamente vinculada com mudanças culturais em atividades cotidianas relacionadas aos espaços de morar, o que vai informar algumas leituras sobre a sustentabilidade urbana, em especial aquelas que estabelecem medidas para a qualidade de vida. Embora a sustentabilidade urbana tenha um forte caráter ético e esteja intimamente enraizada no território, o que leva à conclusão de que os critérios de sustentabilidade deveriam variar com o contexto, a ideia de qualidade de vida, assim como a modernização ecológica, apresenta grande dimensão global, estabelecendo, inclusive, um mercado global, sem, no entanto estar comprometida, a priori, com fins sociais específicos, como a justiça social (Olivieri, 2009). Assim, a definição de qualidade de vida das cidades reúne um pacote formado por questões de segurança, educação, cultura, estabilidade política, meio ambiente e recreação, dimensões que vão configurar um lugar específico para cada cidade na arena internacional e na competição por investimentos, com pouca consideração às diferenças sociais e consequentes diferenças de acesso (Pow & Neo, 2013).

Além disso, muito da gestão e governança se dá, em conformidade com a modernização ecológica, por meio de uma lógica empresarial, inclusive considerando as ações do Estado. Tal lógica advoga uma série de mudanças no espaço urbano, destinadas a fomentar o crescimento local e desenvolvimento econômico e a melhorar o lugar da cidade na competição global. Por outro lado, Hall & Hubbard (1996) entendem que os governos locais sempre utilizaram estratégias empresariais, em coalizão ou parceria com a iniciativa privada, para fomentar o crescimento local e a acumulação de capital, algo que se observa no caso aqui estudado. A diferença entre as práticas do passado e as do presente está em uma indefinição maior da fronteira entre Estado, iniciativa privada e aquilo que os autores chamam de nova burguesia e interesses de propriedade (Hall & Hubbard, 1996).



Researchers who have sought to understand entrepreneurial governance from this regime perspective have therefore suggested that such urban coalitions typically consist of loose or informal partnerships of a multiplicity of interest groups which function together in order to make and carry out specific governing decisions (Hall & Hubbard, 1996: 156).

Os autores entendem que muitas dessas coalizões têm como objetivo alcançar soluções concretas para problemas urbanos específicos e assim aumentar a prosperidade da cidade, atraindo investimentos. É possível dizer que muitos desses problemas urbanos são considerados também como problemas de qualidade de vida na cidade, essa qualidade de vida instituída globalmente e construída por meio do discurso, ecoado em rankings de cidades, elaborados por exemplo, por publicações tão diversas como a Monocle ou a The Economist, e mesmo de bairros, como pode ser visto em publicações brasileiras como a revista Exame ou o jornal Folha de São Paulo.

Porém, a modernização ecológica, e seu aspecto conectado à sustentabilidade urbana e qualidade de vida, tem sido criticada por atuar em um vácuo social e por tratar de forma acrítica a tecnologia como um bem universal, acessível a todas as pessoas e locais (Pow & Neo, 2013). Particularmente nos países em desenvolvimento, a desigualdade da distribuição de renda é acompanhada pela desigualdade de acesso à tecnologia e, é possível dizer, à modernização ecológica.

Com relação aos rios urbanos, é possível associar à modernização ecológica as ideias de restauração, recuperação ou renaturalização de rios urbanos1, que conformam um novo paradigma para o tratamento dos corpos d’água e suas margens, ao procurar recuperar a paisagem fluvial nas cidades. De forma geral, essas ações têm como objetivo reabilitar as funções ecológicas do sistema. Embora, nos rios urbanos, a transformação de suas bacias com a impermeabilização do solo, a produção de poluição difusa e mesmo a alteração nos padrões de chuva impossibilite todo e qualquer retorno a uma situação “original” (cf. Travassos, 2010), há uma série de estudos que procuram uma aproximação a essa situação, por meio da tecnologia. Eden & Tunstall (2006) observam, inclusive, que a restauração ecológica ou ambiental de rios e córregos tem sido amplamente estudada, especialmente pelas ciências naturais, tais como a ecologia, a geomorfologia e a hidrologia. No entanto, os aspectos sociais e políticos dessas intervenções são muito pouco avaliados, limitando- se aos relacionados à percepção dos usuários sobre determinado espaço após a conclusão das obras.

As ações de cunho ecológico em rios e córregos urbanos vêm ganhando espaço nas instituições públicas que tratam do manejo de águas fluviais desde a década de 1990, em vários países (Travassos, 2010). Isso se deve, em partes, ao crescimento da sustentação dos projetos de restauração ecológica, frente aos projetos tradicionais de defesa contra as inundações, que vem da ampliação das categorias profissionais dentro das instituições públicas de gerenciamento de drenagem, com o ganho de importância de profissionais


  1. São muitos os termos presentes na literatura, um rol desses termos e suas diferenças pode ser encontrado em Shields et al. (2003).



    das ciências naturais (Adams et al., 2004). Dentre as diversas ações possíveis, a mais complexa é aquela conhecida por “daylighting” (Pinkham, 2000), ou seja, tirar os rios de galerias subterrâneas (deculverting), recuperando-os em diversas gradações. Em 2005, um vultoso projeto sul-coreano de daylighting, a construção do parque urbano no rio Cheonggyecheon, em Seul, ganhou a mídia mundial, dando força para essa discussão em diversos países.

    Em São Paulo, a despeito das imensas desigualdades em infraestrutura urbana, entre o centro expandido e as periferias, esse debate ganhou força nesta década, encabeçado principalmente por movimentos ambientalistas urbanos com forte inserção na mídia. Assim, rios outrora canalizados em galeria voltam a ser tema de debates, agora com a ideia de sua recuperação, cada vez mais incorporada no debate das políticas públicas (ainda que não efetivadas), em um claro processo de modernização ecológica sem justiça ambiental. Ou seja, o debate para a recuperação desses rios não está contextualizado no entendimento completo da situação dos rios e córregos da cidade, ignorando que a sua principal questão ambiental hoje não está nos rios canalizados em galeria, mas, sim naqueles que agregam a vulnerabilidade social à ambiental, córregos ocupados por assentamentos precários, sem coleta de esgoto, em áreas passíveis de inundação, mas que, por outro lado, representam oportunidades para a construção de uma nova relação entre os rios e a cidade.


    Mídia e poder: visibilidade, agendamento e meio ambiente

    A maior penetração dos meios de comunicação na vida cotidiana das pessoas delineou novas formas de sociabilidade que são mediadas na e pela mídia (Thompson, 1995). Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, e sua popularização, a mídia assumiu papel central nas relações humanas, servindo como principal fonte de informações para acontecimentos e eventos que ocorrem em outras localidades, processo esse que exerce influência na dinâmica da ação do Estado e no desenvolvimento de políticas públicas (Penteado & Fortunato, 2015).

    Esse processo produz importantes transformações no pensamento político e social. Segundo argumenta Thompson (1995), em sociedades democráticas a mídia assume papel de espaço público da ação política, no qual as práticas políticas ganham maior visibilidade e os diferentes atores sociais vão buscar administrar suas imagens públicas e legitimar suas práticas. Nesse sentido, as informações publicizadas pelas diversas mídias acabam fazendo parte dos temas pelos quais as pessoas tomam conhecimento dos acontecimentos e influenciam na formação da opinião pública. Isso contribui para a avaliação das políticas públicas empregadas.

    A maior presença da mídia no cotidiano das pessoas produz importantes transformações na vida social. Os meios de comunicação ultrapassam sua função instrumental de espaço e veículo de informação, para estarem presentes nas mais variadas práticas humanas – do trabalho ao lazer – revelando o impacto da comunicação dentro do atual estágio do desenvolvimento humano. Assim, a informação assume o papel de matéria prima (Castells,



    1996) e passam a orientar a ação do Estado (Debray, 1994) e da própria legitimidade do Estado (Hurrelmann, 2009).

    A centralidade da mídia nas relações sociais contemporâneas revela a importância da mídia não somente como aparato técnico de comunicação, mas também como dispositivo para a construção ou transmissão das formas simbólicas pelas quais as pessoas interpretam e criam sentido para o mundo material em que estão inseridos. Esse processo cognitivo é caracterizado pela mediação (intermediação) da cobertura dos meios de comunicação dos eventos e acontecimentos, produzindo importantes efeitos sociais que precisam ser estudados (Penteado, 2009).

    Com o avanço comunicação de massa, principalmente a partir da década de 1970, pesquisadores indicam que os efeitos midiáticos são mais complexos, dando início a formação de uma nova teoria: a teoria da agenda-setting de McCombs e Shaw, em Chapel Hill, Columbia University (Scheufele & Tewksbury, 2007). Em recente revisão e análise da trajetória da teoria da agenda-setting, McCombs, Shaw e Weaver (2014) identificaram ser possível observar que o campo de pesquisa na teoria da agenda-setting se configura em uma teoria em constante renovação e atualização. Isso demonstra sua eficiência metodológica e explicativa, se consolidando como uma importante ferramenta de pesquisa social. A abordagem da teoria da agenda-setting tem como premissa que a mídia seleciona determinados assuntos (issues) e atores e omite outros. Dessa forma, esse tipo de cobertura acaba por influenciar na formação da agenda pública, e consequentemente o debate público, ao dar maior espaço e visibilidade em seus canais para determinados assuntos e atores específicos.

    A partir das críticas e aprimoramentos da teoria do agenda-setting, foram desenvolvidas duas abordagens: priming e framing. Tais abordagens buscam evidenciar que os efeitos da mídia não estão somente relacionados à saliência que os meios de comunicação dão a determinado issue, conforme a agenda-setting. O priming evidência o processo de sugestão (indução) que a cobertura da mídia faz em relação aos assuntos noticiados, gerando influência sobre a formação da opinião pública. Já o framing diz respeito a maneira pela qual um issue é retratado na cobertura da mídia, isto é, como um acontecimento ganha visibilidade pela mídia e/ou como uma notícia vai ser enquadrada (Scheufele & Tewksbury, 2007).

    Para este artigo, a abordagem do framing se mostra mais adequada, uma vez que a gestão urbana de rios e córregos envolve questões técnicas de difícil apreensão para a grande maioria da população. O enquadramento da mídia sobre a temática ajuda a simplificar a discussão e produzir “leituras” pelas quais os indivíduos vão produzir seu entendimento sobre a temática e formar a opinião pública, trabalhando dentro de uma dimensão de agência. Assim, a abordagem do framing permite identificar as formas pelas quais os acontecimentos são veiculados pela cobertura jornalística dos media: quais elementos discursivos ganham maior destaque? Quais representações simbólicas são utilizadas? Quais interpretações são privilegiadas? Quais atores sociais são ouvidos?



    Os enquadramentos produzidos pela mídia funcionam como marcos interpretativos gerais que são constituídos a partir das disputas discursivas presentes na sociedade. Esses marcos auxiliam as pessoas a criar sentido aos eventos e situações transmitidos pelos meios de comunicação. Scheufele & Tewksbury (2007) indicam que o framing opera no nível macro e micro, funcionando como uma “ferramenta” para a simplificação de um assunto muitas vezes complexo – como no caso da canalização de rios e córregos – de forma a torná-lo mais compreensível para a audiência. Contudo, a adoção de um framing envolve a disputa entre interesses e posicionamentos políticos e sociais, que no caso deste estudo está relacionado à manutenção de um paradigma tecnológico de intervenção e a emergência de um novo paradigma estruturado no discurso da modernização ecológica. Ambos os paradigmas buscam normalizar o modelo de exclusão espacial e social existentes na cidade de São Paulo.

    Dessa forma, a teoria do agenda-setting identifica que a cobertura dos meios de comunicação em relação os rios e córregos urbanos de São Paulo não opera dentro do discurso da neutralidade jornalística, mas representa disputas políticas, formas de intervenção estatal e visões de mundos diferenciadas dos atores envolvidos com a temática, ao destacar certos acontecimentos e enquadrá-los dentro de esquemas cognitivos (discursivos) que representam interesses e posições específicas, como objetivo de influenciar a opinião pública e consequentemente a agenda de políticas públicas, como procuramos demonstrar a seguir.


    Materiais e métodos

    Para analisar a cobertura da mídia sobre os rios urbanos e córregos paulistanos, mais especificamente sobre a mudança ou manutenção do paradigma de canalização de córregos bem como a diferença no tratamento entre os rios dentro e fora do centro expandido, foi utilizado o serviço de busca disponível no site do jornal O Estado de São Paulo2, na coleta por notícias relacionadas ao tema. O Jornal foi selecionado por ser aquele de maior circulação no município de São Paulo3.

    O período selecionado para análise foi de 1º de janeiro de 2006 a 31 de dezembro de 2016. A data inicial foi escolhida porque em 2006 foi criado, por meio de portaria da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo, um grupo de trabalho a fim de operacionalizar a implantação de parques lineares, o que pode ser entendido como o momento em que começa a haver uma mudança efetiva nas práticas de intervenção. Esse é, também, o ano seguinte em que o projeto sul-coreano de daylighting foi intensamente divulgado.

    Em nossa pesquisa, os descritores utilizados para a busca foram: canalização de córregos; recuperação de córregos/rios; córregos ocultos/invisíveis. A ferramenta de busca


  2. Serviço disponível em: http://www.estadao.com.br/.

  3. Informação disponível em: http://publicidade.estadao.com.br/estadao/estadao-dados-de-mercado/. Fonte Ipsos, 2013.



    do jornal permitia que notícias contendo palavras próximas a essas fossem encontradas na mesma busca. Foram selecionadas 201 reportagens, diretamente relacionadas ao tema da pesquisa. Nessas reportagens foram analisadas: (a) data de publicação (b) o enquadramento (framing) adotado, (c) a referência geográfica e (d) as fontes utilizadas nas reportagens. Foram utilizadas 6 classificações para o enquadramento das notícias:


    1. Crítica ao paradigma: crítica ao modelo tradicional de canalização de rios e córregos ou a proposição da “recuperação dos rios” (paradigma da modernização ecológica);


    2. Manutenção do paradigma: discurso que reforça o modelo de canalização de rios e córregos;


    3. Inundação: notíciasquerelatamocorrências de inundações em localidades da cidade;


    4. Poluição: notícias que relatam problemas de poluição em rios e córregos.


    5. Quadro geral do problema: notícias que buscam fazer uma avaliação geral da questão dos rios e córregos;


    6. Outros: demais reportagens que não se enquadram nas categorias anteriores.

      As notícias também foram classificadas quanto a localização dos rios ou córregos

      retratados, podendo ser: (a) dentro do centro expandido, (b) fora do centro expandido e

      (c) indiferente, categoria que foi utilizada quando a notícia tratava de rios nas duas áreas, não especificava os corpos d’água ou tratava daqueles que atravessam ambas, como os rios Tietê ou Pinheiros.

      Ainda, foram identificadas as fontes referenciadas nas reportagens, seguindo a seguinte categorias: ONGs e afins (incluindo movimentos ambientalistas), poder público estadual, poder público municipal, especialistas (envolvendo técnicos, pesquisadores e professores), população e outras fontes.


      Resultados

      Os resultados encontrados mostram que notícias com o enquadramento da manutenção do paradigma tiveram maior ocorrência (50,24%), enquanto as reportagens críticas ao paradigma da canalização tiveram somente 12,93%. Esses dados evidenciam, que na cobertura do jornal, ainda prevalece o paradigma de manutenção da canalização de rios e córregos, conforme ilustrado na tabela 01.



      Tabela 01: Enquadramentos das notícias


      Enquadramentos

      %

      Crítica ao paradigma canalização

      12,93

      Manutenção do paradigma

      50,24

      Inundação

      15,92

      Poluição

      6,96

      Quadro geral do problema

      6,46

      Outros

      7,46

      Em relação a localização dos rios e córregos retratados nas reportagens, os resultados expressos na tabela 02 mostram que a maioria das notícias estudadas são relacionadas aos rios fora do centro expandido (48,25%), regiões que concentram grande parte da periferia da cidade.


      Tabela 02: Localização dos rios e córregos retratados nas reportagens.


      Local

      %

      Dentro do centro expandido

      17,91

      Fora do centro expandido

      48,25

      Indiferente

      33,83

      As principais fontes utilizadas nas reportagens foram técnicos e gestores do poder público municipal (50,24%). Esses dados revelam que os agentes públicos da burocracia (alto e médio escalão) ainda são importantes fontes na produção de discursos e explicações. Isto, de certa forma, confirma os resultados encontrados sobre o enquadramento, no qual esses agentes tendem a ter um discurso de manutenção do paradigma. A tabela 03 expõe os dados a respeito das fontes consultadas:


      Tabela 03 - Fontes consultadas4


      Fontes

      %

      ONGs e afins

      12,96

      Poder público estadual

      17,91

      Poder público municipal

      50,24

      Especialistas

      13,93

      População

      26,86

      Outros

      4,97

      Sem fonte

      19,9


  4. O total ultrapassa 100%, pois uma notícia pode usar mais de uma fonte.



Ao cruzar os enquadramentos com a localização (Tabela 04) pode-se perceber que o enquadramento da manutenção do paradigma acontece principalmente quando se trata de corpos d’água fora do centro expandido, com 67% das notícias, contra 15% no centro expandido, fato que chama à atenção, mas segue também a proporção das notícias veiculadas. Por outro lado, a leitura qualificada das notícias mostra que, sempre que a questão dos assentamentos precários está considerada, o paradigma é o da manutenção da canalização de córregos.


Tabela 04 - Paradigma x localização



Enquadramentos


Dentro do Centro Expandido (%)


Fora do Centro expandido (%)


Indiferente (%)

Crítica ao paradigma

38,46

30,76

30,76

Manutenção do paradigma

14,85

67,32

17,82

Inundação

0

40,62

59,37

Poluição

0

42,85

57,14

Quadro geral do problema

0

7,69

92,3

Outros

73,33

6,66

20



Em relação à crítica ao paradigma da canalização de córregos, embora apareça bem distribuído entre dentro e fora do centro expandido, é importante ressaltar que uma parte das notícias que fazem a crítica ao paradigma e estão localizadas fora do centro expandido tratam de bairros das classes média e alta da cidade, como Granja Julieta e Morumbi; também ressalta-se que dentre as notícias enquadradas como indiferentes, há mapas que mostram que o questionamento sai do centro expandido, mas não avança às periferias.

Outro dado importante é a ausência de notícias sobre inundação, poluição e quadro geral do problema no centro expandido, o que sugere que tais questões incidem de forma mais relevante fora dessas áreas, sugerindo maior vulnerabilidade fora do centro expandido.

A figura 03 mostra que, na análise dos cruzamentos entre enquadramentos e fontes, o poder público municipal é a fonte mais presente quando se trata da manutenção da canalização e notícias de inundação, enquanto a crítica a esse paradigma tem como principal fonte as ONGs e afins. Outro dado interessante é que na maior ocorrência do enquadramento “quadro geral do problema”, as reportagens não citam fontes, sendo que o jornalista assume o papel de expert para avaliar essa questão de grande complexidade.



Figura 03 - Enquadramentos x fontes


A figura 04 ilustra que o enquadramento da manutenção do paradigma possui o maior número de ocorrências por ano. Exceção para o ano de 2010, por causa de uma série de enchentes que assolaram a cidade de São Paulo, no qual as reportagens como enquadramento de inundação foram superiores.



Figura 04 - Paradigma tecnológico x ano



Por fim, as notícias que fazem a crítica ao paradigma da canalização de córregos somente começam a aparecer em 2009, com picos nos anos de 2012 e 2015. Em 2015, o número de notícias dessa natureza ficou muito próximo à manutenção do paradigma (7 para 8), categoria que, após 2011, não apresentou maior repercussão na mídia, talvez impulsionada por um período em que a principal questão vinculada à água em São Paulo passou a ser a falta de água para o abastecimento da população.


Considerações finais

A partir das notícias analisadas, da construção histórica e teórica do artigo, é possível concluir que a mudança de paradigma tecnológico, da canalização de córregos para a recuperação de rios, em especial a intervenção conhecida como daylighting, embora comece a ser construída nos últimos anos, ainda não apresenta grande força frente às notícias de manutenção do paradigma.

Por outro lado, a grande incidência desse tipo de notícia vinculada à ONGs e movimentos ambientalistas indica que essa pauta deve perdurar e pode crescer nos próximos anos, com a pressão desses movimentos sobre os agentes públicos e a busca por maior visibilidade de suas práticas.



Com relação à localização, há uma maior presença, ainda que não muito expressiva, dessas críticas no centro expandido e nas regiões com boa estrutura, ocupadas pelas classes de renda média e alta, o que se aproxima da hipótese do artigo: está em curso a construção de um discurso ecológico, compatível com a ideia de modernização ecológica, que tem como objetivo mudar a presença dos corpos d’água na cidade, mas que privilegia as áreas nobres e mais valorizadas. Quando se trata das áreas mais precárias e carentes, a ênfase continua sendo a canalização de córregos e suas implicações.

Também é necessário ressaltar que a pequena quantidade de notícias que tratam da questão de rios e córregos urbanos de forma mais geral (somente 6%) indica que não há diálogo entre contextos urbanos e formas de intervenção diversas, que possa responder aos desafios e oportunidades do tratamento de rios e córregos em São Paulo, prevalecendo uma lógica perversa que reproduz o privilégio as áreas mais nobres da cidade.

Por fim, vale destacar a necessidade de um monitoramento constante da produção de notícias pelos principais meios de comunicação, dentro de uma perspectiva interdisciplinar, sobre temas socioambientais e as formas de gestão e planejamento do território a fim de se consolidar uma nova agenda de pesquisa e construção de um banco de dados para diversos pesquisadores do tema.


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Vol 26, N°2


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en junio de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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